O globo, n. 31761, 22/07/2020. País, p. 18
Codevasf ganha diretor investigado pela Lava-Jato
Natália Portinari
Naira Trindade
22/07/2020
Davidson Tolentino foi eleito como diretor da Área de Revitalização de Bacias Hidrográficas em mandato tampão. Estatal expande atuação para o Norte, cria cargos e é mais um capítulo da aproximação entre governo e Congresso
Influência. Alcolumbre e Ciro Nogueira: indicação de Tolentino estaria associada a interesse do presidente do Senado
A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) virou um exemplo de como o governo vem conduzindo sua nova fase de negociação com o Congresso. Sofrendo pressão pelo seu loteamento, a estatal criou novos cargos e acaba de acatar duas indicações para novos diretores, um deles investigado na Lava-Jato.
Com orçamento de R$ 1,62 bilhão em 2020, a Codevasf financia projetos como a construção de cisternas, obras de irrigação e até pavimentação de estradas.
Uma reunião do conselho de administração em 14 de julho elegeu Davidson Tolentino como diretor da Área de Revitalização de Bacias Hidrográficas, em um mandato tampão até o dia 10 de agosto. Um ex-assessor do senador Ciro Nogueira (PP-PI), José Expedito Almeida, disse à Polícia Federal em 2018 que Davidson estaria envolvido em esquema de captação de propina.
Em maio daquele ano, ele foi exonerado pelo governo de Michel Temer do cargo de diretor de Logística do Ministério da Saúde após o caso vir à tona. Foi retirada também sua indicação para uma diretoria da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). O senador Ciro Nogueira e Tolentino negam todas as acusações.
Desde agosto do ano passado, o presidente da Codevasf é Marcelo Andrade Moreira Pinto, indicado de Elmar Nascimento (BA), então líder do DEM na Câmara. Nesse ano, um grupo de partidos se aproximou de Bolsonaro (PP, PL, Republicanos e PSD) e redistribuiu cargos no terceiro escalão, mas pactuou que a estatal continuaria com o indicado de Elmar.
EXPANSÃO DE ATUAÇÃO
Anteontem, a Câmara aprovou um projeto que aumenta o escopo da Codevasf, incluindo bacias hidrográficas na região Norte. Por consequência, haveria mais cargos.
Hoje, a empresa atende os estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Piauí, Maranhão, Ceará e Goiás. Se o projeto for aprovado pelo Senado, que já o chancelou em uma primeira votação, a Codevasf atuará também no Amapá, na Paraíba, no Rio Grande do Norte e nos municípios da região do Alto Rio Pardo, em Minas Gerais.
Em uma discussão tensa, que seguiu por duas horas, o deputado Thiago Mitraud (Novo-MG) associou o projeto à “relação político-fisiológica de trocar benefícios e cargos no governo por votação aqui no Parlamento”. Hildo Rocha (MDB-MA) disse que o texto estava sendo votado “apenas para agradar o presidente do Senado Federal”, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
— Sua Excelência (Alcolumbre) quer que haja um órgão público, uma empresa direta atuando no estado dele, o Amapá — criticou o deputado do Maranhão.
NOVOS CARGOS
A pedido de colegas, o relator do projeto, Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), acrescentou ao texto que a expansão da companhia só pode ocorrer se houver dotação orçamentária aprovada pelo Congresso. O projeto não aumenta imediatamente os gastos, portanto.
No contexto de pressão pela ocupação da Codevasf, em maio foi publicada uma resolução do conselho de administração abrindo a possibilidade de que mais cargos sejam ocupados por comissionados. Existem hoje 38 cargos comissionados na estatal, e a resolução criou mais 21. Destes, 12 serão das novas superintendências de Goiás e Tocantins, em processo de criação.
—Estão transformando os escritórios (em Goiás e Tocantins) em superintendências, mas não tem lógica nisso, porque o tamanho da operação nesses estados é irrisório, não há projetos de irrigação. Isso só serve para criar cabide de emprego para o centrão, em plena pandemia — diz José Roberto Rodrigues, presidente da Seção Sindical Codevasf em Brasília.
No início de julho, Antônio Rosendo Neto Júnior foi nomeado diretor da Área de Desenvolvimento e Infraestrutura da estatal. O nome partiu do senador Roberto Rocha (PSDBMA), com longo histórico de influência na empresa. Antes de Marcelo Moreira, foi um indicado de Rocha que ocupou interinamente o cargo de presidente da empresa, Marco Aurélio Ayres Diniz.
A estatal manteve também indicados políticos de gestões anteriores no comando de suas diretorias regionais. Desde o governo Michel Temer, por exemplo, o superintendente do Maranhão é Jones Braga, apadrinhado de José Sarney e Hildo Rocha. No Piauí, o superintendente Inaldo Guerra Neto foi indicado pelo senador Ciro Nogueira.