O globo, n. 31761, 22/07/2020. Sociedade, p. 20
Mais recursos para educação
Bruno Góes
Paula Ferreira
Bruno Alfano
22/07/2020
Aprovado pela Câmara, novo Fundeb deve ampliar verbas para municípios mais pobres
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), principal mecanismo de redistribuição de verbas para as escolas públicas do país, foi renovado ontem pela Câmara e, com as mudanças implementadas, aumentará os valores recebidos por 2.745 redes de ensino. Juntas, elas reúnem 17 milhões de alunos, segundo dados levantados pela organização Todos Pela Educação.
Com isso, ainda de acordo com a ONG, o valor mínimo investido por aluno ao ano alcançará, em 2026, R$ 5.700, ante os R$ 3.700 atuais, o que, naquele ano, zerará a quantidade de cidades com subfinanciamento crítico — que investem até R$ 5.500 por aluno por ano. Antes, eram 2.377 cidades nessa situação.
O texto, elaborado pela relatora, Professora Dorinha Seabra (DEM-TO), foi aprovado na Câmara dos Deputados ontem, por 499 votos a favor e sete contra, e ainda passará pelo Senado. Ele fixou em 23% a participação da União no financiamento da Educação — reservando cinco pontos percentuais para o ensino infantil. Esse percentual será atingido após seis anos de gradativo incremento.
Os efeitos financeiros passam a valer a partir de 2021 com 12% de participação da União, o que cresce progressivamente para 15% (2022), 17% (2023), 19% (2024), 21% (2025) até 23% (2026).
FUNDO PERMANENTE
A votação começou conturbada. Após a pressão do ministro da Economia, Paulo Guedes, poralterações,olíderinformal dogovernonaCâmara,Arthur Lira (PP-AL), apresentou requerimentos para tentar adiar a votação. A atitude de Lira gerou insatisfação no bloco, formado majoritariamente por partidos do centrão. Segundo um líder do grupo, Lira recebeuumrecado:“entreogoverno e a Educação, os deputados ficam com a Educação”.
A proposta foi aprovada em dois turnos na Câmara e terá que passar também duas vezes no Senado para só depois disso ir à promulgação do presidenteJairBolsonaro.OFundeb atual expiraria no fim de 2020 e, na avaliação de gestores e especialistas, seu fim representaria um apagão na educação pública brasileira. A PEC torna o mecanismo permanente e melhora suas ferramentas de distribuição.
—Numa situação mais normal, começar o aumento de complementação da União em 2022 não seria uma proposta absurda. No entanto, a arrecadação vai ter queda neste ano, o que repercute no investimento da educação deste ano e do ano que vem. Como vai ter uma retração, terá uma diminuição da capacidade de investimento — avaliou Priscila Cruz, presidente do Todos pela Educação. — Além disso, as redes vão ter um esforço ainda maior para saber o que foi afetado do ponto de vista do desenvolvimento pedagógico durante a pandemia. Ou seja, é um desafio dobrado com recursos menores. Nesse contexto, não dá para falar num Fundeb menor, sendo que a União é a que mais arrecada impostos e menos contribui.
A relatora do projeto, Professora Dorinha, manteve a proibição do uso do fundo para o pagamento de servidores inativos. O governo havia proposto que fosse permitido usar o Fundeb para esse fim.
Nos últimos dias, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou incluir na proposta a existência de um voucher para que pais de crianças pudessem pagar creches privadas. A ideia foi rejeitada, mas houve acordo para fortalecer o ensino infantil.
— Em um esforço de alcançar o consenso amplo que incorporasse elementos da proposta do governo, apresentada em julho de 2020, acordamos em uma complementação final de 23% em seis anos, com a priorização para educação infantil, etapa de ensino onde se concentra a maior demanda não atendida pelo sistema público — disse Dorinha, ao ler o relatório.
O novo texto determina que, em caso de falta de vagas em creches na rede pública, o dinheiro poderá ser destinado a instituições sem fins lucrativos. Com a complementação de 23%, 24 estados do país receberão aporte da União. Os 10% que a União já complementa atualmente permanecem como estão, dos 13 pontos percentuais extras, 2,5 pontos percentuais serão destinados a municípios que tenham bons resultados educacionais e outro 10 pontos vão para os municípios mais pobres, sendo 5 destinados à primeira infância.
SALÁRIO DE PROFESSORES
A deputada manteve o piso de 70% do fundo para pagamento de profissionais da educação. O governo defendia que 70% fosse o máximo a ser utilizado para esse fim. Na prática, após a última alteração do texto, foi estabelecido um teto de 85% para arcar com esse tipo de despesa. Na proposta, foram reservados 15% para “despesas de capital”, ou investimentos.
Presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Garcia afirmou que a reserva de 15% para investimentos era uma demanda dos gestores municipais e comemorou a inclusão da regra no texto.
A relatora manteve o Custo Aluno Qualidade como parâmetro para estabelecimento do padrão mínimo de qualidade das escolas públicas. Havia uma demanda do governo pela retirada do dispositivo. Antes da conclusão desta edição, a Câmara ainda discutia, em segundo turno, um destaque do partido Novo para derrubar o mecanismo.
ENTENDA PARA QUE SERVE O FUNDEB
Divisão de recursos
A função principal do Fundeb é dividir os recursos para que todas as crianças do país usufruam de um mínimo de investimento. Para isso, cada estado e seus municípios colocam parte de seus impostos em um fundo. O valor é dividido pelo número de matrículas das escolas públicas, e volta para as redes pagarem salários e conseguirem investir em manutenção das escolas, formação de professoras e outros destinos.
Contribuição da União
O novo texto estipulou que a parte federal será de 23% de tudo o que estados e municípios contribuírem ao Fundeb.
Distribuição
Essa parte da União é dividida em duas etapas.Primeiro,10pontospercentuais seguem o mesmo modelo atual: são enviado para os nove estados mais pobres.
Segunda etapa
Os outros 13 pontos percentuais foram alvo de embate entre deputados e o governo, que queria tirar 5 pontos percentuais para o programa Renda Brasil. Mas a Câmara decidiu diferente: 10,5 pontos percentuais vão para as cidades mais pobres, independentemente do estado no qual elas se encontrem, sendo pelo menos metade desse dinheiro para educação infantil; e 2,5 pontos percentuais como premiação de redes que melhor se destacarem em indicadores de aprendizagem.