O Estado de São Paulo, n.46264, 17/06/2020. Economia, p.B5

 

ANA dará diretrizes ao setor de saneamento

Reneé Pereira

17/06/2020

 

 

Essa mudança é a que deve dar segurança jurídica: hoje 52 agências regulam a área

Uma das mudanças mais importantes do novo marco regulatório é a participação da Agência Nacional de Águas (ANA) na elaboração das diretrizes do setor. Na avaliação de especialistas, é essa alteração que trará mais segurança jurídica para os contratos e para os investidores. Atualmente, 52 agências reguladoras fazem a regulamentação do segmento.

“Isso cria um cenário caótico e atrapalha os investimentos”, diz o diretor da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Percy Soares. Exemplo disso, é que desde o início da quarentena foram publicados 230 decretos regionais sobre conta e proibição de corte de água durante o período do coronavírus.

Dentre as mudanças previstas pelo projeto de lei, a competência da ANA é quase uma unanimidade, seja entre a iniciativa privada ou o setor público. “Essa medida cria uma linha de melhores práticas que é muito positiva para o setor e para os investimentos”, diz a advogada Ana Cândida de Mello Carvalho, do Barbosa, Müssnich, Aragão (BMA). Para ela, essa foi uma das maiores conquistas do modelo.

O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), Marcus Vinícius Fernandes Neves, também elogia a medida e acredita que a ANA conseguirá trazer maior organização para o setor. Mas o executivo, que defende a união do público e do privado nos investimentos, critica outros pontos do projeto de lei.

Um deles está associado à formação de blocos para o processo licitatório, uma das bandeiras da Aesbe durante as discussões. O problema, reclama Neves, é que não há obrigatoriedade dos municípios participarem desse bloco. “Ou seja, se uma cidade maior quiser ficar de fora, ela pode. Isso traz uma fragilidade jurídica para o modelo.”

Outra crítica se refere ao prazo de 2033 para as empresas universalizarem os serviços de água e esgoto. “Hoje temos empresas privadas que fizeram estudos e que mostram que a universalização só ocorrerá em 2037. É preciso reconhecer o que os estudos estão definindo.” Ele conta que enviou ao Senado Federal uma carta apontando algumas mudanças no texto que irá a votação.

Há também quem seja contra a privatização das empresas estaduais neste momento. Com o argumento de que a pandemia derrubou o valor de mercado das companhias, eles tentam inviabilizar a votação. “Mas esse argumento não se sustenta uma vez que o processo de privatização é burocrático e longo. Não se vende uma empresa em menos de um ano”, diz Soares.

Aprovação. Para a advogada do BMA, o melhor neste momento seria aprovar o texto do como está. “Uma prorrogação poderia inviabilizar todo o projeto e todas as conquistas até agora.” O presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini, também acredita que é preciso levar adiante o novo marco regulatório, sobretudo por causa do momento atual. “O setor tem uma cadeia grande, que envolve engenharia, projetos, construção, fabricantes de equipamentos e operação dos serviços. Isso representa geração de empregos.”

Ele destaca que a mudança do setor não será do dia para a noite, exige planejamento e execução como em toda obra de infraestrutura. Mas é preciso começar, diz o executivo. “O setor vem de um passado em que os recursos tinham origem no Estado. Com a questão fiscal se agravando, as empresas perderam capacidade de investimento.”

O resultado disso é que 100 milhões de brasileiros ainda não têm acesso à coleta de esgoto e 35 milhões não são abastecidos com água potável. “No meio dessa pandemia, essas pessoas não têm água nem para lavar a mão”, diz Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil.

Melhores práticas

“Essa medida (a decisão de dar à ANA a elaboração das diretrizes para a área)cria uma linha de melhores práticas que é muito positiva para o setor e para os investimentos.”

Ana Cândida de Mello Carvalho

DO ESCRITÓRIO BARBOSA, MÜSSNICH, ARAGÃO

AS PROPOSTAS

•  Contratos

Pela regra atual, quando um contrato de uma área vence ele é automaticamente renovado, sem nova licitação. E é esse um dos principais pontos a serem alterados pelo marco regulatório para atrair novos investimentos privados. Todos os contratos vencidos terão de passar por um processo de concorrência. Haverá um prazo de transição até março de 2022. Nesse período, as estatais que comprovarem ter capacidade financeira para cumprir as metas de universalização poderão renovar seus contratos por 30 anos.

•  Agência reguladora

Hoje o setor é regulado por 52 agências reguladoras. Com o marco regulatório, elas seguirão diretrizes traçadas pela Agência Nacional de Águas (ANA). Isso inclui definir padrões de qualidade e eficiência na prestação de serviços; regulação das tarifas cobradas do consumidor; e parâmetros para determinação de caducidade (extinção) da concessão.

•  Licitação em blocos

As licitações deverão ocorrer em blocos de municípios. Com isso, não haveria o problema de algumas áreas menos atraentes ficarem de fora dos investimentos. Por outro lado, há quem critique o fato de não haver obrigatoriedade dos municípios para a adesão.

•  Universalização

Empresas terão de comprovar capacidade financeira para conseguir universalizar os serviços de água e esgoto até 2033. Até esse prazo, elas terão de garantir o atendimento de água potável a 99% da população e o de coleta e tratamento de esgoto a 90%. Quem não tem metas terá de incluí-las, por aditivo, até março de 2022, e se não o fizerem, correm risco de ter o contrato encerrado.