Correio braziliense, n. 20891, 04/08/2020. Brasil, p. 6

 

País dobra oferta de UTIs, mas futuro de leitos é incerto

Bruna Lima 

04/08/2020

 

 

Em meio à pandemia, o número de unidades de terapia intensiva (UTIs) aumentou, de fevereiro a junho, em mais de 21 mil leitos, distribuídos entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede privada. Com o salto nas habilitações, o Brasil praticamente dobrou a oferta na comparação com os dados de 2011, passando de 34.082 para 66.786 leitos de emergência. Mesmo com o incremento, o país sofre com infraestrutura insuficiente para acolher pacientes com outras doenças. Levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) indica que 30% das novas unidades são exclusivamente destinadas para enfrentamento à covid-19 e, portanto, podem estar com os dias contados.

Com a explosão de habilitações para tratar pacientes infectados pelo novo coronavírus, atualmente há quase 45% de leitos de UTI a mais do que no início do ano. Ao desconsiderar os leitos exclusivos para a covid-19, entre junho de 2011 e junho 2020, o Brasil aumentou em 38% as estruturas para atender a casos críticos, passando de 34.082 para 46.961. “A gente continua tendo uma população que vai adoecendo, continua tendo necessidade do atendimento crítico e que está com nível inferior à demanda. Temos várias situações de pronto-socorro superlotado com pacientes críticos aguardando leito de terapia intensiva e que, muitas vezes, ficam em locais inadequados, levando as sequelas quando não acabam evoluindo a óbito por falta de uma estrutura”, explica o primeiro-secretário do CFM, Hideraldo Cabeça.

Ao colocar na balança o aumento populacional da última década, somado ao crescimento do percentual de população idosa e maior recorrência de pacientes politraumáticos graves, o número é insuficiente, influenciando diretamente na quantidade de demandas judiciais por leitos. Segundo dados da Justiça Federal, até 2019, mais de 1,5 milhão de processos relacionados à saúde tramitavam no país.

Para Cabeça, os leitos criados nos últimos meses aliviariam essa defasagem, mas, por serem, em sua maioria, temporários, o CFM prevê o fechamento e, consequentemente, a permanência do quadro de desigualdade na distribuição dos leitos de UTIs. “Vem-se tentando buscar, ao longo de anos, uma melhoria [no incremento de UTI] porque é necessário uma correlação entre proporção de leitos ofertados e número de pacientes existentes no Brasil. A gente vê com bons olhos esse aumento, mas mesmo assim não é suficiente. Dos leitos de covid criados, 20% estão em hospital de campanha e não poderão se manter, porque foram colocados em locais improvisados como campo de futebol, ginásios esportivos”, problematiza.

Proporção

A Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) preconiza como proporção ideal um índice de um a três leitos de UTI para cada 10 mil habitantes. Se consideradas as redes pública e privada, a quantidade de unidades de emergência representa, em média, no Brasil, atualmente, 2,2 leitos para cada grupo de 10 mil habitantes.

No entanto, há um problema vigente a ser considerado nessa equação: a desigualdade no acesso aos leitos de UTI disponíveis entre o sistema SUS e o não SUS. As ofertas estão divididas meio a meio, mas enquanto quase 80% da população depende, exclusivamente, da rede SUS, apenas 20% têm acesso à rede suplementar. Logo, proporcionalmente, o SUS conta com apenas 1,1 leito de UTI para cada grupo de 10 mil habitantes, enquanto a rede suplementar tem cinco unidades para cada 10 mil beneficiários de planos de saúde.

Em um recorte estadual, mais da metade das unidades da federação não possui leitos de UTI suficientes. Em todos os estados do Norte (exceto Rondônia), além de Alagoas, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte, os índices variam de 0,44 leito por grupo de 10 mil habitantes (caso do Amapá) a 0,96 (Rio Grande do Norte). Ao todo 14 estados apresentam, na rede pública, uma proporção de leitos de UTI não recomendada pelos especialistas em medicina intensiva.

Outras quatro unidades federativas têm indicadores abaixo da média nacional nesse segmento. São elas: Goiás, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Sergipe. O estudo do CFM também chama a atenção para a distribuição geográfica dos leitos. Só o Sudeste concentra 24.621 (52%) das unidades de terapia intensiva de todo o país; 46% do total de leitos públicos e 59%, dos privados. Já o Norte tem a menor proporção: apenas 2.489 (5%) de todos os leitos; 6% dos leitos públicos e 4%,dos privados.

“Existe uma desproporção de dados tanto quando a gente avalia leitos SUS para não SUS, assim como quando a gente avalia a distribuição dentro do cenário nacional. Nesse sentido, o CFM vai fazer um alerta. Aproveitemos esse momento para ter esse olhar, verificar que estamos ainda carentes e não tem cabimento termos prontos-socorros e UPAs lotados, havendo necessidade de atendimento para paciente específico crítico e ele não estar no local adequado para esse tratamento”, finaliza Cabeça.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Á beira de crise inédita

04/08/2020

 

 

No confronto direto entre saúde e economia em meio à pandemia só há um ganhador: o novo coronavírus. Isso porque, ao focar os esforços em privilegiar um em detrimento do outro, sem a busca por um equilíbrio entre a reabertura econômica e a prevenção sanitária, o diálogo e as propostas não avançam, somente a doença. Em relatório conjunto da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), autoridades trazem a realidade da região, expondo uma crise econômica e social inédita, acentuando as desigualdades.

“Com a pandemia, ficou muito flagrante a concentração de renda nesses países. Se não houver uma ação, principalmente do poder público no sentido de minimizar essas distorções no âmbito da recuperação da atividade econômica, ficará mais difícil resolver o problema”, explica o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), Newton Marques.

A dicotomia com que o problema foi tratado, para Marques, acentua a necessidade de revisão do olhar, tal como sugerem as entidades internacionais. “Colocou-se em oposição às medidas de saúde que são tomadas para conter a pandemia a recuperação da atividade econômica desses países, como se fossem antagônicas, quando, na verdade, deveriam ser complementares. Por isso, a sugestão é de tomada de medidas simultâneas”, acrescenta.

Segundo as projeções da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), a pandemia provocou a recessão mais abrupta da história e que implicará numa queda do crescimento do PIB regional de -9,1% em 2020. A desvalorização deve ser acompanhada de um aumento do desemprego, na casa de 13,5%, e da pobreza, em 7,0 pontos percentuais, alcançando 37,3% da população. Com isso, a desigualdade pode ter um aumento médio de 4,9 pontos percentuais.

Marcada por grande desigualdade social, a região deve ter a disparidade agravada e os grupos mais vulneráveis economicamente são, também, os mais impactados ao se falar em oferta de serviços de saúde. Um terço da população ainda enfrenta algum tipo de barreira para acessar os serviços de saúde — área que, além de tudo, ainda sofre com subfinanciamento, já que alcança a média de 3,7% do PIB, abaixo dos 6% recomendados pela Opas como base.

Os números da saúde, no entanto, estão fortemente atrelados a qualquer medida de retomada da economia, como explica o economista Gil Castello Branco. “Quando se libera a economia, há uma crescente necessidade da utilização de leitos. E precisa-se fazer a relação matemática entre a disponibilidade e a perspectiva do número de pessoas que podem vir a ocupá-los para que não haja um colapso. Se há uma liberação e a ocupação de leitos chega, como tem chegado, próximo de 90%, é necessário procurar fechar dentro da ótica de privilegiar a vida. É indiscutível que exista a necessidade desse equilíbrio, mas a preferência precisa ser a vida.” (BL)

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

R$ 1,9 bi para vacinas

Maria Eduarda Cardim 

04/08/2020

 

 

Com 2.750.318 de infecções e 94.665 mortes provocadas pela pandemia do novo coronavírus e ainda distante de uma possível queda sustentada da curva da doença, o país agiliza os planos para garantir doses da vacina produzida pela Universidade de Oxford, considerada a mais promissora imunização na corrida contra o vírus. Para isso, o Ministério da Saúde prepara uma medida provisória de crédito orçamentário extraordinário no valor de R$ 1,9 bilhão para viabilizar 100 milhões de doses do imunizante.

O anúncio foi feito pelo secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Hélio Angotti Neto, durante coletiva de imprensa, ontem. Segundo ele, a medida provisória se encontra em estudo no Ministério da Economia e o acordo entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a farmacêutica britânica AstraZeneca deve ser assinado até 14 de agosto. “É uma previsão dada pela própria Fiocruz”, indicou.

Segundo o ministério, o acordo prevê o início da produção da vacina no Brasil a partir de dezembro deste ano e garante total domínio tecnológico para que a Bio-Manguinhos, unidade produtora de imunobiológicos da Fiocruz, tenha condições de produzir a vacina de forma independente. De acordo com a pasta, o valor será gasto da seguinte forma: R$ 1,3 bilhão para despesas correntes referentes a pagamentos à AstraZeneca; R$ 522,1 milhões, em despesas correntes necessárias ao processamento final da vacina por Bio-Manguinhos/Fiocruz; e R$ 95,6 milhões, em investimentos necessários para absorção da tecnologia de produção pela Fiocruz.

Questionado sobre quem receberá a vacina em um primeiro momento, Angotti indicou que idosos, pessoas com comorbidades, profissionais de saúde, professores, profissionais de segurança, indígenas, motoristas de transporte público e pessoas privadas de liberdade serão contempladas, mas que isso ainda pode mudar. “Serão acompanhadas as melhores evidências científicas disponíveis e serão feitas diversas análises epidemiológicas para ter o melhor plano de distribuição da vacina possível conforme os dados se atualizem”, declarou.

Balanço

Ontem, o país registrou mais 16.641 casos e 561 óbitos pela covid-19. Atualmente, 20 estados e o Distrito Federal já ultrapassaram mil óbitos pelo novo coronavírus cada. Quem lidera o ranking brasileiro é São Paulo, com 23.365 óbitos pelo novo coronavírus. O Rio de Janeiro é o segundo, com 13.604 vítimas da doença. Em seguida estão: Ceará (7.752), Pernambuco (6.669), Pará (5.784), Bahia (3.624), Amazonas (3.288), Maranhão (3.069), Minas Gerais (2.894), Espírito Santo (2.601), Paraná (2.050), Rio Grande do Sul (2.016), Mato Grosso (1.907), Rio Grande do Norte (1.894), Paraíba (1.870), Goiás (1.716), Alagoas (1.607), Distrito Federal (1.546), Sergipe (1.489), Piauí (1.385) e Santa Catarina (1.196).