O Estado de São Paulo, n.46266, 19/06/2020. Política, p.A13

 

Inquérito sobre fake news ganha aval do STF

Rafael Moraes Moura

19/06/2020

 

 

Investigação, aberta por decisão individual de Dias Toffoli, é mantida por 10 votos a 1

Ao votar, Dias Toffoli disse que inquérito sobre fake news serve para proteger tribunal de ataques e ameaças

Por 10 a 1, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem dar aval à continuidade das investigações do inquérito que apura ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrantes da Corte e seus familiares. Na prática, o entendimento do Supremo abre caminho para que as provas coletadas sejam compartilhadas com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), “turbinando” ações que podem levar à cassação do presidente Jair Bolsonaro e do seu vice, Hamilton Mourão.

O inquérito das fake news já fechou o cerco contra o chamado “gabinete do ódio”, grupo de assessores do Palácio do Planalto comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente da República. Em setembro do ano passado, o Estadão publicou a primeira reportagem sobre a articulação do grupo.

Ainda tramitam no TSE oito ações contra a campanha de Bolsonaro e Mourão, das quais quatro – consideradas mais delicadas – tratam de disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp. Segundo o Estadão apurou, ministros do TSE avaliam que as provas coletadas até aqui nessas ações não são suficientes para cassar o mandato do presidente. No entanto, integrantes da Corte Eleitoral avaliam que o compartilhamento de informações pode dar um novo fôlego às investigações, se as provas coletadas pelo Supremo forem robustas.

O relator do inquérito das fake news, ministro Alexandre de Moraes, ainda analisará o pedido de compartilhamento feito pelo relator das ações no TSE que miram a chapa Bolsonaro/Mourão, ministro Og Fernandes.

Por decisão de Moraes, empresários bolsonaristas tiveram quebrado o sigilo bancário e fiscal no período de julho de 2018 e abril de 2020, alcançando, portanto, o período da última eleição presidencial. O ministro já apontou indícios de que um grupo de empresários atua de maneira velada financiando recursos para a disseminação de fake news e conteúdo de ódio contra integrantes do STF e outras instituições.

Mecanismo. O julgamento no STF sobre a validade do inquérito das fake news foi concluído ontem. Ao votar pelo prosseguimento da apuração, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, observou que os resultados obtidos ao longo das investigações revelaram a existência de “aparato criminoso, uma máquina de fake news”, que contaria com apoio de diversos núcleos, “um deles financeiro”.

“Há um núcleo decisório, político, financeiro e técnico-operacional, à semelhança das organizações criminosas, ofendendo com propósito vil, criminoso”, afirmou Celso de Mello. “Torna-se necessário deter esses agentes anônimos, independentemente de suas posições na República. Regimes sensíveis a tentações autoritárias convivem bem, muito bem, com práticas de intolerância e de desrespeito aos que a ele se opõem, revelando com tal comportamento perfil incompatível com o Estado democrático de direito, muitas vezes chegando até mesmo a estimular manifestações populares e mensagens que absurdamente qualificam como inimigos aqueles que legitimamente exercem o direito constitucional de oposição”.

Ao dar o nono voto a favor do prosseguimento do inquérito, Mello acrescentou: “Fake news, muitas emanadas de um suposto ‘gabinete do ódio’, com ofensas às instituições democráticas, não merecem a dignidade da proteção constitucional que assegura a liberdade do pensamento”.

Meio e fim. Responsável pelo ato unilateral que criou o inquérito das fake news, o presidente do STF, Dias Toffoli, afirmou que a banalização do ódio advindo das fake news “é um fungo, que cresce e se espalha a partir de si mesmo”, que tem como meta “multiplicar o caos”. Ele acrescentou: “A instauração deste inquérito se impôs e se impõe não porque o queremos, mas porque não podemos banalizar ataques e ameaças a este Supremo Tribunal Federal”.

O único voto contra o prosseguimento do inquérito das fake news veio do ministro Marco Aurélio Mello, que o considerou “natimorto”, por ter sido aberto por iniciativa do próprio STF, à revelia da Procuradoria-Geral da República. “No direito, o meio justifica o fim, jamais o fim justifica o meio. O Judiciário é um órgão inerte, há de ser provocado para poder atuar. Toda concentração de poder é perniciosa”, criticou o ministro.

‘Aparato’

“Há um núcleo decisório, político, financeiro e técnico-operacional, à semelhança das organizações criminosas, ofendendo com propósito vil, criminoso.”

Celso de Mello

MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL