Correio braziliense, n. 20901, 14/08/2020. Política, p. 4

 

Uma forma de estourar o teto

Augusto Fernandes

Ingrid Soares 

14/08/2020

 

 

Em meio à queda de braço, dentro do governo federal, dos que pregam mais gastos e daqueles que defendem um ajuste fiscal mais consistente, o presidente Jair Bolsonaro mudou o discurso de que o norte da sua gestão é a responsabilidade fiscal e o teto de gastos. E admitiu que há conversas entre os seus ministros para que seja possível contornar a norma que proíbe a utilização desregulada do dinheiro público por parte do Poder Executivo.

Apesar de ter dito, na quarta-feira, que é a favor do teto de gastos, tendo promovido até uma reunião de emergência no Palácio da Alvorada com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e alguns ministros, para firmar um entendimento de que não iria desrespeitar a norma, Bolsonaro adotou um tom diferente ontem. Em transmissão nas redes sociais, comentou que os ministros da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, sugeriram a ele aproveitar o momento onde o governo pode gastar mais verba pública por conta da pandemia da covid-19 e utilizar R$ 20 bilhões em obras. Se isso acontecesse, o governo feriria as regras do chamado orçamento de guerra.

“A ideia de furar o teto de gastos existe, o povo debate, qual o problema? Tem a PEC de guerra. Nós já furamos o teto de gastos em mais ou menos R$ 700 bilhões. Dá para furar mais R$ 20 bilhões? Qual a justificativa? Se for para vírus, não tem problema”, explicou Bolsonaro. De acordo com o presidente, os R$ 20 bilhões seriam utilizados em empreendimentos que, de certa forma, pudessem auxiliar no combate à pandemia, como obras de saneamento básico e infraestrutura hídrica.

Devido ao novo coronavírus, o Congresso Nacional aprovou em maio uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permitiu gastos excepcionais por parte do Estado durante a crise sanitária sem a necessidade de cumprir exigências constitucionais, como a regra de ouro. O texto deu o “aval” para que o governo extrapolasse o teto, medida que limita o aumento dos gastos federais, mas estabeleceu que esse recurso extraordinário teria de ser aplicado somente em iniciativas que visem ao enfrentamento do novo coronavírus e não poderia ser utilizado para outros fins.

Ele comentou que pastas como a do Desenvolvimento Regional, da Infraestrutura e da Defesa têm um espaço mínimo no Orçamento e, portanto, poucos recursos para tocar projetos. Sabendo da situação excepcional criada pelo orçamento de guerra, o presidente disse ser “salutar” que os respectivos ministros pudessem pleitear um pouco mais de dinheiro público para fazer avançar os seus empreendimentos. Outros motivos que justificam a discussão, segundo Bolsonaro, é o fato de cerca de 95% do Orçamento da União estarem comprometidos e a provável queda na arrecadação de 2021.

Diante da reação negativa do mercado financeiro e do setor político à ideia de o governo gastar ainda mais verba pública neste ano, sobretudo para uma finalidade que não combateria de forma direta a covid-19, a tendência é de que Bolsonaro envie uma proposta para o Congresso com o objetivo de remanejar pelo menos R$ 5 bilhões do atual Orçamento da União para poder investir em obras.

O texto deve ser apresentado na forma de um projeto de lei de abertura de crédito suplementar. Essa foi a forma encontrada pelo Palácio do Planalto para liberar mais dinheiro público para o setor desenvolvimentista do Executivo sem dar pedalada fiscal.