O globo, n. 31749, 10/07/2020. Economia, p. 15
Pressão estrangeira
Washington Luiz
Rennan Setti
10/07/2020
Mourão pede financiamento para Amazônia, mas investidor cobra mais ação do Planalto
O governo organizou ontem uma videoconferência com grandes investidores estrangeiros para mostrar o que tem sido feito para aumentar a proteção da Amazônia. O movimento faz parte de uma estratégia do Palácio do Planalto para evitar uma fuga de recursos por conta da política ambiental do país. No encontro, o vice-presidente Hamilton Mourão pediu aos participantes que financiassem projetos na área de Meio Ambiente no Brasil. Os empresários ficaram satisfeitos com o novo discurso oficial, mas deixaram claro que precisam de resultados concretos para garantir novos investimentos.
Participaram do encontro dez grandes instituições financeiras — Storebrand, BlueBay, NN Investment, Robeco, KLP, SEB, AP2, Legal and General Investment Management, Nordea e Sumitomo Mitsui. Essas empresas fazem parte do grupo de investidores —gestores de US$ 3,75 trilhões (cerca de R$ 20 trilhões) em ativos — que encaminhou, no fim do mês passado, uma carta aberta para oito embaixadas brasileiras manifestando preocupação com o aumento do desmatamento no Brasil.
Além de Mourão, o governo contou no encontro com os ministros Braga Netto (Casa Civil), Tereza Cristina (Agricultura), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O titular do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também esteve presente, o que causou surpresa e desconforto entre os investidores, que têm criticado exatamente a política adotada por ele à frente da pasta.
Na lista de projetos apresentados por Mourão estavam alguns financiados pelo Fundo da Amazônia, como o Floresta Mais e o Adote um Parque, pelo qual serão ofertados mais de cem parques nacionais para empresas privadas manterem e conservarem esses espaços.
— Em nenhum momento eles se comprometeram com alguma política dessa natureza. Eles querem ver resultados, e qual é o resultado que nós podemos apresentar? É que haja efetivamente uma redução do desmatamento —afirmou Mourão.
RESULTADOS CONCRETOS
A pressão sobre o governo por causa da política ambiental também vem de dentro do país. No início desta semana, um grupo de 40 empresários, além de representantes de quatro entidades setoriais, encaminhou para Mourão — que preside o Conselho Nacional da Amazônia — uma carta pedindo maior comprometimento do Planalto com o combate ao desmatamento.
Jeanett Bergan, chefe de investimentos responsáveis do KLP, o maior fundo de pensão da Noruega, disse à coluna Capital que, embora seja positivo o novo discurso do governo brasileiro sobre a Amazônia, os gestores não estão muito interessados em narrativas —querem resultados concretos sobre a redução do desmatamento e comprometimento do Brasil com o Acordo de Paris.
— Ficamos muito contentes com a rápida resposta do governo à nossa carta. Vemos como positivo o fato de o governo, no encontro de hoje (ontem), dizer que compartilha do objetivo de combater o desmatamento, proteger os direitos humanos na Amazônia e aderir ao Acordo de Paris. Mas precisamos ver resultados concretos. Quando avaliamos o risco de investimento, avaliamos fatos. Então, não interessa muito o que se fala, a não ser que o discurso seja seguido de atos concretos—afirmou a executiva, numa entrevista por telefone.
Durante o encontro, Mourão afirmou que 84% da Floresta Amazônica estão preservados. Ele também argumentou que o desmonte dos órgãos ambientais, outro foco de questionamentos por parte dos investidores, não é culpa da gestão Jair Bolsonaro.
— Nosso governo não é o responsável pelo desmonte de estruturas das agências ambientais. Nós herdamos tanto Ibama como ICMBio com reduzido número de servidores. Com as questões orçamentárias que nós vivemos e a proibição de concursos, nós estamos buscando uma solução —afirmou o vice-presidente.
Mourão também destacou a suspensão, por 120 dias, de queimadas no país: — Esse decreto deve estar pronto para assinatura do presidente da República na próxima semana —disse.
Após o encontro, os investidores divulgaram uma nota conjunta, assinada por Jan Erik Saugestad, da norueguesa Storebrand:
“Ficamos encorajados pela resposta inicial e pelo diálogo com os representantes do governo brasileiro e esperamos pela sua continuação e por resultados concretos. É somente por meio da colaboração entre governos, empresas e investidores que podemos alcançar as mudanças necessárias. Isso marca um começo.”
Os investidores pediram uma redução significativa nas taxas de desmatamento o que, segundo eles, demonstraria “esforços críveis para cumprir o compromisso estabelecido na legislação brasileira para o clima”.
Além disso, querem a aplicação do Código Florestal; fortalecimento das agências ambientais; prevenção de queimadas na região da Amazônia; e acesso público a dados sobre desmatamento, cobertura florestal e rastreabilidade de cadeias de suprimentos de commodities.
Depois dos estrangeiros, o governo terá hoje uma reunião com empresários brasileiros. Os executivos nacionais querem que o Palácio do Planalto dê garantias ao setor privado de que algumas das ações e compromissos assumidos para aumentar o combate efetivo ao desmatamento saiam do papel.
“Precisamos ver resultados concretos. Quando avaliamos o risco de investimento, avaliamos fatos. Não interessa o que se fala, a não ser que seja seguido de atos concretos” Jeanett Bergan, chefe de investimento responsável do KLP