O Estado de São Paulo, n.46257, 10/06/2020. Economia e Negócios, p.B1

 

Governo recua e revoga transferência de verba do Bolsa Família para publicidade

Idiana Tomazelli

Luci Ribeiro

10/06/2020

 

 

Anunciado na semana passada, remanejamento de R$ 83,9 milhões da verba da área social para a Secretaria Especial de Comunicação da Presidência foi anulado depois que o Tribunal de Contas da União abriu investigação para apurar se houve tentativa de burlar regras fiscais

Alternativa. Sobra do Bolsa Família pode ir para auxílio emergencial do governo Bolsonaro

O Ministério da Economia decidiu revogar uma portaria que remanejava R$ 83,9 milhões do Bolsa Família para a verba publicitária do governo federal. A medida foi adotada após o Estadão/Broadcast revelar que o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu investigação para apurar a regularidade do repasse.

A manobra foi vista por economistas e pelo Ministério Público junto ao TCU como uma tentativa de burlar regras fiscais e usar exceções legais para os gastos com a pandemia do novo coronavírus a favor de um aumento em despesas que não são emergenciais e nada têm a ver com o combate à doença.

A transferência da verba para a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência (Secom) ocorreu depois que o auxílio emergencial de R$ 600 absorveu temporariamente 95% das famílias que recebem regularmente o Bolsa Família. O auxílio temporário é bancado com crédito extraordinário, que fica livre das amarras fiscais.

A migração acabou deixando “dinheiro livre” no Orçamento do governo, que já existia antes da crise. Só em abril, a sobra foi de aproximadamente R$ 2,4 bilhões, quadro que deve se repetir em maio e junho. Foi parte desse dinheiro que acabou sendo remanejado para gastos da Secom sem relação com a pandemia.

O procurador do MP-TCU Rodrigo Medeiros de Lima viu uma tentativa de driblar o teto de gastos, que limita o avanço das despesas à inflação, e as regras da Constituição que estabelecem o que pode ser bancado com crédito extraordinário.

Aviso. Integrantes da Corte alertaram o ministro da Economia, Paulo Guedes, para o risco de irregularidades na portaria que autorizou o remanejamento – assinada pelo secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues. Ontem à tarde, após a reportagem revelar a auditoria, Rodrigues assinou outro ato revogando a medida.

Na área econômica, avaliase usar o que sobrou de espaço do Bolsa Família para pagar parte da prorrogação do auxílio emergencial. Guedes quer estender o programa por mais dois meses – agora com o pagamento de R$ 300.

Com a decisão da equipe econômica, a investigação no TCU pode ser arquivada por perda de objeto, uma vez que a portaria que deflagrou a auditoria deixou de existir. Mas essa é uma medida que ainda não foi tomada, uma vez que outros elementos estão sendo levantados pelos auditores.

O mais chamativo deles é o fato de o próprio governo ter aberto em 25 de março um crédito extraordinário destinando R$ 3,037 bilhões para reforçar o orçamento do Bolsa Família. À época, a decisão foi justificada como necessária para zerar a fila de espera pelo programa.

O governo não só não zerou a fila (433 mil famílias são elegíveis ao programa e não tiveram ainda a concessão do benefício) como também passou a retirar recursos do programa para destinar a outras despesas sem relação com o combate à crise.

Os técnicos se preocupam com as projeções que estão sendo feitas para justificar a “dispensa” desses recursos neste momento, uma vez que as projeções de organismos internacionais apontam para aumento do desemprego e da pobreza.

Na fila

433 mil

é o número de famílias que são elegíveis ao Bolsa Família, mas ainda não tiveram aprovada a concessão do benefício