Correio braziliense, n. 20900, 13/08/2020. Mundo, p. 14

 

Grito por liderança

Rodrigo Craveiro 

13/08/2020

 

 

No primeiro evento que participaram juntos, o presidenciável Joe Biden e Kamala Harris, vice na chapa democrata, explicitaram, ontem, que não haverá trégua para Donald Trump  até as eleições de 3 de novembro. Nos discursos, permeados pela crítica à inabilidade do governo perante à pandemia do novo coronavírus, a dupla enfatizou que haverá um acerto de contas nas urnas para reconstruir uma América que, destacou, pede a gritos por liderança.

O nome da congressista afroamericana, de 55 anos, filha de imigrantes da Jamaica e da Índia, foi anunciado no fim da tarde de terça-feira. Ontem, a primeira aparição pública de Biden e Harris deu-se no ginásio da escola secundária Alexis Dupont High School, em Wilmington, pacata cidade de 70 mil habitantes no estado de Delaware, onde o candidato mora com a mulher, Jill. “Este é um momento sério para a nação. Uma eleição capaz de mudar vidas. A escolha que fizermos em novembro mudará a América por muitos anos”, advertiu.

O ex-vice-presidente lembrou que a história de Kamala Harris confunde-se com a dos EUA. “Nesta manhã, em todo o país, meninas acordaram, especialmente as meninas negras e pardas que se sentem negligenciadas e subestimadas em suas comunidades. Mas, hoje, talvez, elas estejam se vendo pela primeira vez como presidente e vice”, comentou Biden, enquanto Kamala acompanhava o discurso sentada em uma cadeira, à esquerda do púlpito.

Segundo ele, sua vice  é “esperta, dura, experiente e provou ser uma guerreira pela espinha dorsal deste país: a classe média”. “Kamala sabe como governar, sabe como fazer as ligações difíceis. Ela está pronta para fazer o trabalho desde o primeiro dia. Ela está pronta para trabalhar na reconstrução desta nação. (…) Ela nunca recuou em um desafio”, afirmou Biden, ao apontar o entusiasmo da sua companheira de chapa. “Em 20 de janeiro de 2021, assistiremos a senadora (Kamala) Harris levantar a mão direita e prestar juramento como a primeira mulher a ocupar o segundo maior cargo nos EUA”, avisou.

Pandemia

Biden confidenciou que, quando concordou em ser vice de Barack Obama, pediu-lhe que fosse a última pessoa, antes do presidente, a tomar decisões importantes. “Foi isso o que pedi a Kamala: que ela fosse a última voz na minha sala”, revelou. “Quando você me telefonou, eu fiquei incrivelmente honrada com essa responsabilidade e estou pronta para trabalhar”, disse Kamala, no início de seu discurso, dirigindo-se a Biden. Ela acusou o presidente republicano, Donald Trump, de provocar a pior crise econômica desde a Grande Depressão, ao fracassar na resposta à pandemia do novo coronavírus.

A senadora democrata comparou as eleições de 3 de novembro a um “acerto de contas moral, com racismo e injustiça sistêmica trazendo uma nova coalizão de consciência às ruas, exigindo mudanças”. “A América pede, a gritos, por liderança. Temos um presidente que mais se preocupa com ele mesmo do que com as pessoas que o elegeram”, lamentou Kamala, visivelmente emocionada em vários momentos.

Horas antes do evento em Wilmington, Trump buscou desqualificar a senadora. “Kamala Harris começou forte nas primárias democratas e terminou fraca, fugindo da disputa com quase zero de apoio. É o tipo de rival com o qual todos sonham!”, escreveu o republicano no Twitter. Por sua vez, Biden usou a mesma plataforma social para elogiá-la. “Como filha de imigrantes jamaicano e indiaina, Kamala Harris cresceu acreditando na promessa da América, pois ela a viu em primeira mão”, comentou.

Para David Redlawsk, cientista político da Universidade de Delaware, a escolha de Biden foi estratégica e teve o intuito de energizar afro-americanos e jovens, os quais representa fatia importante do eleitorado. “As principais qualidades de Kamala são a experiência, por ter atuado como procuradora-geral no maior estado do país (Califórnia) e como senadora. Ela também mostra-se dura e resistiu a muitos ataques em sua carreira política, o que lhe credita enfrentar Trump”, explicou ao Correio. “Biden é pragmático. Ele sabe que precisa de alguém como Kamala para ajudar a erigir o entusiasmo necessário à vitória. O democrata é bom em deixar o passado de lado e vislumbrar o futuro”, acrescentou. Redlawsk refere-se ao fato de a agora companheira de chapa ter acusado Biden de não desafiar, de forma eficiente, a segregação racial. “Alguns disseram que ela tachou Biden de racista, mas não o fez.”

 Professora de ciência política da Universidade Rutgers, Kelly Dittmar classificou de “histórica” a nomeação de Kamala. “Ela é apenas a terceira mulher indicada a vice-presidente de um partido principal em toda a história dos EUA e a primeira mulher negra a estar em uma chapa presidencial”, disse ao Correio. “Kamala tem o potencial de energizar eleitores que, de outra forma, poderiam se sentir menos inspirados por Biden, seja por seu perfil como homem branco mais velho, seja por sua política — percebida como levemente mais moderada do que a de Harris.”

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“Joe Biden fez uma boa escolha, ao selecionar Kamala Harris como companheira de chapa. Ela é uma forte ativista e despertará entusiasmo entre os eleitores não brancos, que são a chave para a vitória dos democratas. Kamala também representa uma nova geração de políticos. Acho que isso também atrairá os eleitores mais jovens.”

David Redlawsk, cientista político da Universidade de Delaware

 “A escolha de Kamala Harris é muito boa. Ela mostrou-se altamente qualificada e uma excelente ativista. Por ter concorrido para a Presidência, ela sabe um pouco sobre como é fazer uma grande campanha nacional, o que será útil. A natureza histórica da escolha de seu nome empolgará e mobilizará membros-chave da coalizão democrata, que trabalharão duro para conseguir eleitores que apoiem a chapa.”

Kathleen Dolan, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de Wisconsin-Milwaukee