Correio braziliense, n. 20897, 10/08/2020. Cidades, p. 13

 

Turismo sofre perdas e pensa reinvenção

Alan Rios 

10/08/2020

 

 

Brasília carrega na história o fato de receber pessoas de todo o país e ser palco de movimentações e decisões nacionais, com o setor de turismo envolvido diretamente nessa circulação. Porém, a pandemia do novo coronavírus leva empresários e trabalhadores de diferentes áreas a enfrentar quase um semestre com baixíssima atividade turística, desde aquela voltada para negócios até aquela com foco em cultura e lazer. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), por exemplo, estima que o segmento no Brasil perdeu R$ 90 bilhões em três meses. No Distrito Federal, linhas de crédito e parcerias foram pensadas para minimizar os danos. Além de calcular o prejuízo, integrantes do setor também se organizam para uma reinvenção para o próximo ano.

“Observamos um cenário otimista para 2021, mas 2020 acabou. É um ano perdido para nós. Temos os meses até dezembro, no entanto, sem esperança de retorno”. Essa é a avaliação de Reinaldo Ferreira, presidente da Associação Brasiliense das Agências de Turismo Receptivo (Abare). Reinaldo acredita que este é um cenário em que o empresariado pouco pode fazer para mudar a difícil situação econômica do ano, mas que é a hora de parar e repensar como a capital do país enxerga o turismo. “Temos que nos adaptar ao novo momento. Estamos parados, mas temos que ir nos preparando para o retorno e aprendendo a trabalhar de uma forma diferente. Parece que a cidade se acomodou só com o turismo corporativo, mas é hora de olhar também para nossa riqueza arquitetônica, nossa história cívica e nossa cultura”, pontua Reinaldo.

A fotógrafa Vitória Oliveira, 20 anos, saiu de São Paulo e desembarcou no Aeroporto de Brasília, na última sexta-feira, para visitar a amiga Ana Luiza Carneiro, 23, em Taguatinga. Essa é a primeira vez que a jovem visita a capital da República e ficará na cidade até dia 31 desse mês. Desde o dia que chegou, ela visitou a Esplanada dos Ministérios, a Ponte JK, a Catedral e a Feira da Torre. “Estou maravilhada com a cidade. A impressão que tenho é de que, aqui, a região é bem organizada e setorizada, mas sinto que está um pouco vazia. Como sou fotógrafa, estou registrando tudo para guardar os momentos”, afirma.

Quem trabalha no setor vive o pior momento histórico dos últimos anos. Jorge Damasceno, 60 anos, é empresário e atua há décadas no turismo. Ele conta que nunca havia presenciado uma crise tão intensa. “Lembro que tivemos um impacto muito grande na época da mudança da moeda para o real, mas nem isso chega aos pés do momento de hoje. São cinco meses em que tudo está parado. Ninguém previa algo assim”, diz. No entanto, Jorge vê um futuro melhor. “Creio que as pessoas vão ter que buscar Brasília por soluções no período pós-pandemia. Segmento médico, financeiro, agronegócio, industrial e outros terão uma demanda muito grande para pensar nos novos cenários. Então, o centro do país tem que abrir o olho para isso, enxergar lá na frente”, avalia.

Múltiplos empregos

O tamanho da crise aumenta quando analisados os empregos gerados pelo turismo, como exemplifica Jorge. “Na minha área, de eventos corporativos, temos simpósios, seminários e eventos semelhantes em que a gente consegue envolver muitos segmentos. Temos o trabalho de pessoas para tradução, recepção, guia, transporte, hotelaria, gastronomia. Ou seja, são vários trabalhadores envolvidos. Hoje, a perda dessas pessoas é muito grande. E nós temos famílias, filhos”, lembra. O empresário explica que o setor de hotéis elaborou uma série de protocolos de segurança sanitária para cumprir as determinações do governo local e ir além das recomendações, garantindo maior sensação de conforto. Contudo, seminários que aconteciam com 400 participantes antes da pandemia devem contar com metade do público após este período.

Os gastos, entretanto, continuam altos, apesar da quase inatividade, de acordo com o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Distrito Federal (Abih), Henrique Severien. “Pode haver a impressão de que se não temos hóspedes, não temos consumo. Mas, o local continua funcionando com demanda mínima, e ela representa um custo muito relevante. Um hotel de 300 apartamentos não vai deixar de pagar R$ 25 mil de energia, mesmo que não tenha hóspede. Sem contar as várias manutenções obrigatórias por lei, como a de combate a incêndio, que custam muito”, detalha. Henrique cita que há grandes grupos de hotéis no DF que deixaram até quatro unidades sem nenhuma operação nestes meses.

Na avaliação de Henrique, os caminhos para diminuir a crise passam por incentivos de minimização de custos. “Agora, não há que se falar em captação de negócios, a cadeia produtiva não tem possibilidade de adotar postura proativa comercialmente, porque o isolamento social é a palavra de ordem. Mas, existem inúmeras medidas para minimizar os danos, como a expansão de programas criados para manutenção de postos de trabalhos, revisão de taxas, de ônus, de folha salarial, de ICMS e de custos, como fornecimento de água e luz”, explica. Para o futuro, Henrique pensa em alternativas de modelos de negócio, no DF. “Nossa hospedagem está muito ligada ao corporativo, não às férias, por exemplo. Então, a média de hospedagem não é de sete dias, como em outras capitais, varia entre dois e três dias. Esse é um cenário crítico, mas poderíamos ter um pouco mais de criatividade para encontrar caminhos”, afirma.