Valor econômico, v. 21, n. 5084, 11/09/2020. Brasil, p. A4

 

Divergências criam dúvida sobre derrubada do veto à desoneração

Fabio Murakawa

Fabio Graner

Vandson Lima

Renan Truffi

11/09/2020

 

 

Governo pode ir ao STF se Congresso reverter decisão de Bolsonaro

Divergências entre áreas do governo e também na articulação política do Palácio do Planalto criaram incertezas quanto ao veto presidencial à prorrogação da desoneração da folha de 17 setores da economia em 2021. O benefício fiscal termina em 31 de dezembro deste ano, mas o Congresso Nacional aprovou lei estendendo-o até o fim de 2021. O presidente Jair Bolsonaro decidiu vetar o dispositivo e, agora, parlamentares de vários partidos se articulavam para derrubar o veto.

Na terça-feira, o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), informou ao Valor que o governo concordou em abrir mão do veto, desde que o Legislativo se comprometesse a votar as reformas administrativa e tributária. Ele revelou que encaminharia acordo às lideranças partidárias com essa orientação na próxima semana.

Ontem, aparentemente, a orientação mudou. Auxiliares do presidente informaram que o governo recorrerá ao Supremo Tribunal Federal (STF), caso o Congresso derrube o veto. Para evitar a judicialização, o Palácio do Planalto estaria tentando costurar acordo com deputados e senadores para que o veto seja mantido, e uma desoneração mais ampla seja incluída na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo.

Essa solução não é unanimidade entre os articuladores do governo, mas indica que prevalece no momento a posição defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Uma ideia que circula no Ministério da Economia e no Planalto é que a desoneração, mais ampla, seja financiada dentro da PEC por meio do imposto eletrônico, ou a “nova CPMF”.

“Há um parecer jurídico da AGU de que a desoneração, como está hoje, é inconstitucional por causa da reforma da Previdência. Então, corre-se o risco de o Congresso derrubar esse veto da desoneração e o governo recorrer ao STF”, disse um ministro. A reforma da Previdência veda novas desonerações, mas há a interpretação no Congresso de que o benefício não é novo e, sim, prorrogação do que já existe.

Pelos planos do governo, disse esse ministro, vota-se o Pacto Federativo até no máximo novembro, e isso “resolve o problema de todo o mundo”. “Resolve o problema da desoneração, resolve o Renda Brasil, resolve para investimento, resolve para todo mundo, porque com tudo isso vai ter um déficit de R$ 30 bilhões”, afirmou a fonte.

Guedes continua resistente à derrubada do veto à desoneração. A avaliação é que a configuração atual tem problemas porque é restrita a alguns setores, fazendo com que parte da sociedade subsidie outra parcela da população, em alguns casos até mais bem remuneradas do que outras. Outro fator é que a medida retira espaço do teto de gastos, já que a desoneração tem uma contrapartida de despesa do Tesouro para a Previdência.

A costura política desse tema, contudo, não está mais diretamente sendo trabalhada por Guedes e sua equipe. Os técnicos da Economia têm apresentado ao Planalto, principalmente junto ao ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, seus argumentos contrários à derrubada do veto, inclusive em reunião que também envolveu os líderes partidários.

A inclusão da desoneração na PEC do Pacto Federativo possivelmente será discutida diretamente entre o relator da matéria, senador Marcio Bittar (MDB-AC), e Bolsonaro, segundo fontes informaram ao Valor. Apesar de ser contra a derrubada do veto presidencial, a equipe econômica percebe que a pressão está forte e sabe da dificuldade política para manter o fim desse benefício.

O sonho do time de Guedes era uma desoneração horizontal, da folha de pagamentos, sem distinção de setores, que seria financiada pela nova CPMF. O avanço disso, contudo, depende de superar resistências de lideranças, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e dos próprios articuladores da PEC, que temem que o excesso de assuntos polêmicos coloque tudo a perder.

Com o veto derrubado, a desoneração da folha para os 17 setores teria validade por mais um ano. Os segmentos beneficiados têm alegado que, sem isso, haverá fechamento em massa de postos de trabalho. E também há reclamações pela falta de definição sobre o tema, que dificulta o planejamento orçamentário das empresas para o próximo ano.

A intenção do governo de judicializar uma possível derrubada do veto sobre a desoneração da folha de pagamento pegou de surpresa integrantes da própria base aliada. Em caráter reservado, interlocutores disseram que a afirmação mostra que o assunto está longe de ser resolvido, o que pode complicar a votação do veto nos próximos dias.

Ontem, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) disse que o argumento para a derrubada seria que os congressistas aprovaram renúncia de receita sem que uma nova fonte fosse indicada.

De acordo com fontes no Congresso, a nova declaração vai na contramão do que estava sendo discutido, nos bastidores, entre senadores e deputados. “Está cada um vestindo óculos diferentes. Isso só reforça que a solução está mais distante”, disse um interlocutor.

Como mostrou o Valor na terça-feira, alguns líderes do governo já estão aceitando a derrubada do veto que impede a prorrogação da desoneração da folha para os 17 setores. Em troca, trabalhavam justamente para que o Congresso assumisse o compromisso com a votação, ainda neste ano, das reformas tributária e administrativa, da PEC do Pacto e de medidas de estímulo à economia.

A derrubada do veto pode garantir a manutenção de cerca de 6 milhões de empregos, mas tem custo estimado de R$ 10,2 bilhões, segundo cálculos da equipe econômica. Por causa disso, o governo já havia iniciado conversas para que fosse combinado algum tipo de compensação, como a aprovação das reformas.

Sejam quais forem as fontes de financiamento, a expectativa do Palácio do Planalto é que a PEC do Pacto Federativo solucione o problema da falta de recursos para obras e para o Renda Brasil, que o presidente Jair Bolsonaro pretende lançar em substituição ao Bolsa Família. Mas por causa do teto de gastos não bastam essas despesas serem financiadas com tributos. Será necessário fazer cortes em outras áreas do Orçamento.

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Com R$ 57 bi na mira, desindexar mínimo entra em discussão

Fabio Graner

11/09/2020

 

 

Tema, porém, é polêmico e não há consenso nem na própria equipe econômica

A equipe econômica discutiu nos últimos dias a possibilidade de estender para o salário mínimo a ideia de desindexação das despesas por dois anos. A medida, segundo cálculos de integrantes da equipe econômica, abriria um espaço fiscal de R$ 57 bilhões, sendo R$ 17 bilhões em 2021 e R$ 40 bilhões no ano seguinte.

A ideia foi levantada recentemente em conjunto com a proposta de inclusão do Renda Brasil na PEC do Pacto Federativo. Após o veto do presidente Jair Bolsonaro ao uso do abono como fonte de financiamento para o novo programa social, o Renda Brasil chegou a sair da mesa de negociações da nova PEC. Mas agora voltou diante da avaliação de que será preciso também dar uma notícia positiva dentro de um conjunto de medidas de austeridade fiscal. E, com isso, entrou em cena a ideia de ampliar a desindexação, que na proposta original não incluía o salário mínimo e os benefícios atrelados a ele.

Segundo fontes, a decisão de incluir o comando para o Renda Brasil no texto já estaria tomada (embora, diante das idas e vindas recentes, não se pode tomar como garantida). Mas a possibilidade de uma desindexação mais ampla, ainda não. E dependerá de novas conversas internas no próprio governo e com o relator da PEC do Pacto Federativo, senador Márcio Bittar (MDB-AC).

O tema é polêmico e não há consenso nem na própria equipe econômica, que sabe do potencial de conflito político. Afinal, significaria aceitar uma perda de poder de compra do salário mínimo, ainda que temporária, reduzindo em termos reais o valor de aposentadorias e benefícios assistenciais, como o BPC. E, dada a dificuldade que a proposta de usar o abono salarial enfrentou com o próprio presidente Jair Bolsonaro, o cenário para eventual adoção dessa medida é bastante incerto.

Por outro lado, na leitura de alguns técnicos do governo, a desindexação temporária do salário mínimo seria positiva porque permitiria uma abertura de espaço fiscal maior do que o abono, com um impacto individual no cidadão efetivamente menor. Além disso, há uma visão de que aumentos no salário mínimo estimulariam a informalidade e o desemprego, questões que se tornaram mais relevantes diante dos efeitos econômicos da pandemia do coronavírus, e que a manutenção do seu valor nominal ajudaria a gerar vagas.

As discussões sobre o novo desenho da PEC do Pacto Federativo estão mobilizando os técnicos do governo e do Congresso nas últimas semanas. Ela é a principal aposta do governo para promover o que se convencionou chamar de “rebaixamento do piso” do teto de gastos, o que evitaria uma compressão exagerada de investimentos e outras despesas da máquina e ainda abriria espaço fiscal para reforçar o sucessor do Bolsa Família.

Outros aspectos estavam sendo incluídos nos debates para formatação do texto a ser apresentado. Um deles é a troca da “regra de ouro” das contas públicas pelo indicador de relação entre despesas e a receita líquida da União. Originalmente, essa formatação era apenas para Estados e municípios, mas deve incluir a União também.

O governo e o Congresso também estudam estabelecer travas para pagamentos de “penduricalhos” a servidores públicos de todos os Poderes, de forma a limitar fortemente os casos em que funcionários receberão acima do teto remuneratório, que é o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), de R$ 39,2 mil. O alvo principal são os supersalários do Judiciário, que ficaram de fora da PEC da Reforma Administrativa.

As negociações entre governo e Congresso estavam avançando bem nos outros “D” da estratégia DDD (desvincular, desindexar e desobrigar). Nesse sentido, a tendência era que a nova proposta eliminasse os mínimos a serem gastos com saúde e educação. A lógica é que é preciso desamarrar os gestores, principalmente dos governos subnacionais, para agir conforme a leitura das necessidades mais urgentes de ação do Estado.

Uma fonte aponta que a atuação na pandemia tem como legado a ampliação de capacidade de atendimento de hospitais, que reduziriam a necessidade de recursos para investimentos nesse setor. Além disso, na educação haverá um megarreforço orçamentário com o Fundeb nos próximos anos, o que poderia liberar recursos de outras rubricas. Outro elemento apontado é que muitas vezes a exigência de gastos tem sido fonte de corrupção, porque, ao obrigar despesas que não seriam necessárias, facilitaria esquemas ilegais.

As negociações também estavam retirando de cena a ideia de extinguir municípios. Em compensação, deve haver um comando para redução de gastos com câmaras de vereadores, propondo um corte de duas vagas por município e uma diminuição total de mais de 10 mil vereadores no país.