Correio braziliense, n. 20914, 27/08/2020. Política, p. 2

 

Fritura pública do ex-superministro

Ingrid Soares 

Jorge Vasconcellos 

Luiz Calcagno 

27/08/2020

 

 

O presidente Jair criticou publicamente, ontem, a proposta do Renda Brasil, apresentada pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, durante reunião na terça-feira. Ao participar da solenidade de religamento do Forno 1 da Usiminas, em Ipatinga (MG), o chefe do Executivo informou que determinou a suspensão do lançamento desse projeto e de outras ações do Pró-Brasil, um pacote de medidas econômicas e sociais para tirar o país da crise. Ele deu três dias para Guedes apresentar uma nova proposta. O episódio foi visto, no meio político, como parte de um processo de fritura e de desmoralização do ex-superministro, cuja saída do governo vem sendo dada como certa.

Uma das propostas que incomodaram foi a de utilização do abono salarial dos trabalhadores (pago aos que ganham até dois salários mínimos) como uma das fontes para bancar o programa social. “Ontem (terça-feira), discutimos a proposta, a possível proposta do Renda Brasil. Eu falei: 'Está suspenso'. Vamos voltar a conversar. A proposta como a equipe econômica apareceu para mim não será enviada ao Parlamento. Não posso tirar de pobres para dar para paupérrimos”, disparou. “Não podemos fazer isso. Como a questão do abono para quem ganha até dois salários mínimo. Seria, né, um 14º salário. Não podemos tirar isso de 12 milhões de pessoas para dar para um Bolsa Família ou um Renda Brasil, seja lá o que for o nome deste novo programa.”

Em seguida, ele demonstrou que não está satisfeito com os resultados do trabalho da equipe econômica. “Ou o Brasil começa a produzir, começa a, realmente, fazer o plano que interessa a todos nós, que é o melhor programa social que existe, que é o emprego, ou estamos fadados ao insucesso”, frisou. “Não posso fazer milagre e conto com todos os brasileiros para que cada um faça o melhor de si para tirar o Brasil da situação difícil em que se encontra, que não é de hoje.”

Na proposta inicial de Guedes, o benefício do Renda Brasil, o novo Bolsa Família, teria o valor médio de R$ 247, superior aos R$ 190 pagos atualmente pelo programa criado no governo do ex-presidente Lula (PT). A ideia é atender a cerca de 21 milhões de famílias de baixa renda — os 14 milhões que já recebem o Bolsa Família e mais 6 ou 7 milhões de “invisíveis” que o governo encontrou com os cadastros do auxílio emergencial.

Porém, espera que o ministro da Economia consiga aumentar a proposta, o que, entre outras repercussões, poderia turbinar sua popularidade, a exemplo do que ocorreu com o auxílio emergencial.

O presidente também não quer arcar com o ônus político de tirar benefícios já concedidos à população mais carente para bancar o Renda Brasil. Resta saber, agora, de onde virão os recursos. Uma das propostas de Guedes é dar fim às deduções do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). Ele também vem sugerindo a extinção de programas sociais que considera ineficientes, como o seguro-defeso (pago a pescadores artesanais no período de reprodução dos peixes, quando a pesca é proibida) e o Farmácia Popular.

Mercado

As críticas públicas de ao trabalho da equipe do ministro, com a suspensão do envio da proposta do Renda Brasil ao Congresso, levaram apreensão ao mercado financeiro. Além da incerteza sobre a permanência de Guedes no governo, a ideia do chefe do Executivo de elevar o valor do benefício a ser pago pelo programa provocou preocupação em relação à obrigação de cumprimento do teto de gastos.

Além disso, circularam rumores de que Guedes convocaria uma coletiva de imprensa para comunicar sua saída do governo. A assessoria de imprensa do Ministério da Economia precisou emitir uma nota para desmentir a informação. “Não procede marcação de coletiva para pedido de demissão. Ministro continua despachando normalmente. Estava em reunião com secretários de Fazenda, conforme agenda (leia reportagem na página 6)”, diz o comunicado da pasta.

Guedes tornou-se alvo de um processo de fritura dentro do governo em razão de embates com ministros que querem abrir exceções no teto dos gastos para investimentos públicos. Nessa disputa, em dois momentos, mesmo que de forma dúbia, posicionou-se publicamente ao lado do chefe da equipe econômica. Ontem, porém, as críticas à proposta do Renda Brasi levam a crer que esse apoio pode ter chegado ao fim.

O economista José Luís Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), considerou que Guedes pode sair  em breve. “Acho que Guedes não fica no cargo. O presidente quer o programa Renda Minha de R$ 300, e Guedes quer fundir programas já existentes que, juntos, não chegam a R$ 250. A única alternativa é flexibilizar o teto para atender ao que e a ala militar desejam, mas Guedes não fará isso”, avaliou. “É um problema insolúvel. Guedes não tem como entregar o que o governo deseja.”