O globo, n. 31757, 18/07/2020. País, p. 10

 

Entrevista - Arthur Lira: "Não podemos ter um impeachment todo ano"

Natália Portinari

Thiago Prado

18/07/2020

 

 

Líder informal de Bolsonaro desde a aproximação com o centrão. ele justifica apoio ao Planalto ao dizer que “tocar fogo no parque” não resolve nada

Deputado em terceiro mandato, Arthur Lira (PP - AL) esteve na base de apoio dos ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). Era também próximo do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), de quem herdou ascendência sobre o grupo de parlamentares conhecido como centrão. Tornou-se um dos principais interlocutores de Bolsonaro no Congresso desde que o governo abriu espaços na administração federal para indicações políticas em troca de ampliar sua base no Legislativo.

Denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao STF em junho sob acusação de receber propina de uma empreiteira — o que ele nega —, o deputado do PP diz fazer parte de um “centro moderador” ao explicar o suporte a diferentes governos.

Como foi o processo para que o centrão assumisse esse papel de defesa do governo Bolsonaro?

Se o presidente tomou a iniciativa de fazer um gesto e chamar os presidentes de MDB, PSD, DEM, PP, PL e por aí vai, por que não? Não podemos ter um impeachment por ano e não é tocando fogo no parque que vamos resolver os problemas. Acertamos um pacto de ajuda para a governabilidade. O pessoal (do governo), de maneira geral, é muito verde politicamente, no bom sentido. Têm boa intenção, mas erram na forma, na maneira, no trato. A gente tenta ajudar.

Um site que o MBL lançou para mapear nomeações no governo aponta 25 indicações do centrão desde que voltou o diálogo com o Planalto. Como convencer a opinião pública de que não foi isso que motivou o apoio ao governo?

O PP votou (a favor) em 92% de todas as matérias do governo sem nenhum cargo. Essa estigmatização não faz bem, não é justa. A questão é que, quando votamos reformas como a da Previdência ou a Lei de Responsabilidade Fiscal, somos chamados de centro. O centrão surgiu lá com o Ulysses Guimarães na Constituinte. Esses partidos sempre deram estabilidade a qualquer projeto de governo, de FH a Bolsonaro. Não demos cavalo de pau. Nosso partido é de centro-direita e conservador.

Mas também apoiou Lula e Dilma. Não é justamente por dar estabilidade para tantos governos de ideologias diferentes que o centrão acaba estigmatizado?

Seja o governante de direita ou de esquerda, os problemas são da mesma natureza. Se não tiver um centro moderador, uma base de equilíbrio, não existe nada, só confrontação. Todas as instituições, quando querem resolver alguma coisa no país, recorrem aos partidos de centro, não vão para os extremos. Sem o apoio dos partidos de centro, os projetos não passam. Não estou supervalorizando, não somos donos da verdade, mas formamos um bojo de parlamentares que pensa no equilíbrio.

O governo recentemente quebrou um acordo com o Senado, ao vetar um trecho do marco do saneamento. Isso não mostra que ainda há problemas na articulação?

Prezo pelo cumprimento da palavra. O problema é que tem algumas pessoas que estão ao lado do governo no Parlamento que fazem acordos e rotineiramente quebram depois. Não acho que o veto foi correto. Penso que o governo pode ter dificuldade na manutenção dele. O governo tem um líder, o Vitor Hugo (PSL-GO), que amadureceu muito. Mas o cara se elege deputado federal e cai na liderança do governo, que não tinha nenhum tipo de articulação política, e tem que aprender com o foguete andando a 500 km/h. Não é brincadeira.

O Brasil é o segundo país do mundo em número de mortes pelo coronavírus. A postura de Bolsonaro se opondo ao isolamento social não contribuiu para o resultado?

Minha visão é diferente. A verdade é que ninguém das camadas mais pobres ficou em casa. Não é porque o presidente dizia que tinha de sair ou porque chamou de gripezinha. Não tinha como fazer quarentena aqui como se fez na Europa, com dez pessoas morando numa casa de 15 m². Nas camadas mais pobres, ninguém fez quarentena, foi vida normal. Era o povo na rua, porque não tinha como se sustentar dentro de casa.

E os discursos presidenciais minimizando a pandemia?

A politização houve, não estou dizendo que as falas não foram exageradas. Nessa aproximação que houve com os partidos, todos, do DEM ao Avante, colocavam que era preciso diminuir esse ciclo de entrevistas onde as coisas acabavam sendo mal colocadas. Ele tinha uma visão de que o fechamento total prejudicaria a economia, talvez no momento inadequado, numa fala inapropriada para aquela situação. Não cabia a nós fazer a politização das mortes.

O que acha da gestão do ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello?

O que teve de diferente de Mandetta para ele? Não estou defendendo o Pazuello. Acho que ele tem limitações técnicas muito grandes, mas é um cara que tem lá sua especialidade em logística e melhorou o atendimento aos estados. A diferença é que o Mandetta se comunicava melhor. Vendia melhor a imagem de ministro. Mas qual foi o teste que o Mandetta adquiriu? Qual foi o respirador que ele comprou? Quais foram as UTIs entregues? Ele saiu e não entregou nada.

O senhor acha que Pazuello deveria deixar a pasta?

Acho que ele cumpriu a sua missão. Não acho que permaneça, mas por razões envolvendo a carreira militar.

Embora haja uma pacificação em curso, a semana teve momentos de atritos entre os poderes após o ministro Gilmar Mendes acusar as Forças Armadas de estarem se associando a um “genocídio”. Não é ruim os militares vincularem tanto a sua imagem ao governo?

Cargo de confiança é de livre nomeação, você nomeia quem você confia. O ministro Gilmar Mendes é um dos homens mais firmes, corretos e competentes da Justiça brasileira. Tem da nossa parte a maior estima, credibilidade e como sempre é muito corajoso. Mas o contexto (da fala) não foi o que foi vendido. Já é um fato superado. Houve alguma provocação, mas vai ser resolvido sem atritos, porque não houve uma vontade de agressão.

A chamada “ala ideológica” do Planalto e seus discursos radicais atrapalham o governo?

Não é esse o problema. A questão é que o governo teve uma concepção inicial de dar liberdade e autonomia a cada ministério. Foi um erro. Continua sendo um erro. O governo não foi dividido em ala militar e ideológica, mas há “ilhas” nos ministérios. Exemplos: às vezes é difícil andar algo no Congresso porque a Educação era a favor, mas Economia era contra. Tinha vários governos dentro de um. Há um esforço para mudar essa concepção, mas isso continua acontecendo em algumas pastas.

O discurso ideológico de ministérios como o de Relações Exteriores e do Meio Ambiente já tem impactos econômicos e na imagem internacional do país...

Não vejo o ministro Ricardo Salles como um radical. Em todas as conversas que tive com ele, pessoalmente, sempre foi um cara bastante tranquilo. Se tiver que corrigir rumos, que corrija. Sobre as Relações Exteriores: o governo do PT tinha ideologia, se relacionava com a Venezuela e Cuba. O governo de direita naturalmente vai com Israel e Estados Unidos. Talvez na maneira de se comunicar haja excessos, mas é preciso respeitar o cunho da vertente política do governo eleito.

Como vê o projeto de lei de combate às fake news, aprovado no Senado?

Todas as vezes em que o Congresso votou alguma coisa assim, açodado, fez merda, votou errado. Não defendo “fake news”, sou alvo delas como a maioria dos políticos. Isso é terrível. Mas a gente tem que ter um cuidado milimétrico. Não se pode tocar um assunto desses a toque de caixa.

Esse projeto pode ser um antídoto para o chamado “gabinete do ódio”, que tanto atacou deputados quando o discurso antipolítica do governo estava fortalecido?

Seja do gabinete do ódio ou do gabinete do pavor, o patrocinador milionário que está por trás, quem fez errado, que pague. Não defendo ninguém. Mas é preciso tratar de alguns assuntos. Às vezes, sai um texto em um site dizendo uma mentira. Aquilo fica no Google. Você pede para o Google tirar o link, e eles dizem que são apenas uma plataforma de busca de informações. Mas aquilo é o instrumento mais usado do mundo para saber alguma coisa, então tem de ter responsabilidade.

O senhor, que é do Nordeste, concorda com a análise de que o auxílio emergencial tem ajudado Bolsonaro a avançar em redutos antes lulistas, mantendo a aprovação acima dos 30%?

Na minha avaliação, quando o presidente fez o discurso de que o pobre, o vigilante, o vendedor de churrasquinho, o limpador de vidro, não tinha como ficar em casa na pandemia, ele partiu para a defesa do menos favorecido. Esse eleitor das classes C, D e E já começou a enxergar ali uma identificação. E se o governo do PT se notabilizou pelo Bolsa Família, de R$ 190, imagine o que não faz uma transferência de R$ 600? Então a avaliação dele no Nordeste, onde isso entrou com mais força, melhorou.

É possível dizer que o centrão apoiará Bolsonaro em 2022?

Muito cedo para falar, temos uma eleição municipal pela frente. O fato de o nosso bloco funcionar junto na Câmara não significa que irá junto numa eleição. Bolsonaro é um potencial candidato e, se mantiver os índices que tem hoje, estaria no 2 º turno. Mas o governo é dinâmico, a política é dinâmica. Haverá outros candidatos em outros partidos de centro-direita.

Como Sergio Moro?

Está fazendo todas as sinalizações para isso. Acho bom que ele venha para a vida pública. A gente tem tido bons exemplos de magistrados na política, como o governador do Rio, Wilson Witzel, alvo de processo de impeachment, e a ex-senadora juíza Selma, cassada pelo TSE. Não é fácil ser vidraça, né?