O Estado de São Paulo, n.46264, 17/06/2020. Metrópole, p.A9

 

Estudo indica 1º remédio capaz de reduzir a mortalidade em casos graves de covid

Giovana Girardi

17/06/2020

 

 

Pesquisa de Oxford com 6 mil pacientes apontou que a dexametasona foi capaz de salvar um terço dos pacientes com situação severa submetidos à ventilação. Medicamento já passa por análises no Brasil, coordenadas por Sirio, Einstein, HCor, Oswaldo Cruz, Moinhos e BP

Um remédio corticoide barato conhecido como dexametasona, usado para combater doenças como artrite e asma desde a década de 1960, foi capaz de reduzir a taxa de mortalidade de pacientes com quadro grave de covid-19 em um estudo clínico conduzido no Reino Unido.

Os resultados preliminares foram divulgados ontem por um grupo de pesquisadores da Universidade de Oxford em comunicado à imprensa. A pesquisa, que envolveu pouco mais de 6 mil pacientes, apontou que o medicamento foi capaz de reduzir as taxas de mortalidade dos pacientes mais graves, submetidos à ventilação, em um terço. É o primeiro remédio testado até agora contra a doença causada pelo novo coronavírus que se mostrou capaz de salvar vidas.

A droga, um forte anti-inflamatório e imunossupressor, foi aplicada dentro de um amplo estudo clínico randômico chamado Recovery, que investiga seis potenciais terapias contra a covid em mais de 11 mil pacientes. No teste com a dexametasona, 2.104 pacientes receberam doses de 6 mg da droga uma vez ao dia por dez dias. Após 28 dias, a situação deles foi comparada à de 4.321 pacientes que receberam só cuidados habituais.

Ao apresentar os resultados, os pesquisadores afirmaram se tratar de um “grande avanço”. Os dados, porém, ainda não foram submetidos à avaliação dos pares e não foram publicados em revista científica. Os cientistas disseram que, dada a importância desses resultados para a saúde pública, estão trabalhando para publicar todos os detalhes o mais rápido possível.

O medicamento está sendo avaliado no País para pacientes com quadro severo pela Coalizão Covid Brasil, esforço coordenado pelos hospitais Sírio Libanês, Albert Einstein, HCor, Moinhos de Vento, Oswaldo Cruz e Beneficência Portuguesa (BP) para testar diversas drogas candidatas. A expectativa é ter resultados em agosto.

O grupo de Oxford informou que, entre os pacientes que receberam a medicação, houve redução de um terço das mortes entre os pacientes submetidos à ventilação e de um quinto entre aqueles que recebiam apenas oxigênio. Não houve benefício para os pacientes que não precisavam de suporte respiratório.

Já entre os pacientes que receberam os cuidados usuais, a mortalidade em 28 dias foi de 41% naqueles que necessitaram de ventilação, de 25% nos pacientes que precisaram apenas de oxigênio e de 13% entre aqueles que não necessitaram de intervenção respiratória.

No comunicado à imprensa, Peter Horby, professor de doenças infecciosas emergentes do Departamento de Medicina de Nuffield e um dos principais autores do trabalho, disse que a dexametasona é a primeira droga que mostrou ser capaz de melhorar a sobrevida de pacientes com covid-19. “É um resultado extremamente bem-vindo. O benefício de sobrevivência é claro e grande nos pacientes que estão doentes o suficiente para necessitarem de tratamento com oxigênio. A dexametasona deveria agora se tornar padrão de atendimento nesses pacientes. A dexametasona é barata na prateleira e pode ser usada imediatamente para salvar vidas em todo o mundo”, disse.

Outro autor do trabalho, Martin Landray, professor de medicina e epidemiologia do Departamento de Saúde da População de Nuffield, afirmou que os resultados preliminares do estudo são claros. “A dexametasona reduz o risco de morte em pacientes com complicações respiratórias graves.” Ele afirmou considerar “fantástico” que um tratamento capaz de reduzir a mortalidade “esteja instantaneamente disponível e disponível em todo o mundo”.

Repercussão. Após a divulgação dos dados, o secretário de Estado da Saúde e Assistência Social do Reino Unido, Matt Hancock, afirmou que vai adotar o remédio na rede pública do País. Os resultados também foram saudados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por mostrarem que a droga pode salvar vidas de pacientes criticamente doentes. A OMS afirmou que vai coordenar uma “meta-análise para aumentar a compreensão geral dessa intervenção” e vai atualizar suas diretrizes sobre a covid-19 “para refletir como e quando o medicamento deve ser usado”.

Especialistas ouvidos pelo Estadão disseram que a notícia é boa, mas recomendaram atenção. Primeiro ao fato de os detalhes do estudo ainda não terem sido divulgados. Em segundo, ao perfil dos pacientes que se beneficiaram no estudo. “Não houve benefícios para casos mais leves, para quem não está sob ventilação ou recebendo oxigênio. Não é para o cara que recebe um diagnóstico e é mandado para casa passar na farmácia e comprar”, afirma o pneumologista Fred Fernandes, presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia.

RISCOS, ORIENTAÇÕES E EFEITOS COLATERAIS

• O que é a dexametasona

É um corticoide usado contra doenças reumatológicas, como artrites, e alérgicas, como asma. Ele atua como um potente anti-inflamatório. No Brasil, o produto de referência é o Decadron, mas também há versões genéricas.

• Efeitos colaterais

O uso indiscriminado do medicamento, de forma crônica, pode causar vários problemas como retenção de líquidos, levando à hipertensão; hiperglicemia e descompensação de diabete. O remédio também é um imunossupressor, diminuindo as defesas próprias do organismo.

• Limitações do estudo

O ensaio clínico no Reino Unido mostrou que a dexametasona só reduziu a taxa de mortalidade de pacientes graves de covid-19, que dependam de ventilação ou estejam com oxigenação baixa. A aplicação recomendada é hospitalar. Não há indicação para casos leves nem para prevenção.