O globo, n. 31758, 19/07/2020. Sociedade, p. 15

 

Uso da cloroquina virou bandeira & para Trump e Bolsonaro na crise

André de Souza

Paola de Orte

19/07/2020

 

 

Americano citou pela 1ª vez o remédio em 19 de março, e o brasileiro, no dia 21

 Em um pon­to em es­pe­ci­al Jair Bol­so­na­ro e o presidente americano Do­nald Trump es­tão bem ali­nha­dos: am­bos defendem pu­bli­ca­men­te o uso da clo­ro­qui­na e hidro­xi­clo­ro­qui­na, mesmo sem efi­cá­cia com­pro­va­da, no tra­ta­men­to pa­ra a Covid-19. O uso do re­mé­dio virou uma ban­dei­ra pa­ra os dois lí­de­res du­ran­te a pandemia. Bol­so­na­ro apos­tou no dis­cur­so de que os me­di­ca­men­tos aju­dam n oc om ba­te à do­en­ça, apon­to de ele pró­prio to­ma­ra hi­dro­xi­clo­ro­qui­na após ficar doen­te, em­bo­ras em dis­pen­sar dois ele­tro­car­di­o­gra­mas por dia—en­tre os efei­tos co­la­te­rais do me­di­ca­men­to es­tão as ar­rit­mi­as car­día­cas. Nes­ta se­ma­na, em du­as opor­tu­ni­da­des, o presidente res­sal­tou que não es­ta­va “re­co­men­dan­do” o me­di­ca­men­to, mas de­fen­deu que as pes­so­as pro­cu­ras­sem um mé­di­co pa­ra con­sul­tar sobre o uso.

A pri­mei­ra vez que Bol­so­na­ro men­ci­o­nou o as­sun­to foi em 21 de mar­ço, qu­an­do anun­ci­ou que o la­bo­ra­tó­rio do Exér­ci­to am­pli­a­ria a pro­du­ção do medi­ca­men­to. A úl­ti­ma foi na li­ve des­ta quin­ta-fei­ra, qu­an­do afir­mou ter se sen­ti­do me­lhor pou­cas ho­ras após usar o re­mé­dio pe­la pri­mei­ra vez. Tam­bém apresentou ou­tro me­di­ca­men­to sem efi­cá­cia com­pro­va­da, An­ni­ta, um ver­mí­fu­go à ba­se de ni­ta­zo­xa­ni­da.

O GLO­BO lo­ca­li­zou fa­las de Bol­so­na­ro so­bre os re­mé­di­os em ao me­nos 27 di­as di­fe­ren­tes en­tre mar­ço e ju­lho. O tom sem­pre foi o de de­fe­sa, em­bo­ra com nuances. — Não pos­so afir­mar, por­que não sou mé­di­co nem pes­qui­sa­dor, mas as in­for­ma­ções (são que) já deu cer­to, já deu cer­to — afir­mou em 26 de mar­ço.

Em ou­tros mo­men­tos, re­co­nhe­ceu que não há efi­cá­cia ci­en­ti­fi­ca­men­te com­pro­va­da, mas ain­da as­sim não dei­xou de apos­tar nos re­mé­di­os. Na úl­ti­ma­ter­ça, ao divul­gar um ví­deo to­man­do hi­dro­xi­clo­ro­qui­na, com­bi­nou os dois dis­cur­sos:

— Sa­be­mos que hoje em dia exis­tem ou­tros re­mé­di­os que po­dem aju­da­ra combater o co­ro­na­ví­rus. Sa­be­mos Cam­pa­nha. Bol­so­na­ro com re­mé­dio sem efi­cá­cia com­pro­va­da con­tra Covid que ne­nhum tem sua efi­cá­cia ci­en­ti­fi­ca­men­te com­pro­va­da, mas mais de uma pes­soa que es­tá dan­do cer­to. En­tão eu con­fio na hi­dro­xi­clo­ro­qui­na, e vo­cê? Nos Es­ta­dos Uni­dos, a in­tro­du­ção mais am­pla do re­mé­dio no ima­gi­ná­rio americano acon­te­ceu em 16 de mar­ço, no pro­gra­ma­da FoxNews­da­con ser­va­do­ra Laura In graham.

—E se já hou­ver um me­di­ca­men­to ba­ra­to e am­pla­men­te dis­po­ní­vel no mer­ca­do pa­ra tra­tar o vírus? Bem, de acor­do com um novo es­tu­do, ele exis­te. É cha­ma­do de clo­ro­qui­na — dizia ela ao anun­ci­ar seu con­vi­da­do, o ad­vo­ga­do Gre­gory Ri­ga­no.

Ele mos­trou os re­sul­ta­dos de um ar­ti­go —as­si­na­do por ele e pe­lo of­tal­mo­lo­gis­ta e in­ves­ti­dor Ja­mes To­da­ro — que não ha­via si­do pu­bli­ca­do em ne­nhu­ma revista ci­en­tí­fi­ca. No pro­gra­ma, de­fen­deu que a clo­ro­qui­na po­dia fa­zer o cor­po “se li­vrar do vírus com­ple­ta­men­te”. Trump pas­sou a de­fen­der o uso do re­mé­dio no dia 19 de mar­ço, qu­an­do o país ti­nha 240 mortos por co­ro­na­ví­rus.

—Acho que po­de­ria ser al­go que vai mu­dar o jo­go. E tal­vez não. Mas acho que po­de­ria ser, com ba­se no que ve­jo, po­de­ria mu­dar o jo­go. Mui­to po­de­ro­sa —dis­se o presidente, que con­ti­nu­ou a mos­trar pu­bli­ca­men­te seu en­tu­si­as­mo pe­la dro­ga, ape­sar de es­tu­dos con­tra­di­tó­ri­os so­bre sua efi­cá­cia.

O New York Ti­mes che­gou a men­ci­o­nar in­ves­ti­men­tos de Trump em um fun­do que apos­ta na Sa­no­fi, fa­bri­can­te de hi­dro­xi­clo­ro­qui­na que não ven­de a dro­ga pa­ra o mer­ca­do americano, mas sim pa­ra o bra­si­lei­ro.

A Sa­no­fi afir­mou ao GLO­BO que empresas de capital aber­to têm vi­si­bi­li­da­de li­mi­ta­da da iden­ti­da­de de seus aci­o­nis­tas e que não re­ve­la as “es­tru­tu­ras aci­o­ná­ri­as no­me por no­me”, a não ser qu­an­do os in­ves­ti­men­tos são de mais de 5%. Por­tan­to, ca­so Trump te­nha ações da em­pre­sa, a par­ti­ci­pa­ção se­ria me­nor que 5%.