O globo, n. 31748, 09/07/2020. País, p. 4

 

Gabinete no alvo

Leonardo Cazes

João Paulo Saconi

Juliana Dal Piva

09/07/2020

 

 

Facebook derruba rede de páginas de assessores da família Bolsonaro

 Em uma ação que atin­giu em cheio o cha­ma­do “gabinete do ódio”, o Facebook der­ru­bou on­tem uma re­de com 88 con­tas, pá­gi­nas e gru­pos con­tro­la­dos por fun­ci­o­ná­ri­os da Presidência da Re­pú­bli­ca e dos ga­bi­ne­tes do senador Flá­vio Bolsonaro (Re­pu­bli­ca­nos-RJ), do deputado fe­de­ral Edu­ar­do Bolsonaro (PSL-SP) e dos de­pu­ta­dos es­ta­du­ais Ala­na Pas­sos e An­der­son Mo­ra­es, am­bos do PSL do Rio de Ja­nei­ro.

Se­gun­do a em­pre­sa, que anun­ci­ou a ação on­tem em meio ao boicote que já te­ve a ade­são de mais de 900 anun­ci­an­tes, os per­fis e pá­gi­nas con­tra­ri­a­ram as nor­mas da re­de so­ci­al por­que agi­am sis­te­ma­ti­ca­men­te pa­ra enganar o pú­bli­co, omi­tin­do a iden­ti­da­de dos ad­mi­nis­tra­do­res des­de, pe­lo me­nos, a cam­pa­nha elei­to­ral de 2018. Um gru­po de empresas vem pres­si­o­nan­do o Facebook a ado­tar me­di­das mais rí­gi­das con­tra dis­cur­sos de ódio e de­sin­for­ma­ção.

Um dos res­pon­sá­veis por pá­gi­nas que fo­ram der­ru­ba­das on­tem é Tér­cio Ar­naud, as­ses­sor especial da Presidência e res­pon­sá­vel pe­la pá­gi­na “Bolsonaro Opres­sor 2.0”, se­gui­da por mais de um mi­lhão de pes­so­as no Facebook. Já no Ins­ta­gram, o as­ses­sor de Bolsonaro ad­mi­nis­tra­va a con­ta “Bolsonaro News”, com 492 mil se­gui­do­res. A pá­gi­na era anô­ni­ma, mas as in­for­ma­ções de re­gis­tro en­con­tra­das no código fon­te con­fir­ma­ram que era ope­ra­da por Ar­naud, que já foi fun­ci­o­ná­rio do gabinete de Carlos Bolsonaro.

No Pla­nal­to, o as­ses­sor re­ce­be um sa­lá­rio de R$ 13,6 mil. Ele ocu­pa um apar­ta­men­to fun­ci­o­nal em Bra­sí­lia des­de ja­nei­ro do ano pas­sa­do. As pá­gi­nas ad­mi­nis­tra­das por Ar­naud atacavam adversários de Bolsonaro, co­mo o ex-ministro da Jus­ti­ça Ser­gio Mo­ro e o governador do Rio, Wilson Wit­zel.

No Facebook, a re­de al­vo da ação atu­a­va por meio de 14 pá­gi­nas, 35 con­tas pes­so­ais e um gru­po. No Ins­ta­gram, on­de também hou­ve re­mo­ção de con­teú­dos, fo­ram iden­ti­fi­ca­das 38 con­tas en­vol­vi­das com ir­re­gu­la­ri­da­des. Jun­tas, es­sas en­gre­na­gens mo­bi­li­za­vam au­di­ên­cia de mais de dois mi­lhões de pes­so­as.

De acordo com a em­pre­sa, o es­que­ma en­vol­via a com­bi­na­ção de con­tas du­pli­ca­das e fal­sas, cu­jo ob­je­ti­vo era evi­tar a fis­ca­li­za­ção da pla­ta­for­ma. Elas re­pre­sen­ta­vam pes­so­as fic­tí­ci­as que pu­bli­ca­vam con­teú­dos em pá­gi­nas que si­mu­la­vam a ati­vi­da­de de veí­cu­los de imprensa. En­tre as pu­bli­ca­ções, ha­via tó­pi­cos so­bre política, elei­ções, crí­ti­cas a opo­si­to­res, a jor­na­lis­tas e or­ga­ni­za­ções de mí­dia, além de in­for­ma­ções so­bre a pan­de­mia de co­ro­na­ví­rus. Também fo­ram en­con­tra­dos ata­ques ao Su­pre­mo Tri­bu­nal Fe­de­ral (STF) por meio das hash­tags #STFVer­go­nhaNa­ci­o­nal e #STFEs­cri­tó­ri­oDoC­ri­me.

Os da­dos co­lhi­dos pe­lo Facebook fo­ram ana­li­sa­dos por pes­qui­sa­do­res do Di­gi­tal Fo­ren­sic Re­se­ar­ch Lab(DFRLab),li­ga­doa oAt lan­ti cC oun­cil,cent ro­de es­tu­dos se­di­a­do em Washing­ton D.C. O gru­po que ana­li­sou as in­for­ma­ções é es­pe­ci­a­li­za­do no combate à de­sin­for­ma­ção online. Em um re­la­tó­rio, oDRFLab aponta que a re­de era con­tro­la­da por ao me­nos cin­co fun­ci­o­ná­ri­os e ex-fun­ci­o­ná­ri­os dos ga­bi­ne­tes bol­so­na­ris­tas.

De acordo com os pes­qui­sa­do­res, dois as­ses­so­res de Edu­ar­do Bolsonaro co­man­da­vam con­tas e pá­gi­nas da re­de: Paulo Edu­ar­do Lopes e Edu­ar­do Gui­ma­rães. Lopes, se­gun­do o re­la­tó­rio, é um dos prin­ci­pais ope­ra­do­res. O Facebook dis­se ter re­mo­vi­do du­as con­tas com o no­me de Gui­ma­rães, que foi ci­ta­do na CPI das Fa­ke News co­mo do­no da ex­tin­ta pá­gi­na “Bol­so­feio”, do Ins­ta­gram, que pu­bli­ca­va ata­ques a adversários de Bolsonaro.

O Facebook in­for­mou que en­con­trou in­dí­ci­os da par­ti­ci­pa­ção de e as­ses­so­res de Flá­vio Bolsonaro, mas pes­qui­sa­do­res do DFRLab não acha­ram da­dos con­clu­si­vos. Eles acre­di­tam ain­da que um fun­ci­o­ná­rio de Carlos Bolsonaro (Re­pu­bli­ca­nos-RJ), não men­ci­o­na­do pe­la re­de so­ci­al, atu­ou em con­jun­to co­mo gru­po, as­sim co­mo um ser­vi­dor em­pre­ga­do pe­lo deputado es­ta­du­al Co­ro­nel Nishi­kawa (PSL-SP).

ATA­QUES

O DFRLab afir­ma que “mui­tas pá­gi­nas do con­jun­to fo­ram de­di­ca­das à pu­bli­ca­ção de me­mes e con­teú­do pró-Bolsonaro en­quan­to atacavam ri­vais po­lí­ti­cos”. O re­la­tó­rio acres­cen­ta que o “con­teú­do era en­ga­no­so em muitos ca­sos, em­pre­gan­do uma mis­tu­ra de mei­as-ver­da­des par ache­ga­ra con­clu­sões fal­sas ”. Um dos ata­ques feitos pe­la pá­gi­na“Bol­so na­roNews”te­vec omo al­vo o ex-ministro Mo­ro, que elo­gi­ou a sus­pen­são das con­tas.

—É a pri­mei­ra vez que se iden­ti­fi­ca uma re­de es­tru­tu­ra­da co­nec­ta­da a as­ses­so­res da fa­mí­lia Bolsonaro. Es­sa re­de ma­ni­pu­la­va in­for­ma­ções, se­ja pa­ra pro­mo­ver Bolsonaro, se­ja pra ata­car opo­si­to­res. A ma­nipu­la­ção é­ pre­ju­di­ci­al pa­ra o de­ba­te de­mo­crá­ti­co, o que é gra­ve, prin­ci­pal­men­te quando vem de qu­em de­tém o po­der —ana­li­sa Luiza Bandeira, pes­qui­sa­do­ra que co­or­de­nou a investigação do DFRLab.

O pre­si­den­te da CPI das Fa­ke News, senador An­ge­lo Co­ro­nel, quer in­ves­ti­gar o con­teú­do das mensagens:

—Não vamos fa­zer um pré­jul­ga­men­to. As con­tas fo­ram re­ti­ra­das do ar por se­rem con­si­de­ra­das inau­tên­ti­cas. Ago­ra, é importante ter aces­so ao con­teú­do, pa­ra in­ves­ti­gar se elas dis­se­mi­na­ram mensagens di­fa­ma­tó­ri­as.