Valor econômico, v. 21, n. 5070, 21/08/2020. Política, p. A5

 

Câmara preserva veto de Bolsonaro a reajuste de servidores

Raphael Di Cunto

Marcelo Ribeiro

Daniel Rittner

21/08/2020

 

 

Governadores e prefeitos atuaram junto com presidente e Rodrigo Maia para manter medida

Os deputados confirmaram ontem, por 316 votos a 165, o veto do presidente Jair Bolsonaro que proibiu reajustes salariais, novas contratações e progressão na carreira dos servidores públicos federais, estaduais e municipais da saúde, assistência social, educação e segurança pública que estejam “diretamente envolvidos no combate à covid-19” até dezembro de 2021. Com isso, o salário do funcionalismo ficará congelado por um ano e meio.

O governo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), trabalharam intensamente desde quarta-feira, quando os senadores derrubaram o veto por 42 votos a 30, para convencer os deputados. Governadores e prefeitos também apoiaram a medida nos bastidores para evitar uma pressão por aumentos.

Segundo um auxiliar direto do presidente, o governo compreendeu que a decisão do Senado foi um recado da Casa sobre as dificuldades de diálogo com o Executivo. Além do sinal negativo ao mercado neste momento, o que incomodou o presidente e seus principais assessores foi que o veto de Bolsonaro fora assinado após um acordo feito com os presidentes da Câmara e do Senado de que ele seria mantido. Esse entendimento havia sido, inclusive, anunciado a empresários com o objetivo de acalmá-los em relação ao impacto fiscal que a medida poderia ter de fato.

Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmaram que isso tornaria o país “ingovernável” porque teria um impacto potencial de R$ 130 bilhões nas contas públicas - R$ 98 bilhões para os Estados e municípios e R$ 31,5 bilhões para o governo federal.

A oposição criticou o cálculo. O líder da minoria no Congresso, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), afirmou que Guedes fez “fake news” para impressionar a população, mas que o próprio governo já informou impacto menor, de R$ 43 bilhões, e que mesmo esse número era contestável porque não há reajustes propostos para fazer a conta. Além disso, só os profissionais diretamente envolvidos no combate à covid-19 poderiam ser contemplados. “Vamos adiar a votação para o ministro vir aqui e dizer de onde tirou essas contas”, provocou.

Ele lembrou ainda que a ampliação das exceções foi proposta pelo próprio governo, na figura do seu então líder, o deputado Vitor Hugo (PSL-GO), com aval de Bolsonaro. Inicialmente, os beneficiados seriam apenas os trabalhadores da saúde, educação e segurança pública, mas a lista aumentou para contemplar assistentes sociais, trabalhadores da limpeza e peritos. Na época, Vitor Hugo afirmou que não era líder de um ministro (Guedes), mas do presidente. Depois, pressionado pela equipe econômica, Bolsonaro vetou todas as exceções.

Com a decisão, os servidores federais, municipais e estaduais terão o salário e outros benefícios congelados. Isso é uma contrapartida ao pacote de ajuda aos Estados e municípios aprovado no primeiro semestre pelo Congresso, na ordem de R$ 120 bilhões para combate à covid-19 e compensar a queda na arrecadação. O dinheiro era visto pelos governadores e prefeitos como essencial para pagar os salários.

Além de congelar os aumentos, o projeto também proíbe, até dezembro de 2021, a criação de cargos, reestruturação de carreiras, realização de concurso público, contratação de pessoal que não seja para reposição de cargos vagos, criação ou aumento de benefícios ou auxílios para os servidores. A medida vale para a União, Estados e municípios.

Líder do PSB na Câmara, o deputado Alessandro Molon (RJ) disse que o cerne da disputa não era o impacto nas contas, mas as prioridades do governo Bolsonaro, que pretende propor um Orçamento maior para o Ministério da Defesa do que para o da Educação em 2021. “Para o profissional de saúde que morre como um soldado na guerra para nos defender na guerra da covid não há dinheiro, mas para aumentar a verba da Defesa quando não há guerra, há dinheiro?”, questionou, citando o veto a indenização para médicos mortos.

Já Maia defendeu que o congelamento é simbólico, num momento em que governadores e prefeitos estão com dificuldades financeiras e nem teriam dinheiro para aumentar salários. “Não é tanto pelos valores, é pelos princípios”, disse. “Caminhamos para 2 milhões de desempregados só no período da pandemia. Não dá para o setor público não dar a sua contribuição”, reforçou. Ele atuou diretamente, junto com o governo, pela aprovação.

Nas negociações, o governo ainda ameaçou rever projetos em gestação, como o repasse de R$ 4 bilhões para ajudar as empresas de transporte coletivo e a prorrogação do auxílio emergencial para os trabalhadores informais e desempregados, por falta de dinheiro. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), disse que o prazo do auxílio poderia ser encurtado. Segundo ele, Bolsonaro anunciaria o novo valor na noite de ontem, após a votação - numa medida que poderia minimizar o desgaste político do congelamento, mas que não tinha ocorrido até o fechamento desta edição.

A pressão pública e mobilização do governo surtiu efeito e partidos que estavam divididos ou tendiam a votar pela derrubada do veto foram favoráveis à manutenção quando a votação chegou. O líder do PSL na Câmara, Felipe Francischini (PR), disse no começo da tarde que a bancada seria liberada, mas, à noite, defendeu que a manutenção era necessária “por questão de responsabilidade fiscal”. “É uma votação muito difícil para minha bancada porque temos diversos deputados oriundos da segurança pública”, explicou. Só as legendas de oposição votaram contra.

Apesar do discurso fiscalista, o próprio Bolsonaro segurou a sanção para atender sua base eleitoral e garantiu, antes do congelamento, aumentos salariais aos policiais civis, militares e bombeiros do Distrito Federal, Amapá, Rondônia e Roraima e uma reestruturação da Polícia Federal. Essas medidas custarão R$ 1 bilhão até o fim de 2021.

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Senadores cobram de Guedes explicações sobre acusação

Renan Truffi

Vandson Lima

21/08/2020

 

 

Governo pode ter que fazer substituições na sua liderança

A análise do veto a reajustes de servidores desencadeou uma crise entre Senado e a equipe econômica, assim como expôs as divergências na base aliada que o governo tenta sedimentar no Congresso Nacional. Depois de serem acusados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de cometerem “um crime”, os senadores querem explicações da pasta. Já o governo pode ter que fazer substituições na sua liderança, como forma de se organizar para a votação de reformas e projetos considerados prioritários.

O tom belicoso do Ministério da Economia, logo após a votação, foi o que irritou tanto senadores que votaram pela manutenção do veto quanto os que optaram pela sua derrubada. Isso porque Paulo Guedes disse que o Senado deu um "sinal muito ruim" para o país. Mais do que isso, acusou os parlamentares de cometerem “um crime”.

Os senadores justificam que, antes do veto, o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus - como é chamado o projeto original - foi aprovado nas duas Casas a partir de uma negociação entre Legislativo e Executivo. Na época da aprovação da matéria, em maio deste ano, o texto que foi vetado recebeu validação unânime e relatório favorável do próprio presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que teria negociado todos os termos do texto com o governo Bolsonaro.

No WhatsApp dos parlamentares, inclusive, circula um vídeo de uma das audiências que Paulo Guedes participou no Congresso, no qual ele admite que somente servidores que atuam na linha de frente de combate ao coronavírus poderiam ficar de fora da regra que impede o aumento de salário do funcionalismo. É exatamente este o teor do artigo que foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro e que os senadores optaram por derrubar.

“É claro que, durante toda essa pandemia, médicos, policiais militares, enfermeiros, todo mundo que estiver na linha de frente de combate, devem ser uma exceção a qualquer, digamos assim, impedimento de aumento de salário”, diz o próprio Guedes no vídeo. A afirmação foi feita no último mês de abril.

Os senadores também criticam a equipe econômica por propagandear que a derrubada do veto teria um impacto de R$ 132 bilhões nos gastos públicos em até dois anos. “Isso é fazer terrorismo econômico. De onde tiraram esse valor de impacto financeiro? Tem que se certificar sobre esses cálculos”, disse o senador Esperidião Amin (PP-SC), um dos parlamentares a votarem contra o Palácio do Planalto.

As críticas levaram os senadores a articularem um convite para que o ministro da Economia dê explicações ao Congresso. A ideia é, primeiro, fazer um convite para Guedes, como de praxe. Mas, caso ele se recuse, os senadores poderiam aprovar uma convocação,  o que tornaria a presença dele obrigatória. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), apressou-se em dizer aos colegas, ontem, que vai fazer a interlocução com o ministro.

A crise não deve acabar apenas com as explicações de Guedes. A votação expôs as dificuldades do governo em obter vitórias em temas sensíveis no Senado, como é o caso de pautas que envolvem o funcionalismo público. No total, quatro senadores próximos aos governo são lembrados por, supostamente, terem traído o Palácio do Planalto na votação, sendo que três deles são de partidos ligados ao Centrão: Esperidião Amin, Daniella Ribeiro (PP-PB), Izalci Lucas (PSDB-DF) e Jorginho Mello (PL-SC).

O nome que mais chamou atenção, no entanto, foi o de Izalci Lucas, que é vice-líder do governo no Senado. Sem nenhum arrependimento, o senador diz que avisou o governo sobre seu voto, alegou que falta “carinho” do Palácio do Planalto e colocou o cargo à disposição. Eleito pelo Distrito Federal, ele é ligado à categoria dos servidores públicos. “Tenho trabalhado para ajudar o governo. E olha... o que o governo bate no meu partido, no PSDB, é uma coisa irracional. Se vai me tirar por causa dessa votação... o cargo é de confiança e é do presidente”, respondeu.