O globo, n. 31743, 04/07/2020. País, p. 12
Lava-lato denuncia Serra e sua filha por lavagem de dinheiro
Sérgio Roxo
Dimitrius Dantas
04/07/2020
Alvo de busca e apreensão, senador do PSDB disse que acusação do MPF causou “estranheza e indignação”
A força-tarefa da Operação Lava-Jato em São Paulo acusou ontem o senador José Serra (PSDB-SP) e a sua filha, Verônica, de lavagem de dinheiro e apresentou denúncia à Justiça contra os dois. Paralelamente, a Polícia Federal (PF) deflagrou operações de busca e apreensão em endereços relacionados ao ex-governador paulista. A casa do tucano foi um dos alvos. Serra disse que viu a ação com “estranheza”. Segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF), entre 2006 e 2007 Serra valeu-se de seu cargo e de sua influência política para receber propina da Odebrecht em troca de benefícios relacionados às obras do Rodoanel Sul. Milhões de reais teriam sido pagos pela empreiteira por meio de uma sofisticada rede de offshores no exterior, para que o real beneficiário dos valores não fosse detectado.
Trecho da denúncia afirma que “José Serra e Verônica Allende Serra, entre 2006 e, ao menos, 2014, ocultaram e dissimularam, por meio de numerosas operações bancárias, a natureza, a origem, a localização e a propriedade de valores sabidamente provenientes de crimes, notadamente de corrupção passiva e ativa, de fraudes à licitação e de cartel, praticando, assim, atos de lavagem de capitais tipificados”. O documento ainda afirma que, durante o período em que foi prefeito da capital paulista e governador do estado (2005-2010), Serra manteve uma “relação espúria” com a Odebrecht, “dela solicitando, e dela vindo a efetivamente receber, direta e indiretamente, em razão das funções por ele ocupadas, substanciais recursos indevidos”. Ainda de acordo com as investigações, o empresário José Amaro Pinto Ramos e Verônica Serra constituíram empresas no exterior, ocultando seus nomes, e por meio dessas empresas receberam os pagamentos que a Odebrecht destinou ao então governador de São Paulo. Foram encontradas, segundo a denúncia, numerosas transferências para dissimular a origem dos valores. Posteriormente o dinheiro foi transferido para outra conta de titularidade oculta, na Suíça. O MPF pediu na Justiça o bloqueio de R$ 40 milhões desta conta. O senador saberia pelo menos desde 2016 que poderia ser denunciado pela Lava-Jato. Segundo a colunista Bela Megale, ele se reuniu naquele ano com um dos delatores da Odebrecht, que prometia entregar fatos ilícitos sobre o tucano aos investigadores. No encontro, Serra teria chorado e, desesperado, pedido para que o executivo o poupasse, sob o argumento de que sua vida estaria acabada. Em nota, o parlamentar disse que a operação causou “estranheza e indignação”. “Em meio à pandemia da
Covid-19, em uma ação completamente desarrazoada, a operação realizou busca e apreensão com base em fatos antigos e prescritos e após denúncia já feita, o que comprova falta de urgência e de lastro probatório da acusação”, diz o texto
COVAS X AÉCIO
Agentes da PF também foram a dois imóveis do empresário Ronaldo Cezar Coelho, ex-tesoureiro do PSDB. Investigadores suspeitam que ele tenha recebido dinheiro do partido em contas na Suíça e querem saber se os recursos têm origem na propina supostamente paga pela Odebrecht
A Serra. Cezar Coelho não foi denunciado pelo MPF. O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), um dos principais defensores da expulsão do deputado federal Aécio Neves do partido em razão de denúncias de corrupção, evitou fazer o mesmo com José Serra. Segundo ele, os casos não são comparáveis porque não há provas tão contundentes em relação ao senador. — Não há nenhum áudio do senador José Serra pedindo dinheiro para ninguém. Eu, pelo menos, não escutei. São casos completamente distintos. O caso do senador (deputado) Aécio Neves é completamente diferente,
Porque tem um áudio dele, que até hoje não foi explicado pedindo dinheiro para a JBS. Aécio rebateu as críticas feitas por Covas.: “Com tantos problemas para enfrentar, e espero que ele possa superá-los, chega a ser curiosa essa fixação do prefeito de SP em relação às questões que me envolvem”. O governador João Doria evitou se alongar no assunto e afirmou que apoia a Operação Lava-Jato e defende a investigação do episódio: — Defendo a ampla e irrestrita investigação dos fatos sempre que houver questionamento, mas também (defendo) jamais condenar por antecipação.
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Denúncia e operação atingem reconstrução de imagem do PSDB
Sérgio Roxo
04/07/2020
A operação de busca e apreensão e a denúncia por lavagem de dinheiro contra o senador José Serra pela Lava-Jato representam um duro golpe na tentativa do PSDB de reconstruir a sua imagem, depois do fiasco eleitoral do ex-governador Geraldo Alckmin na eleição presidencial de 2018. O grande afetado é o governador de São Paulo, João Doria, que luta para viabilizar um projeto presidencial em 2022. Apesar de ter se recolhido e adotado uma atuação discreta nos últimos tempos, depois da primeira citação de seu nome em delações, Serra já foi a figura pública de maior destaque da legenda, na década passada, quando disputou duas vezes a Presidência da República.
O partido ainda sofreu um forte desgaste por causa da investigações contra o deputado federal Aécio Neves (MG), o candidato presidencial tucano em 2014. Preocupado com seu projeto político, Doria defendeu o afastamento de Aécio do partido, mas a executiva nacional recusou os pedidos de expulsão no ano passado.
Os tucanos optaram por esperar uma condenação judicial para definir o futuro do deputado federal mineiro. Assim, por coerência, Serra também não poderia ser alvo de punição no PSDB agora, o que dificultaria eventuais tentativas do governador paulista de se desvencilhar do senador. Depois de o partido usar os escândalos do PT como bandeira eleitoral para se diferenciar nas eleições de 2006, 2010 e 2014, resta saber se o eleitor vai perdoar essa sequência de suspeitas levantadas contra tucanos históricos.