O globo, n. 31751, 12/07/2020. País, p. 6
No Twitter, “novo” Bolsonaro deixa críticas e ataques de lado
Rodrigo de Souza
12/07/2020
Perfil presidencial acompanha mudança de tom e foca em ações do governo
O novo tom adotado pelo presidente Jair Bolsonaro há quase um mês se refletiu também no Twitter, sua rede social preferida para anúncios e pronunciamentos. Hoje, Bolsonaro completa 25 dias sem atacar opositores em seu perfil. É uma mudança significativa na sua estratégia de comunicação, antes caracterizada por ofensas a adversários e pela incitação de sua militância mais radical.
O GLOBO fez um levantamento das publicações de Bolsonaro no Twitter de 18 de junho — dia da prisão de Fabrício Queiroz e após sua última aparição no cercadinho do Palácio do Alvorada —a 10 de julho e comparou com as postagens realizadas entre 26 de maio e 17 de junho. Ao todo, foram compilados 385 tuítes.
As publicações foram divididas em três categorias: “ataque a opositores”, “ações do governo” e “reafirmação ideológica ou incitação de apoiadores” — neste último caso, são publicações sobre pautas caras ao bolsonarismo, como a flexibilização do porte de armas. O levantamento apontou que, após o dia 17 de junho, os ataques à oposição e o estímulo à militância mais radical praticamente desapareceram. Nos 23 dias anteriores à prisão de Queiroz, Bolsonaro fez dez tuítes de ataques a adversários. Nos 23 dias posteriores, nenhum.
No período anterior a 17 de junho, o presidente publicou 12 tuítes de crítica à imprensa e outros nove de crítica a opositores ou a instituições. A partir do dia 18, nenhuma publicação desses dois tipos foi registrada no perfil. Somadas, as publicações com ataques a opositores, instituições ou a imprensa representam 14% do total de postagens até o dia 17. Em ambos os períodos, por outro lado, os tuítes de divulgação de ações do governo foram maioria, mas têm um peso maior a partir do dia 18: alcançam 81% do total, contra 61% anteriormente. Outra mudança sensível foi o sumiço de tuítes que reforçavam a agenda ideológica do governo. No período anterior à prisão de Queiroz, foram 27 posts desse tipo.
No período posterior, não houve registro de tuítes dessa categoria. As publicações destinadas a estimular sua base registram o maior engajamento na conta do presidente. A postagem mais compartilhada, em todo o período do levantamento, é aquela que exibe a foto de um boneco de Bolsonaro pendurado a uma árvore de cabeça para baixo num protesto antifascista. “Essa é a turma que respeita a Democracia e as instituições”, escreveu o presidente no post, que teve mais de 33 mil compartilhamentos —enquanto a média da conta é de 4,3 mil por tuíte, segundo a ferramenta Truthnest.
— Quando o conteúdo é maisemocional,elegeramais engajamento. Isso não vale só para o Bolsonaro —diz o cientista político Emerson Cervi, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Para Cervi, a mudança de tom de Bolsonaro não prejudicará o apoio de seu núcleo duro. A troca de estratégia resulta de um contexto que tornou a nova postura inadiável: —Não considero que Bolsonaro está “domesticado”. Acho que ele está acuado. Não atribuo a mudança de tom apenas à prisão do Queiroz. Existem outros dois fatores de longo prazo que podem ter influenciado nessa mudança de comportamento: as ações no STF contra fake news e atos antidemocráticoseaquedadaavaliação positiva do governo. Para o antropólogo David Nemer, da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, os embates com o STF levaram o governo a perceber que as instituições não vão recuar: —Bolsonaro não mudou, só trocou a forma como está lidando com as instituições. Ele sabe que o TSE vai continuar julgando sua chapa. Ficou bem claro que ninguém vai se intimidar com as falas dele.