Correio braziliense, n. 20909, 22/08/2020. Política, p. 2

 

Vitória isolada do governo

Jorge Vasconcellos 

Luiz Calcagno 

22/08/2020

 

 

A manutenção na Câmara do veto do presidente Jair Bolsonaro ao reajuste dos servidores em 2021 foi vista, por parlamentares e especialistas, como resultado do empenho do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e não exatamente de articulação do governo. A avaliação é de que a base do Executivo no Congresso segue mutante, e as negociações em relação às pautas de interesse do Planalto serão voto a voto.

O placar de 316 votos pela manutenção do veto, contra 165, mostrou, também, a capacidade de mobilização do Centrão. Ao lado dos partidos independentes — DEM, MDB e PSDB — e de Maia, o bloco parlamentar construiu uma maioria na Casa e salvou o Executivo de uma despesa extra no ano que vem. Apesar do alívio, esse episódio também reforçou a dependência do Planalto em relação à velha política da troca de cargos por apoio em votações.

O líder do PT na Câmara, Enio Verri (PR), está entre os que viram a manutenção do veto como um triunfo de Maia. O parlamentar destacou que a aliança com o Centrão ainda não está finalizada. “Eu não acho que o governo tenha consolidado a base. O que ocorreu foi uma demonstração de força do Rodrigo Maia, que é fiscalista. Ele tem essa preocupação equivocada de colocar o equilíbrio fiscal como uma coisa mais importante do que a vida dos trabalhadores”, ressaltou. “E, como ele tem o respeito dos deputados, mostrou o tamanho dele. Foi falar no plenário sem ser líder. Ele precisou dizer que apoiava a manutenção do veto para garantir os votos.”

O deputado Bibo Nunes (PSL-RS) discordou. Ele viu a participação de Maia como importante, mas acredita que a experiência do novo líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR), foi fundamental para conseguir reverter o veto. O que provaria, na visão do parlamentar, que o presidente da República está fortalecendo sua base entre os deputados. “Tanto que conseguiu reverter a votação do Senado com 316 votos, e demonstrou força. E a tendência é aumentar essa base. A articulação foi do líder do governo e de Maia”, frisou.

Bolsonaro aliou-se ao Centrão pouco mais de um ano e meio depois de insistir na opção de não compor uma base parlamentar que atuasse em coalizão com o governo. Com a vitória de quinta-feira na Câmara, o bloco parlamentar, que já ocupa um amplo espaço na máquina federal, pode aumentar o valor da fatura.

“Isso (a votação) mostrou o poder de fogo do Centrão, que tem meios de construir uma maioria. Mostra que o governo está longe de ter um controle sobre uma base e fará com que o preço da inclusão do Centrão aumente. Eles (os deputados) mostraram que o governo precisa deles. Agora, vai vir a fatura. É da natureza do presidencialismo de coalizão, em que o Executivo constrói uma maioria e, como contrapartida, libera verbas, recursos do orçamento e cargos de visibilidade. Um ministro tem visibilidade grande. Pode emplacar uma carreira de prefeito depois”, explicou Geraldo Tadeu Monteiro, cientista político e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Para Ricardo Ismael, professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o governo ainda precisa concluir a construção dessa base para votar matérias mais complexas, “e evitar que o governo tome bola nas costas como foi a derrubada do veto” ao reajuste dos servidores no Senado, na véspera da votação na Câmara. “O presidente deve uma a Rodrigo Maia, que se empenhou para que a Câmara não aprovasse a decisão, mas isso mostra a dificuldade dessa base construída aos trancos e barrancos, com mudanças de liderança e liberação de verbas. Esse teste (da votação do veto) mostrou que a base é pouco orgânica. O governo seguirá negociando votação por votação”, avaliou.

A expectativa, agora, é em relação ao que o Planalto fará com os senadores aliados que ajudaram a derrubar o veto na quarta-feira. Vice-líder do governo no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF) deve perder o cargo nos próximos dias. Já os colegas Jorginho Mello (PL-SC), Soraya Thronicke (PSL-MS) e Daniela Ribeiro (PP-PB) devem sofrer retaliações em relação aos cargos que detêm no governo e à liberação de emendas.

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Panos quentes em "Comissão" de Alcolumbre

Simone Kafruni 

22/08/2020

 

 

Após uma semana tensa, com decisões opostas das casas do Congresso sobre o veto presidencial ao reajuste salarial de servidores, a relação do Planalto com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não deve mudar, avaliam especialistas. Mesmo que, nos bastidores, tenha se aventado que Alcolumbre pisou na bola ao não estar presente na votação que derrubou o veto, assim como Maia recebeu elogios por ter garantido sua manutenção, a análise é de que há muitos projetos e vetos importantes pela frente para deixar que isso atrapalhe a relação entre os Poderes.

Quem mais se esforça para garantir o equilíbrio é o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso. “A gente tem aprimorado o relacionamento, por parte da liderança do governo, para dialogar mais, deixar as coisas claras, porque o governo quer aprovar reformas”, disse. “A semana foi tensa, mas não é nada anormal. Isso é uma construção permanente, de aferir cada matéria, cada voto decisivo. É preciso respeitar o espaço de cada um, sem chateação, para tocar as pautas do governo.”

Para Cristiano Noronha, vice-presidente e sócio da Arko Advice, a situação gerou mal-estar. “Ao governo, não convém tensionar demais com Alcolumbre, porque há vetos importantes vindo por aí, como o da desoneração, do BPC (Benefício de Prestação Continuada), saneamento”, disse. Segundo ele, é preciso lembrar que foi o Senado que aprovou o marco do saneamento, conduzido por Alcolumbre. “Com essa nova postura do presidente Jair Bolsonaro, mais cautelosa, há espaço para haver entendimento e superar problemas.”