O globo, n. 31742, 03/07/2020. País, p. 4

 

Operação eleitoral

Maiá Menezes

Carolina Brígido

03/07/2020

 

 

Com pan­de­mia, fal­ta de me­sá­ri­os e abs­ten­ção pre­o­cu­pam, e TSE es­tu­da am­pli­ar ho­rá­rio

 Mes­mo com o adi­a­men­to apro­va­do pe­lo Con­gres­so, a or­ga­ni­za­ção das elei­ções mu­ni­ci­pais pre­o­cu­pa a Jus­ti­ça Elei­to­ral, que pre­vê au­men­to da abs­ten­ção e di­fi­cul­da­des pa­ra re­cru­tar me­sá­ri­os. A am­pli­a­ção do ho­rá­rio de vo­ta­ção, pa­ra di­mi­nuir as fi­las, é uma das me­di­das dis­cu­ti­das.

De­pois de o Con­gres­so es­ti­pu­lar as no­vas da­tas das elei­ções mu­ni­ci­pais, as de­fi­ni­ções so­bre o pro­ces­so de vo­ta­ção ca­bem ago­ra à Jus­ti­ça Elei­to­ral, que en­fren­ta os de­sa­fi­os de or­ga­ni­zar um plei­to atí­pi­co, em meio à pan­de­mia de co­ro­na­ví­rus. Co­mo o dis­tan­ci­a­men­to so­ci­al mi­ni­mi­za o ris­co de­con­tá­gio,afal­ta­de­me­sá­ri­os e um pro­vá­vel au­men­to da abs­ten­ção são al­gu­mas pre­o­cu­pa­ções. No Rio, a atu­a­ção das mi­lí­ci­as é ou­tro fa­tor de aler­ta — a pan­de­mia atra­pa­lhou o pla­ne­ja­men­to que pre­via um au­men­to de fis­ca­li­za­ção no pri­mei­ro se­mes­tre em áre­as com atu­a­ção cri­mi­no­sa mais in­ten­sa. Em Brasília, o Tri­bu­nal Su­pe­ri­or Elei­to­ral (TSE) dis­cu­te me­di­das co­mo a am­pli­a­ção do ho­rá­rio de vo­ta­ção, pa­ra di­mi­nuir fi­las, e par­ce­ri­as pa­ra a do­a­ção de más­ca­ras e ál­co­ol em gel.

Pro­mul­ga­da on­tem, a emen­da cons­ti­tu­ci­o­nal es­ta­be­le­ce que o pri­mei­ro tur­no da elei­ção acon­te­ça em 15 de no­vem­bro, en­quan­to a se­gun­da fa­se do plei­to ocor­re­rá no dia 29 do mes­mo mês. Se­gun­do o juiz Luiz Már­cio Pe­rei­ra, co­or­de­na­dor de Fis­ca­li­za­ção e Pro­pa­gan­da do Tri­bu­nal Re­gi­o­nal Elei­to­ral do Rio de Ja­nei­ro (TRE-RJ), o me­do de ir aos lo­cais de vo­ta­ção já es­tá evi­den­te en­tre elei­to­res e me­sá­ri­os. Pa­ra evi­tar aglo­me­ra­ções, o TSE ava­lia es­ten­der o ho­rá­rio de vo­ta­ção. Uma hi­pó­te­se é que o iní­cio se­ja às 7h ou às 8h, com o en­cer­ra­men­to às 20h. Nor­mal­men­te, as se­ções fi­cam aber­tas en­tre 8h e 17h.

É pre­ci­so de­fi­nir, no en­tan­to, co­mo vi­a­bi­li­zar a ex­ten­são em lo­cais co­mo as co­mu­ni­da­des ri­bei­ri­nhas da Amazô­nia, em que o aces­so é fei­to com bar­co ou he­li­cóp­te­ro, sem a pos­si­bi­li­da­de de trans­por­te no­tur­no.

Tam­bém há a hi­pó­te­se de di­vi­dir os ho­rá­ri­os de vo­ta­ção por fai­xa etá­ria, mas um pro­ble­ma se­ria o ca­so de fa­mí­li­as que com­pa­re­cem uni­das às se­ções. Ca­so um dos fa­mi­li­a­res fos­se proi­bi­do de vo­tar no ho­rá­rio pre­vis­to pa­ra um pa­ren­te, pro­va­vel­men­te não vol­ta­ria ao lo­cal mais tar­de, au­men­tan­do as abs­ten­ções.Es­tá em de­ba­te o can­ce­la­men­to da mul­ta pa­ra quem não com­pa­re­cer, des­de que ha­ja uma jus­ti­fi­ca­ti­va re­la­ci­o­na­da ao ris­co de ex­po­si­ção.

— Te­mos re­ce­bi­do mui­tas men­sa­gens de elei­to­res di­zen­do cla­ra­men­te: “Es­tou com me­do de vo­tar”. Te­rá que ser fei­to um tra­ba­lho de co­mu­ni­ca­ção mui­to gran­de. Há um pre­o­cu­pa­ção nos­sa com a abs­ten­ção, que com­pro­me­te a le­gi­ti­mi­da­de do plei­to. Há uma ques­tão que é mui­to im­por­tan­te: mui­tos me­sá­ri­os es­tão di­zen­do que não que­rem tra­ba­lhar, e eles pre­ci­sam ser trei­na­dos — afir­mou o ma­gis­tra­do.

— É uma si­tu­a­ção inu­si­ta­da. Tu­do que foi pro­gra­ma­do foi por ter­ra.

Ca­da se­ção elei­to­ral con­ta com qua­tro me­sá­ri­os. O TSE es­tá dis­cu­tin­do se eles vão se se re­ve­zar ao lon­go do tem­po de vo­ta­ção ou se fi­ca­rão jun­tos na se­ção o dia to­do. Em outra fren­te, o Tri­bu­nal ne­go­cia com a Fe­de­ra­ção das In­dús­tri­as do Es­ta­do de São Pau­lo (Fi­esp) e a Fe­de­ra­ção Bra­si­lei­ra de Ban­cos (Fe­bra­ban) do­a­ções de equi­pa­men­tos bus­can­do a pro­te­ção de me­sá­ri­os e elei­to­res. A ideia do pre­si­den­te do TSE, Luís Ro­ber­to Bar­ro­so, é não gas­tar di­nhei­ro pú­bli­co com es­ses pro­du­tos, já que não exis­te or­ça­men­to pre­vis­to pa­ra es­sa des­pe­sa nas elei­ções.

— Va­mos pro­ver to­da a se­gu­ran­ça pos­sí­vel pa­ra os me­sá­ri­os e pa­ra o elei­to­ra­do, in­clu­si­ve com o for­ne­ci­men­to de más­ca­ras, ál­co­ol em gel, lu­vas on­de ne­ces­sá­rio, com de­mar­ca­ção no chão, tal­vez com ex­ten­são do ho­rá­rio —dis­se Bar­ro­so.

O mi­nis­tro res­sal­tou que to­das as me­di­das se­rão to­ma­das de­pois de con­sul­tas a mé­di­cos e ci­en­tis­tas:

— Es­ta­re­mos to­man­do to­das as pro­vi­dên­ci­as ra­zoá­veis e pos­sí­veis. Na­da por achis­mo. Es­ta­mos ou­vin­do a comunidade mé­di­ca e os es­pe­ci­a­lis­tas pa­ra ca­da pas­so. Por­tan­to, em­pre­gan­do mei­os ci­en­tí­fi­cos e em com­pro­mis­so com a so­ci­e­da­de e com o Bra­sil.

Ain­da há dú­vi­da se a bi­o­me­tria se­rá usa­da. A tec­no­lo­gia ga­ran­te a iden­ti­da­de do elei­tor que com­pa­re­ce à ur­na. No en­tan­to, a des­van­ta­gem é que, com a ne­ces­si­da­de de con­fe­rir a di­gi­tal de ca­da um, o tem­po de es­pe­ra pa­ra vo­tar é mai­or. Ca­so a op­ção se­ja man­ter a bi­o­me­tria nes­te ano, quem vo­tar não vai po­der usar ál­co­ol em gel nas mãos, pa­ra não com­pro­me­ter as di­gi­tais. A al­ter­na­ti­va se­rá usar ál­co­ol lí­qui­do.

SE­GU­RAN­ÇA É DE­SA­FIO

No Rio, há o elemento ex­tra da pre­o­cu­pa­ção com a in­ter­fe­rên­cia do cri­me no pro­ces­so elei­to­ral. O pre­si­den­te do TRE-RJ, de­sem­bar­ga­dor Cláu­dio Bran­dão, ha­via acer­ta­do , em ja­nei­ro, com o go­ver­na­dor Wilson Wit­zel, a re­a­lo­ca­ção de po­li­ci­ais mi­li­ta­res pa­ra as zo­nas elei­to­rais dos mu­ni­cí­pi­os. A mu­dan­ça ocor­re­ria em mar­ço, mas, di­an­te da pan­de­mia, os PMs fo­ram des­lo­ca­dos pa­ra a fis­ca­li­za­ção do iso­la­men­to so­ci­al, mui­tos fo­ram atin­gi­dos pe­lo ví­rus, e o pla­ne­ja­men­to nau­fra­gou.

— A pre­o­cu­pa­ção se­gue. São si­tu­a­ções de se­gu­ran­ça pú­bli­ca. Não te­mos co­mo pren­der, mas te­mos que fis­ca­li­zar. Sa­be­mos das di­fi­cul­da­des que al­guns can­di­da­tos en­fren­tam em co­mu­ni­da­des do­mi­na­das por mi­li­ci­a­nos. Pre­ci­sa­mos tra­ba­lhar com in­te­li­gên­cia. E ho­je es­tão proi­bi­das as in­cur­sões em co­mu­ni­da­des. Se­rá um de­sa­fio — afir­mou o juiz Luiz Már­cio Pe­rei­ra, ci­tan­do a de­ci­são do Su­pre­mo Tri­bu­nal Fe­de­ral que ve­tou ope­ra­ções em fa­ve­las du­ran­te a pan­de­mia.

Ou­tro re­fle­xo no pro­ces­so elei­to­ral, de acor­do com pes­qui­sa­do­res, se­rá o au­men­to da re­le­vân­cia das re­des so­ci­ais, já que a in­te­ra­ção nas ru­as de­ve­rá ser me­nor em re­la­ção a elei­ções an­te­ri­o­res:

— A in­ter­net ga­nha uma di­men­são mui­to gran­de. Em 2018, fi­cou evi­den­te que can­di­da­to que não mi­gras­se pa­ra a busca de vo­tos na in­ter­net não es­ta­ria na cor­ri­da. O uso da tec­no­lo­gia é in­con­tor­ná­vel. Es­ta­be­le­cer os li­mi­tes dis­so é o gran­de de­sa­fio — ava­li­ou o professor de ci­ên­cia Po­lí­ti­ca da UnB Car­los Machado.