O globo, n. 31777, 07/08/2020. País, p. 6

 

Mendonça nega dossiê, mas defende sigilo de dados de inteligência

André de Souza

07/08/2020

 

 

Ao STF, ministro da Justiça afirma que não há investigação sobre servidores integrantes de movimentos antifascistas

 O ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, negou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a pasta investigue cidadãos identificados como integrantes de movimentos antifascistas. Ele argumentou, no entanto, que as atividades do serviço de inteligência do ministério são sigilosas e não podem ser

compartilhadas nem mesmo com o Judiciário.

Após a revelação, pelo portal Uol, de que a Secretaria de Operações Integradas (Seopi), vinculada à pasta, produziu em junho relatórios secretos com informações de 579 servidores públicos, a ministra do STF Cármen Lúcia determinou que Mendonça prestasse explicações. No ofício em resposta à ministra, Mendonça defendeu o trabalho da Seopi, e fez uma distinção entre atividade de inteligência e investigação criminal. Na terça-feira, o ministro exonerou o diretor de inteligência da secretaria.

“A investigação criminal tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais. A atividade de inteligência, por seu turno, dedica-se a produzir conhecimentos para assessorar o processo decisório das autoridades públicas. Assim, é dever dizer que não há qualquer procedimento investigativo instaurado contra qualquer pessoa específica no âmbito da Seopi, muito menos com caráter penal ou policial. Não compete à Seopi produzir ‘dossiê’ contra nenhum cidadão”, diz trecho do ofício.

Mendonça afirmou ainda que que a “atividade de inteligência não visa a um grupo ou movimento específico, mas, sim, toda e qualquer atividade que possa configurar ameaça potencial à segurança pública, às instituições democráticas e à violação de direito e garantias fundamentais do cidadão”.

Em outro documento enviado em conjunto com o texto de Mendonça, o advogado da União Bernardo Batista de Assumpção acrescentou mais alguns

argumentos. Para ele, uma ação baseada apenas em reportagem jornalística, “à míngua de qualquer elemento probatório”, não deve ter continuidade no STF.

 ‘CARÁTER RESERVADO’

O texto anexado ao ofício de Mendonça tem uma redação dúbia sobre a existência de relatórios de inteligência acerca de movimentos antifascistas, dizendo que essas atividades são sigilosas e, por isso, não são usadas para embasar investigações criminais.

“Os contornos legais do Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência) não deixam dúvidas de que a atividade de inteligência é plenamente legítima e não significa pré-julgamento ou emissão de carga de valor positivo ou negativo sobre determinado contexto, de sorte que seu inerente caráter reservado justifica-se por conta da necessidade de preservação dos atores sociais e estatais tratados nas informações, que, cumpre repisar, não se confundem com investigações policiais ou quaisquer medidas correlatas”, diz o documento.

Em outro trecho, o advogado da União afirma que “compelir os órgãos de inteligência a desempenharem suas atividades com escopo fechado e tão-somente após verificada a presença de elementos robustos de existência de concreta ameaça aos interesses nacionais redundaria não apenas no esvaziamento da função de inteligência em si, como também acabaria por submeter a inadmissíveis riscos a integridade e segurança do Estado e das pessoas”.

Os documentos com a posição do governo foram enviados no escopo de uma ação em que o partido Rede Sustentabilidade solicita a “imediata suspensão da produção e disseminação de conhecimentos e informações de inteligência estatal produzidos sobre integrantes do movimento antifascismo”.

Mendonça pediu que a ação seja rejeitada e que o STF adote uma postura de autocontenção, ou seja, que não interfira no assunto. Ele afirmou que vazamento de informações de inteligência é fato grave e, em caso de compartilhamento, haveria consequências para o Brasil, como dificuldades para trocar informações com outros países, inclusive no que diz respeito ao combate a crimes transnacionais.

O ministro também informou à Corte que se colocou à disposição do Congresso para prestar esclarecimentos sobre o caso, o que ocorrerá hoje à tarde.