O globo, n. 31777, 07/08/2020. Sociedade, p. 8

 

Pouca prevenção

Renato Grandelle

Johanns Eller

07/08/2020

 

 

Ibama gastou 19% dos recursos de 2020 contra incêndios florestais

 Para prevenir e controlar incêndios florestais como os que se veem agora no Pantanal e na Amazônia, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) gastou, até o dia 30 de julho, apenas 19% de seus recursos previstos para 2020. A Lei Orçamentária Anual (LOA) destinou R$ 35,5 milhões para que o Ibama tomasse iniciativas que poderiam conter o avanço do fogo em ecossistemas, mas somente R$ 6,8 milhões foram investidos nos primeiros sete meses do ano.

Trata-se de um valor muito inferior ao registrado na série histórica. Durante todo o ano de 2016, o Ibama gastou 90,1% dos R$ 43,8 milhões previstos para o combate às queimadas em áreas federais. Em seguida, foram 49,6% dos R$ 42,4 milhões fixados pela LOA em 2017, 54,4% de R$ 52,3 milhões em 2018 e 85,5% dos R$ 44,5 milhões previstos no ano passado.

O Ibama recebeu, entre abril e maio, R$ 50 milhões não previstos na LOA deste ano para o combate e prevenção às queimadas. O aporte, recuperado pela Operação Lava-Jato e direcionado ao instituto após uma decisão do Supremo Tribunal Federal em 2019, também foi pouco aproveitado pelo governo federal, a despeito das emergências ambientais.Domontante,apenas R$ 13 milhões (26%) foram utilizados pelo Ibama.

Ambientalistas alertam que a maioria dos investimentos contra queimadas em florestas deve ser realizada antes da estação seca nos biomas, ou seja, entre abril e junho. Nos meses seguintes, os incêndios proliferam e já não há mais tempo para tomar medidas preventivas.

Já o Ibama, questionado pelo GLOBO, afirma que os recursos para queimadas são executados principalmente a partir de julho, quando elas ocorrem, “e, portanto, através das ações de combate, via brigadistas, aeronaves e viaturas. Todo o orçamento será executado conforme previsto”.

PRESSÃO ESTRANGEIRA

Entre os programas recomendados para preparar os ecossistemas contra incêndios, estão a contratação e o treinamento de brigadistas, a realização de convênios com órgãos ambientais e a instituição de medidas de educação ambiental.

—O valor ridículo de gastos mostra a falta de vontade política no combate às queimadas — alerta o ambientalista F abi oFeldman n.—Toda alogística deveria ter sido montada há três ou quatro meses, e envolve uma ampla rede, que vai do sensoriamento remoto de áreas com tendência de queimadas ao uso de helicópteros para apoio de equipes que atuarão no solo.

No dia 30 de julho, a Amazônia registrou 1.007 focos deca lor.Éonú me romais alto registra doem um mês de julho desde 2005. Nesse mesmo dia, no ano passado, foram 406 focos. O Pantanal também é cenário de uma devastação histórica. Em todo o mês de julho, teve 1.669 focos de calor, maior índice desde 1998 e quase sete vezes mais do que a média registrada entre os meses de julho de 2009 a 2019.

Nas últimas 48 horas, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou 193 focos no Pantanal sul-matogrossense. A queimada já destruiu 1,1 milhão de hectares. Em decreto publicado ontem, a União reconheceu a situação de emergência dos municípios de Corumbá e Ladário, que estão encobertos por fumaça.

Para Carlos Minc,e x-ministro do Meio Ambiente, o Ibama pode ter dificuldades para usar seu orçamento devido a instabilidades na administração do órgão. Em fevereiro de 2019, por exemplo, o atual titular da pasta, Ricardo Salles, exonerou 21 superintendentes do Ibama de uma só vez.

— Diretores são demitidos, publicamente desqualificados ou têm medo dese pronunciar —critica. —O orçamento poderia ser complementado pelo Fundo Amazônia, onde há R$ 2,5 bilhões disponíveis. Seu comitê gestor permite o uso das verbas para prevenção ao incêndio, mas o ministro (Salles) preferiu inviabilizar esses financiamentos.

Os investimentos em controle e fiscalização ambiental também minguaram. A LOA previu R$ 75,8 milhões para a área. Até o dia 30 de julho, porém, foram gastos somente R$ 11,8 milhões, o equivalente a 15,5%.

Leonardo Ribeiro, economista no Senado Federal, considera que a Secretaria do Tesouro, ligada ao Ministério da Economia, deveria demonstrar interesse na utilização dos recursos previstos em lei, considerando que o país está sob pressão de investidores e governos estrangeiros.

—Isso pode ter relação com uma política ambiental atrasada. Do ponto de vista político, seria interessante que a execução orçamentária fosse mais alta. Mostraria que há um empenho para resolver o problema (das queimadas) — analisa Ribeiro, especialista em contas públicas.

O deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, avalia que o orçamento do Ibama é insuficiente para atender as demandas do órgão:

— O Ibama deve focar suas ações em campo em terras indígenas, reservas extrativistas e terras públicas não destinadas. Estamos sendo cobrados pelo mundo inteiro.