Correio braziliense, n. 20899, 12/08/2020. Brasil, p. 6

 

Paraná já quer vacina russa

Bruna Lima

Renata Rios 

12/08/2020

 

 

A vacina desenvolvida pelo Institituto Gamaleia, batizada de Sputnik 5, foi anunciada ontem cercada de desconfianças pela comunidade científica mundial, mas já tem interessados no Brasil. O governo do Paraná está trabalhando em um acordo de parceria para a implementação do medicamento anunciado pelo presidente Vladimir Putin, tanto que, hoje, realiza uma reunião técnica com representantes russos para avançar nas negociações. Entretanto, tudo precisa ser referendado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que também compartilha das dúvidas sobre o agente imunizador anunciado em Moscou.

A conversa com o país sobre a possível participação, porém, tem cerca de 20 dias. De acordo com a assessoria de imprensa do governo paranaense, no encontro de hoje devem estar presentes um representante do Palácio Iguaçu e um do Instituto Técnico do Paraná. Pelos russos, é esperada a presença do embaixador Sergey Akopov e sua equipe. “O encontro é para definir os termos de um possível acordo entre as partes, e será coordenado pelo governador Carlos Massa Ratinho Junior”, informou o governo, em nota. A expectativa é que se definam os requisitos técnico-científicos, delimitando os termos a serem seguidos. De acordo com a assessoria, isso inclui respeitar as normas brasileiras e ter a aprovação da Anvisa.

Ao Correio, o Ministério da Saúde afirmou estar atento aos estudos e a “todas as vacinas em desenvolvimento e garante que, assim que tiver acesso à vacina comprovadamente eficaz contra a covid-19, os brasileiros terão acesso a ela”. Em 4 de agosto, a pasta esteve com representantes do Fundo de Investimento Direto da Rússia (RDIF) para tratar da vacina. No mesmo dia, mais cedo, também foram feitas tratativas com responsáveis pela farmacêutica chinesa Sinopharm. O governo federal vem recebendo representantes de empresas que têm interesse em trazer a medicação.

Sem registro

A vacina russa ainda não está no rol de processos aguardando autorização da Anvisa e nenhum pedido de protocolo de pesquisa ou de registro chegou para os técnicos –– também não há solicitação de qualquer entidade ou parceiro dos desenvolvedores. Por isso, não há estimativa para que os protocolos saiam neste mês, pois as análises levam pelo menos 30 dias, levando em conta a celeridade do processo devido à crise de saúde.

“A Anvisa tem a função de avaliar os pedidos de registro e autorizações de estudos apresentados pelos laboratórios farmacêuticos com interesse em colocar seus medicamentos e vacinas no Brasil. Tem foco na segurança e eficácia, que são os requisitos fundamentais para qualquer medicamento ou vacina”, salientou, em nota.

As solicitações de autorização de estudo clínico vem sendo avaliadas pela Anvisa em 72 horas. Mas, para conseguir este prazo, são realizadas reuniões com a empresas e o Comitê de Avaliação de Estudos Clínicos, Registros e Mudanças Pós-Registros de Medicamentos para Prevenção ou Tratamento da Covid-19. Sem nenhum pedido, a Anvisa afirma que não há como fazer avaliação da candidata, nem tampouco se pronunciar em relação a segurança e eficácia do produto russo. A cautela, para especialistas escutados pelo Correio, é necessária, apesar da urgência.

“Como qualquer estudo científico, esse trabalho de vacina também tem que ser publicado para poder ter algum tipo de análise. Não é questão de ser ruim ou não, de ter efeito adverso. É questão de não saber”, explicou o infectologista Alberto Chebabo. O fato de a vacina ser aprovada na Rússia não quer dizer que será aprovada no país.

Atualmente, há 120 vacinas em desenvolvimento no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo que seis delas estão entre as mais avançadas (veja quadro). Destas, a Anvisa deu aval a quatro e, com isso, o país pode participar das fases de testes, além de tentar parcerias para negociar disponibilização de doses quando aprovadas.

A corrida para o desenvolvimento da tecnologia é vista como positiva, o que não tira a necessidade de se cumprir as etapas de desenvolvimento que garantam segurança da população, como lembrou o gestor em Saúde da Fundação Getulio Vargas, Adriano Massuda. “Vejo com muito ceticismo, da mesma forma que lidamos com ceticismo sobre a questão da cloroquina. O ‘pode ser que’ não adianta, é preciso comprovar. Enquanto não se tem uma vacina segura, disponível para toda população, o anúncio precoce é negativo porque causa mais confusão para a população. Por conta disso, é fundamental que as pessoas reforcem os cuidados”, destacou.

A corrida pela imunização

Vacina Oxford-AstraZeneca

Em testes no Brasil, a vacina contra a covid-19 que a universidade e a farmacêutica inglesas estão desenvolvendo tem liberação da Anvisa para a administração de uma dose de reforço para os voluntários do estudo. É considerada uma das mais avançadas para combater o novo vírus.

Vacina Sinovac

No início deste mês, o medicamento desenvolvido pela farmacêutica chinesa começou ser testada no Distrito Federal. As doses aplicadas fazem parte da fase 3 da pesquisa, o que significa que o produto é seguro e eficaz. A vacina está sendo desenvolvida em conjunto com o Instituto Butantan, de São Paulo, e usa o vírus inativo.

Vacina Sinopharm

O Grupo Nacional Farmacêutico da China também busca um agente contra a covid-19. A vacina está passando por testes clínicos e a estimativa é que durem três meses, de acordo com o que o presidente da Sinopharm, Liu Jingzhen, em entrevista à televisão estatal chinesa CCTV. O diretor executivo da Organização Mundial da Saúde (OMS), Michael Ryan, duvidou que fique pronta em tão pouco tempo.

Vacina Biontech-Pfizer

O resultado da parceria germano-americana é considerado em estágio avançado e começou a fazer testes clínicos, em grande escala, no final de julho. As empresas desenvolveram a vacina chamada BNT162, da Biontech, baseada em mRNA para prevenção da doença.

Vacina Moderna Inc.

No final de julho, o laboratório Moderna Inc. afirmou que iniciou o estágio final dos testes da vacina em uma candidata. De acordo com a empresa americana, a expectativa é que sejam fornecidas cerca de 500 milhões de doses por ano a partir de 2021. Recebe apoio financeiro do governo dos EUA, que destinou quase US$ 1 bilhão para o projeto.

Vacina Cansino Biologics

Também em estágio avançado, o projeto se mostrou seguro e produziu resposta imunológica, de acordo com a publicação da revista científica The Lancet. É baseada em um adenavírus modificado, sendo mais segura para pessoas mais frágeis, para o vírus não se reproduzir.