Correio braziliense, n. 20893, 06/08/2020. Política, p. 8

 

A nova inteligência do governo

Jorge Vasconcellos 

Renato Souza

06/08/2020

 

 

O ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, escolheu o delegado da Polícia Federal (PF) Thiago Marcantonio Ferreira para ser o novo chefe da Diretoria de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi). A nomeação foi publicada, ontem, no Diário Oficial da União. Ferreira vai substituir Gilson Libório, afastado do comando do órgão na segunda-feira, após surgirem as acusações de que a pasta monitorava 579 servidores federais e estaduais que fazem oposição ao governo de Jair Bolsonaro — a existência do dossiê foi revelada pelo portal UOL há 10 dias.

O novo chefe da Seopi vinha trabalhando como assessor especial de Mendonça. O nome dele foi escolhido em meio às repercussões negativas da revelação sobre o dossiê. Hoje, por exemplo, vence o prazo de 48 horas, dado pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que o ministério preste informações sobre o relatório sigiloso. A maioria dos alvos do monitoramento da Seopi são policiais militares, civis e federais ligados a movimentos antifascismo.

Na semana passada, o ministério afirmou, em nota, que a Seopi produz relatórios de inteligência para “prevenir situações de risco para a segurança pública”. Acrescentou que essa estrutura é mantida desde o governo Lula e que a pasta “não atua para investigar, perseguir ou punir cidadãos”, mas, segundo o comunicado, atua sempre “dentro da mais estrita legalidade”. Na segunda-feira, porém, o ministro André Mendonça abriu uma sindicância interna para apurar as denúncias envolvendo a Seopi.

Em outra mudança importante na área de informações, um decreto publicado na última sexta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro alterou a estrutura organizacional da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), com a criação de cargos comissionados e de um órgão vinculado à agência: o Centro de Inteligência Nacional. O decreto foi assinado, também, pelo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, a quem a Abin é subordinada.

Formalmente, a Abin tem a atribuição de fornecer subsídios ao presidente da República nos assuntos de interesse nacional. A agência é comandada por Alexandre Ramagem, que teve a nomeação para chefiar a Polícia Federal barrada, em abril deste ano, pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.

Conforme o decreto, o Centro de Inteligência Nacional da Abin ficará responsável por planejar e executar ações para o “enfrentamento de ameaças à segurança e à estabilidade do Estado e da sociedade”; assessorar os órgãos em políticas de segurança pública e identificar “ameaças decorrentes de atividades criminosas”; implementar a “produção de inteligência corrente e a coleta estruturada de dados”; entre outras tarefas.

A equipe do novo órgão de inteligência é formada por 17 agentes — um diretor, quatro coordenadores gerais, nove coordenadores, um assessor e dois assistentes. Esses funcionários foram remanejados de outras áreas da administração federal.

Ainda segundo o decreto, o órgão é responsável por “realizar pesquisas de segurança para credenciamento e análise de integridade corporativa”, o que significa, por exemplo, analisar previamente informações sobre um indicado para compor o governo, algo que a Abin já vinha fazendo.

Órgãos afetados

O decreto presidencial traz, ainda, mudança na Escola de Inteligência, também vinculada à agência. A escola ficará responsável pela capacitação de “agentes públicos em exercício na Abin” e de “indicados pelo Sistema Brasileiro de Inteligência ou por entidades ou órgãos parceiros da Abin”.

Já o Departamento de Inteligência, pertencente à estrutura da Abin, atuará na análise “de ameaças à segurança econômica nacional nas áreas de energia, de infraestrutura, de comércio, de finanças e de política econômica”, entre outras atribuições.

O advogado constitucionalista Gustavo Dantas destacou que, apesar de estarem subordinados à atual gestão do Executivo, os órgãos de inteligência devem respeitar limites previstos na Constituição durante qualquer atuação. “Como órgão do Estado, e não do governo, esses serviços de inteligência não podem ultrapassar limites de interesse do Estado. Ou seja, o governante não pode usar esse serviço para buscar informações pessoais de opositores ou usar como forma de pressão política”, destacou. “Isso significa que, pelo princípio da impessoalidade, os serviços devem buscar informações necessárias contra qualquer atentado que envolva a segurança pública ou a soberania nacional.”

Centro de Inteligência

Veja algumas das funções do novo órgão

 Planejar e executar ações para o “enfrentamento de ameaças à segurança e à estabilidade do Estado e da sociedade”

Assessorar os órgãos em políticas de segurança pública

Identificar “ameaças decorrentes de atividades criminosas”

Implementar a “produção de inteligência corrente e a coleta estruturada de dados”

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Informações de canais não oficiais 

06/08/2020

 

 

O interesse do presidente Jair Bolsonaro de promover mudanças no sistema de inteligência do governo ficou evidente a partir da divulgação do vídeo da reunião ministerial ocorrida em 22 de abril. A gravação é uma das provas apresentadas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro no inquérito aberto pelo Supremo sobre possíveis interferências políticas do chefe do Executivo na Polícia Federal. Moro afirmou que Bolsonaro cobrava acesso a inquéritos e relatórios de inteligência da corporação para proteger familiares e aliados. A PF é um órgão de Estado encarregado de fazer investigações e não de fornecer relatórios de inteligência para o chefe do Executivo.

Após a divulgação do vídeo da reunião, Bolsonaro disse, em 22 de maio, que recebia informações sigilosas por canais que não eram os oficiais. Segundo afirmou, o grupo era composto por um jornalista, um sargento do Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro, um capitão do Exército em Nioaque (município de Mato Grosso do Sul) e um capitão da Polícia Civil em Manaus.

Em março deste ano, poucas semanas antes de morrer, vítima de infarto, o ex-secretário-geral da Presidência da República Gustavo Bebianno, demitido no início de 2019, afirmou que Bolsonaro tentou montar uma “Abin paralela”, com participação de um delegado da Polícia Federal.

Segundo Bebianno, o grupo responsável por obter informações sigilosas seria comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). A ideia não teria prosperado por causa da interferência de ministros da época, como o próprio Bebianno e o general da reserva Santos Cruz, então chefe da Secretaria de Governo. (RS e JV)