O globo, n. 31755, 16/07/2020. Sociedade, p. 8
Atraso na escola
Bruno Alfano
16/07/2020
Brasil tem 11 milhões de analfabetos com mais de 15 anos e não atinge meta
Onze milhões de brasileiros com mais de 15 anos não sabiam ler e escrever em 2019. O número corresponde a 6,6% dessa população e é apenas 0,17 pontos percentuais menor do que o do ano anterior. Os dados são da Pnad Contínua Educação, divulgada ontem pelo IBGE.
É considerado alfabetizado quem consegue ler e escrever um bilhete simples. O Brasil estipulou como meta do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014, que a taxa de analfabetismo de brasileiros com mais de 15 anos teria que ser de 6,5% em 2015.
Ou seja, mantendo o ritmo de queda (de 0,2 pontos percentuais ao ano), o país só deve atingir em 2020 a meta estabelecida para cinco anos antes. Além disso, levaria 33 anos para zerar o analfabetismo de brasileiros com mais de 15 anos —o PNE estabelece essa meta para 2024, o último ano de vigência do plano.
Iracema Rodrigues, de 68 anos, é um dos nomes por trás dessa estatística. Ela largou a escola aos 10 anos de idade, e não passou do primeiro ano do ensino fundamental. Até hoje, não sabe ler e nem escrever.
—Eu ia para a escola por ir, porque nem caderno eu tinha, minha mãe não tinha condições de comprar nada, precisava pegar folha de uma colega do lado. Desisti porque não sabia de nada, nunca consegui passar de ano — relembra Iracema, que mora em Campo Grande, Zona Oeste do Rio.
A doméstica chegou a retomar os estudos duas vezes. Não conseguiu, no entanto, completar sua alfabetização.
Na época da primeira tentativa, Iracema teve que desistir da escola novamente por causa do ex-marido, que a deixou encarregada de cuidar dos seus 12 filhos sozinha. Já no ano passado, quando finalmente decidiu voltar às atividades escolares, um infarto a impediu de continuar.
—Depois que o meu marido me largou, tive que trabalhar ainda mais para sustentar meus filhos. Depois que eles cresceram, cheguei a voltar, mas infartei — comenta. — Se eu melhorar, vou ver se volto a estudar, porque dá uma agonia muito grande você querer ler e escrever, e não conseguir.
Segundo especialistas, a queda no analfabetismo poderia ser acelerada com políticas de educação de jovens e adultos (EJA), principal modalidade para a recuperação de escolaridade de quem abandonou a escola. Ainda segundo a pesquisa do IBGE, mais da metade (51,2%) da população com mais de 25 anos não completou o ensino médio — são 75 milhões de pessoas. Esse é, exatamente, o público alvo da EJA.
— O Brasil tem fechado muitas turmas de EJA e de educação no campo. Cada fechamento desses afasta adultos da escola ou enche salas, o que prejudica o aprendizado —afirma Catarina Santos, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. —
Já dei aulas para EJA. Na turma de alfabetização, você tem um aluno que não sabe nem as letras, um que escreve o nome e outro que consegue ler frases. Por isso, as aulas tem que ser praticamente personalizadas.
POUCO INVESTIMENTO
Como O GLOBO revelou em dezembro, o Ministério da Educação (MEC) fez, em 2019, o menor gasto da década com a educação de jovens e adultos. Os dados são do Sistema Integrado de Operações (Siop).
A pasta só gastou R$ 16,6 milhões na área naquele ano, 22% do previsto (R$ 74 milhões). Em 2012, o montante chegou a R$ 1,6 bilhão (em valores corrigidos) — 115 vezes mais do que em 2019.
— EJA não pode ser um programa. É uma política pública. No entanto, até dois anos atrás, existiam programas para a modalidade. Não era o ideal, mas eles pelo menos existiam —diz Analise da Silva, professora da UFMG especialista em educação de jovens e adultos.
Ricardo Henriques, do Instituto Unibanco, afirma que “é preciso fechar rapidamente a torneira do analfabetismo absoluto e também o funcional”.
Segundo ele, pessoas que não completaram o ensino fundamental podem ser consideradas analfabetos funcionais. De acordo com a Pnad divulgada ontem, 32% dos brasileiros com mais de 25 anos estão nessa situação.
— A sociedade precisa de uma estratégia de EJA, como política pública. E, desde a alfabetização, ela precisa estar vinculada com conteúdos do mundo do trabalho. É muito difícil engajar e manter um adulto estudando. É preciso produzir significado —diz Henriques.
Segundo o texto da Pnad, “para a erradicação até 2024, os desafios são diversos entre as regiões, seja devido à tendência de estabilização das taxas no CentroSul do país, seja pelo nível mais elevado das taxas no Norte e no Nordeste”.
— É importante destacar que, dessas 11 milhões de pessoas analfabetas, 6,2 milhões estão no Nordeste — salienta Adriana Beringuy, analista da pesquisa.
O país, no entanto, tem progressivamente reduzido as taxas de abandono escolar. Segundo o Inep, a taxa passou de 4,7% no fim do ensino fundamental, em 2010, para 2,4%, em 2018.