O Estado de São Paulo, n.46265, 18/06/2020. Política, p.A4

 

Maioria do STF dá aval a inquérito das fake news

Rafael Moraes Moura

Pepita Ortega

18/06/2020

 

 

Judiciário. Oito ministros da Corte se posicionam a favor da continuidade da investigação; em seus votos, dizem que liberdade de expressão não pode justificar discursos de ódio

Oito dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já votaram a favor da continuidade das investigações do inquérito que apura ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrantes da Corte e seus familiares. A sessão de ontem foi marcada por uma enfática defesa institucional do papel do Supremo na democracia. Em seus votos, os ministros argumentaram que a liberdade de expressão não deve abrir espaço para discursos de ódio e ataques a instituições, o que alguns representantes do STF classificaram como “bandidagem”.

Ontem, o tribunal retomou o julgamento de uma ação do partido Rede Sustentabilidade que questiona a legalidade do procedimento instaurado em março do ano passado por decisão do próprio presidente da Corte, Dias Toffoli. A maioria do colegiado deu aval ao inquérito.

A apuração já fechou o cerco contra o chamado “gabinete do ódio”, grupo de assessores do Palácio do Planalto comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. A existência do gabinete do ódio foi revelada pelo Estadão em setembro do ano passado.

O julgamento da validade do inquérito das fake news avançou um dia depois de o ministro Alexandre de Moraes autorizar a quebra de sigilo bancário de dez deputados e um senador bolsonaristas em outra investigação que tramita no Supremo – sobre atos antidemocráticos. Após a medida, no fim da noite de anteontem e ontem, o presidente mandou recados à Corte e chamou as quebras de sigilo de “abuso”, prometendo tomar “medidas legais” para “proteger a Constituição e a liberdade dos brasileiros”.

O julgamento sobre a legalidade do inquérito das fake news deve ser concluído hoje. Na sessão de ontem houve uma união dos ministros em defesa do STF frente à escalada de protestos – no último fim de semana, fogos de artifício de militantes bolsonaristas foram disparados em direção à sede do tribunal.

Ao apresentar o voto, o relator do inquérito das fake news destacou alguns dos ataques à Corte, entre eles uma publicação de uma advogada “incitando o estupro” de filhas de ministros do STF. “Em nenhum lugar do mundo isso é liberdade de expressão, isso é bandidagem, é criminalidade”, disse Moraes.

O recado de que ameaças, ataques e discursos antidemocráticos dessa natureza não estão protegidos pela liberdade de expressão foi reforçado pelos outros integrantes da Corte. “Não estamos aqui a tratar de cerceamento de liberdades. Liberdade rima juridicamente com responsabilidade, mas não rima juridicamente com criminalidade, menos ainda com impunidade de atos criminosos ou que podem vir a ser investigados. Milícias e organizações criminosas formadas para estilhaçar o sistema democrático não têm espaço nem tutela do direito vigente numa democracia”, afirmou Cármen Lúcia.

O ministro Gilmar Mendes endossou a posição dos colegas. “Não se trata de liberdade de expressão. O uso orquestrado de robôs para divulgar ataques ao STF passa longe da mera crítica.” Gilmar apontou que integrantes da Corte já vinham sofrendo ataques, o que não teria sido devidamente analisado pela Procuradoria-Geral da República, levando, portanto, o Supremo a abrir o inquérito por iniciativa própria. “As ameaças à vida de ministros e seus familiares não foram anteriormente apuradas, embora já ocorressem com alguma frequência.”

O inquérito foi aberto em março do ano passado por iniciativa de Toffoli, sem um pedido da PGR. As investigações já levaram à censura de reportagem sobre o presidente do Supremo publicada no site O Antagonista e na revista digital Crusoé, o que foi alvo de críticas internas. No entanto, com o recrudescimento dos ataques ao STF, a resistência ao inquérito diminuiu entre os ministros, que passaram a enxergá-lo como um instrumento de defesa institucional.

Para o ministro Luís Roberto Barroso, as instituições democráticas não podem ficar “amedrontadas”. Ele afirmou que a democracia comporta militância, mas “quem recebe dinheiro para fazer campanhas de ódio não é militante, é mercenário, criminoso”. “Esse processo tem que prosseguir porque temos que matar no nascedouro esses atos abomináveis que vêm sendo praticados contra o Supremo Tribunal Federal”, disse Luiz Fux, que assumirá a presidência do tribunal em setembro.

Para a ministra Rosa Weber, o inquérito das fake news é uma resposta do Supremo frente os “ataques deliberados e destrutivos contra o Poder Judiciário e seus membros”.

Apreensão. O julgamento é acompanhado com apreensão pelo Palácio do Planalto, já que o inquérito das fake news pode pavimentar o caminho da cassação da chapa da eleição de 2018 do presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A avaliação entre ministros do tribunal é a de que, caso seja autorizado, um compartilhamento das provas do STF com a Justiça Eleitoral deve dar um novo fôlego às investigações que apuram o disparo de mensagens em massa na campanha presidencial de Bolsonaro em 2018.

VOTOS

• Até agora, oito dos 11 ministros do Supremo votaram pela continuidade do inquérito das fake news

Edson Fachin

Votou pela validade do inquérito, mas com delimitação de um foco de apuração e maior participação do MPF. “Não há direito no abuso de direito.”

Alexandre de Moraes

Para ministro, inquérito se justifica pois ataques sob investigação não têm a ver com liberdade de expressão. “É bandidagem, criminalidade.”

Luís Roberto Barroso

Instauração do inquérito, disse, é “perfeitamente legítima” para investigar ataques “massivos, orquestrados e financiados à Corte”.

Luiz Fux

Ao defender prosseguimento do inquérito, afirmou que é preciso “matar no nascedouro atos abomináveis” praticados contra o STF.

Rosa Weber

Ministra disse que inquérito é resposta institucional do STF. “Ataques contra o Judiciário e seus membros, em seu extremo, configuram crimes.”

Cármen Lúcia

“Liberdade rima com responsabilidade, não com impunidade de atos criminosos”, afirmou a ministra ao negar a ação que questiona o inquérito.

Ricardo Lewandowski

Ministro, também favorável à validade do inquérito, alegou que Corte deve zelar, com responsabilidade, pela segurança de seus integrantes.

Gilmar Mendes

Ministro argumentou, a favor do inquérito, que “o uso orquestrado de robôs para divulgar ataques ao STF passa longe da mera crítica”.

FALTAM VOTAR

Ministros Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Dias Toffoli