O globo, n. 31755, 16/07/2020. Economia, p. 16
Alcolumbre diz que pode derrubar veto de Bolsonaro
Gabriel Shinohara
Manoel Ventura
16/07/2020
Parlamentares avaliam que decisão do presidente de impedir renovação de contratos com empresas públicas por mais 30 anos é quebra de acordo. Para especialistas, mudança no texto é positiva e estimula investimentos
A decisão do presidente Jair Bolsonaro de impedir que os contratos com empresas públicas de saneamento sejam prorrogados por mais 30 anos surpreendeu parlamentares e foi interpretada como uma quebra de acordo. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou ontem que "compromissos são feitos para serem cumpridos" e indicou que pode apoiar a derrubada de um dos 11 vetos ao novo marco regulatório do saneamento. Em compensação,a mudança agrada ao setor privado, ao mercado e a especialistas por estimular a atração de investimentos no curto prazo e permitir que as mudanças no marco legal sejam disseminadas mais rapidamente no país.
— Não pode fazer o entendimento e não cumprir o entendimento. Quero dizer para todos os parlamentares que, se, infelizmente, por parte do governo não houve a eficácia do entendimento, houve um lapso por parte do Executivo, que eu reputo que não é certo, a gente tem como corrigir na sessão do Congresso Nacional e dar resposta do que foi construído no plenário do Congresso Nacional — disse Alcolumbre.
O texto aprovado no Congresso permitia que as empresas renovassem seus contratos por mais 30 anos desde que isso ocorresse até março de 2022. Para isso, era preciso haver um acordo com a prefeitura responsável pelo contrato, mas geralmente essas empresas são estatais ligadas aos governos locais. O artigo foi inserido durante a discussão do novo marco na Câmara para vencer a forte resistência das bancadas, principalmente no Nordeste, além de angariar alguns votos no Senado. Mas na prática, postergava qualquer chance real de competição em várias localidades do país.
Tasso Jereissati (PSDBCE), relator do texto no Senado, disse que o governo deu um "tiro no pé" :
— Fiquei surpreso. Um projeto que estava sendo aplaudido por grande parte da sociedade vai virar uma polêmica sem sentido.
'RELAÇÃO FRAGILIZADA'
O deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), que foi o relator do projeto na Casa, também viu na mudança um novo entrave:
— Em muitos estados brasileiros, as empresas estatais prestam serviços sem contrato ou com um contrato não legítimo, feito há 20 anos, e isso (o veto) vai criar problemas para essas estatais que não tiveram eficiência de produzir um contrato.
O senador Otto Alencar (PSD-BA) foi o primeiro a reclamardeumaquebradeacordo. O líder do PSD no Senado disse que o veto ao artigo que autorizava a prorrogação dos atuais contratos vai fragilizar as relações do governo com o Senado. Segundo ele, esse trecho foi negociado com os senadores que apoiam as pautas do governo, como Jereissati e Antonio Anastasia (PSDBMG), além dele próprio:
— Houve uma quebra de acordo, e isso vai fragilizar a relação do governo no Senado.
O Congresso pode derrubar um veto presidencial em sessão conjunta do Senado e da Câmara por maioria absoluta.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDBPE), negou que tenha havido quebra de acordo. Segundo ele, três vetos foram negociados com parlamentares.
—Os entendimentos foram mantidospelasançãodopresidente. O que ocorreu, e eu respeito as manifestações contrárias, é que o texto que veio da Câmara foi submetido à sanção, e no texto dez novos dispositivosforamsubmetidosao veto do presidente. É importante ressaltar que, desses dez artigos, apenas três ou quatro são de mérito em relação ao marco legal do saneamento.
Jereissati confirmou que, em conversa com o ministro de Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, abriu mão de dois últimos vetos com o entendimento de que os artigos poderiam ser melhorados quando fosse feito o regulamento.