Correio braziliense, n. 20900, 13/08/2020. Cidades, p. 16

 

Ceilândia vive drama com o novo coronavírus

Jéssica Eufrásio

Thais Umbelino

13/08/2020

 

 

A situação de Ceilândia é dramática desde que o novo coronavírus alastrou-se pelo Distrito Federal. A cidade tem o maior número de casos da covid-19 e de mortes pela doença. O total de infectados na região administrativa chegou ontem a 16.054, dos quais 356 não resistiram. Nas últimas 24h, a Secretaria de Saúde contabilizou 11 óbitos na localidade, a maior entre as demais. Entre as vítimas de ontem está Maria Aparecida Firmo Ferreira, avó da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Além disso, o DF registrou, na quarta-feira, o maior número de mortes em 24 horas: 54.

Apesar do cenário procupante, pesquisadores que acompanham a evolução dos casos no DF observam aceleração mais leve em Ceilândia, com características de platô. Mas a estimativa é de que, no fim do mês, o total de registros da covid-19 na cidade fique entre 18,5 mil e 20 mil. As informações foram levantadas pelo estudante de estatística César Galvão e pelos doutores Breno Adaid e Thiago Nascimento, do Departamento de Ciência do Comportamento da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadores do mestrado em administração do Centro Universitário Iesb.

Breno comenta que, quando analisada a média móvel de casos em Ceilândia, o momento mais crítico aconteceu no domingo. O cálculo leva em conta as confirmações nos seis dias anteriores. “A cidade orbita em torno de 200 casos por dia. É uma evolução lateralizada e com leve aceleração, seguindo a lógica do DF. Em relação ao número de mortes, deve haver continuidade dessa tendência”, destaca.

A administradora Alice Moraes, 27 anos, sai de casa só em caso de necessidade. “O meu receio é pelos meus pais. Saio para ir ao mercado, comprar remédio ou ir ao banco”, diz. Rosimaire Ribeiro, 57, é gari em Ceilândia e tem seis filhos. “O nosso trabalho é na linha de frente. Fico na rua das 16h à 0h e uso transporte público. É um risco, mas tomo os devidos cuidados e ando sempre com álcool em gel”, conta.

Professor da Universidade Católica de Brasília (UCB), Roberto José Bittencourt afirma que, por concentrar o maior número de casos, a cidade favorece a adoção de modelo de eliminação da transmissão. “É território para aplicar a vigilância epidemiológica, mas é preciso grande apoio social, porque só a Secretaria de Saúde não daria conta, e a população infectada é a mais vulnerável”, explica.

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Avó de Michelle não resiste à Covid

13/08/2020

 

 

A aposentada Maria Aparecida Firmo Ferreira, 80 anos, avó materna da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, aparece entre as vítimas de ontem moradoras de Ceilândia. A idosa estava internada no hospital regional da região administrativa com covid-19. Por volta das 2h, Maria Aparecida teve uma parada cardiorrespiratória e, mesmo após tentativas de reanimação, não resistiu.

Amigo da aposentada, Edson Batista, 40, guarda boas recordações dos momentos em que moravam perto um do outro. “Fomos vizinhos durante 20 anos. Ela era uma pessoa humilde, amorosa, amiga e muito especial para a minha família”, contou. Depois que se mudou, o vigilante manteve contato com Maria Aparecida. “Sempre que passava para visitar os meus irmãos, que moram na mesma chácara que ela, ia até a casa da dona Maria para conversar e ver o que estava precisando. Ela precisava muito de cesta básica e vivia bastante sozinha”, relatou. “Vai fazer falta”, acrescentou Edson.

Em 1º de julho, ela foi levada para o HRC depois de ser encontrada caída na rua onde morava, no bairro Sol Nascente. Maria Aparecida ficou internada por mais de 30 dias na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Regional de Santa Maria, mas foi transferida de volta para o de Ceilândia, na semana passada. Durante o período no hospital, ela apresentou estado de saúde grave e precisou ser intubada duas vezes. Em 7 de agosto, Maria Aparecida seguiu para um leito de enfermaria, para prosseguir com o tratamento. A paciente respirava por meio de traqueostomia — procedimento para inserção de um tubo na traqueia, que facilita a entrada de ar.

O Correio entrou em contato por e-mail com a assessoria da Presidência da República, para saber se haveria posicionamento oficial do Palácio do Planalto sobre o caso da avó de Michelle. No entanto, a reportagem não teve resposta. Em nova tentativa, por telefone, a assessoria informou que a solicitação estava em análise e que não daria retorno ontem.

Educadora

A morte da professora Valéria Rocha também provocou comoção. Servidora da Secretaria de Educação, a educadora dava aula na Escola Classe (EC) 45 de Ceilândia. Ela passou três semanas intubada no Hospital São Francisco, mas morreu na madrugada de ontem. Dedicada e querida pela comunidade escolar, Valéria era responsável pelo laboratório de informática.

A educadora dedicou mais de 25 anos de vida ao ensino e atuava em regime de teletrabalho desde o início da pandemia da covid-19. O diretor da EC 45, Fernando Tiago Santos, lamentou a morte. “Era uma professora extremamente dedicada ao trabalho e altamente produtiva. Uma colega muito querida por todo nós. Foi uma perda muito grande para a escola. Desejamos que a família fique bem”, disse.

Amigos consideravam Valéria alegre e de bem com a vida. Era conhecida pelas crianças como “tia da informática” e, por pessoas próximas, como “Lelynha”. “Ela era dona da melhor risada, admirava as coisas simples, era uma profissional dedicada, que defendia o ensino público de qualidade e lutava por ele”, contou a supervisora pedagógica da EC 45, Juliana Bomfim.

A Secretaria de Educação emitiu mensagem de pesar em homenagem à Valéria: “Neste momento de dor, a pasta solidariza-se com os familiares, colegas, estudantes e amigos”, informou. O Sindicato dos Professores (Sinpro/DF) também manifestou-se sobre o caso. “Um exemplo de profissional, Valéria sempre foi professora dedicada”, ressaltou.