Correio braziliense, n. 20885 , 29/07/2020. Política, p.2

 

Negociações mais difíceis para governo

Jorge Vasconcellos

Luiz Calcagno

29/07/2020

 

 

PODER » Redistribuição dos partidos na Câmara isola o Centrão, e deputados do bloco que pretendem disputar a Presidência da Casa são pressionados a mostrar independência do Executivo. DEM, MDB e PSDB miram formação de frente de apoio a candidato de Maia

A esperança do presidente Jair Bolsonaro de construir uma base de apoio no Congresso sofreu um abalo com as articulações para a sucessão na Presidência da Câmara. A redistribuição dos partidos em novos grupos enfraqueceu e isolou o Centrão, bloco parlamentar que recebeu cargos no governo em troca de apoio político. Para complicar ainda mais a situação, deputados desse grupo que pretendem disputar o comando da Casa estão sendo pressionados a mostrar independência do governo federal — movimento oposto à aproximação ocorrida no início do ano.

A formação dos blocos que disputarão a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Presidência da Câmara é o pano de fundo para a saída, na segunda-feira, do DEM e do MDB do chamado “blocão”, comandado pelo líder do PP, Arthur Lira (AL), e que reúne também siglas do Centrão. Nos últimos meses, Lira tem atuado como articulador informal do governo no Congresso.

O blocão reúne, formalmente, nove partidos (PL, PP, PSD, MDB, DEM, Solidariedade, PTB, Pros e Avante), com mais de 200 deputados. Como fizeram o MDB e o DEM, o Solidariedade também pode se desligar do grupo.

Por sua vez, DEM, MDB e PSDB pretendem formar uma frente de centro independente ao redor de algum candidato respaldado por Rodrigo Maia. Há aliados, inclusive, que ainda alimentam a esperança em uma possível reeleição do parlamentar autorizada pelo Judiciário — mas o próprio presidente da Casa se diz contrário à ideia.

Esses movimentos são interpretados como estratégia para enfraquecer a articulação de Lira, que se aproximou de Bolsonaro nos últimos meses. O deputado é visto como potencial candidato à sucessão de Maia.

O Centrão, que representa uma grande parte do blocão, é um resquício do período de Eduardo Cunha (MDB-RJ) na Presidência da Câmara, durante o governo da então presidente Dilma Rousseff (PT).

Bolsonaro se aproximou do Centrão em abril deste ano, ao se sentir acuado com os desdobramentos do inquérito em que é investigado por suposta interferência política na Polícia Federal. O apoio parlamentar é fundamental na tentativa de barrar, na Câmara, uma eventual denúncia da Procuradoria-Geral da República.

Ao oferecer cargos em troca de sustentação política, adotando uma prática que sempre condenou, Bolsonaro também estava de olho nos pedidos de impeachment que já foram protocolados na Câmara contra ele.

O chefe do Executivo, com essa aproximação, pretendia, ainda, isolar Maia e colocar um aliado no comando da Casa. E foi isso que motivou a antecipação nas articulações para a sucessão.

“O que estamos vendo, em primeiro lugar, é uma perda de força do presidente Bolsonaro e do deputado Arthur Lira. O segundo ponto é a antecipação da sucessão na Câmara. Não me lembro de uma disputa pelo comando da Câmara que tenha começado tão cedo, já que a eleição é sempre em fevereiro”, disse o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa, apontando o próprio Bolsonaro como responsável por essa antecipação.

Ele também vislumbra que, até a eleição na Casa, haverá um acirramento dos ânimos, com prejuízos para a relação entre o Congresso e o Planalto e também para a agenda de reformas.

Gatilho

O Correio apurou com congressistas que a necessidade de DEM e MDB sinalizarem o afastamento do blocão se deu durante a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), após Lira pedir a retirada da matéria de pauta.

Havia um consenso sobre a aprovação do novo Fundeb, avalizado por 492 votos a 6 na Câmara, mas Lira agiu em nome do Planalto. O problema é que o DEM e o MDB, favoráveis à PEC, integravam a base parlamentar liderada pelo deputado. As duas siglas não queriam ser associadas à ação dele contra o Fundeb.

A deputada Natália Bonavides (PT-RN) destacou que a confluência de partidos de diferentes espectros políticos em torno do Fundeb foi favorável à oposição. “Essa não coesão nos ajuda a fortalecer pautas, ou a evitar que projetos entrem em pauta, pois a base do governo fica mais frágil. E pode deixar as negociações de Bolsonaro contra o impeachment complicadas. Antes, um bloco barrava. Agora, o que o Centrão prometeu para Jair Bolsonaro não fica tão certo assim. Não é mais garantido. Ele vai ter de voltar a negociar, além do Centrão, com as bancadas”, avaliou.

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Planalto se articula por pautas prioritárias

Sarah Teófilo

29/07/2020

 

 

O Palácio do Planalto tem uma agenda extensa de pautas que são prioridades do governo neste segundo semestre. Ontem, o presidente Jair Bolsonaro se reuniu com líderes de partidos do Congresso. Na última segunda-feira, o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), articulador do Planalto, se reuniu com líderes e vice-líderes do governo no Legislativo nacional.

Na Câmara, além da reforma tributária, que é vista como emergencial para muitas bancadas, são cinco as pautas prioritárias do Planalto: Lei do Gás, reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências, projeto de lei de modernização cambial, educação domiciliar (homeschooling) e posse e porte de arma de fogo (PL 6438/2019).

Estas duas últimas são um aceno aos segmentos mais radicais do eleitorado de Bolsonaro. O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), deixou isso claro, em vídeo publicado nas suas redes sociais: “Porque (elas) retomam aquelas pautas de costumes que o nosso presidente defendeu e nós todos acreditamos”.

O governo, porém, deve enfrentar dificuldade para conseguir colocar tudo em pauta e aprovar. Além da pandemia, existem as eleições municipais pela frente. Há algumas matérias que convergem com as ideias de legendas fortes e podem conseguir aprovação mais fácil. Mas, em especial essas duas apontadas pelo líder do governo como importantes, são alvo de muitos debates.

Líder do Solidariedade, com 14 parlamentares, Zé Dias (MG) disse acreditar que as duas ficarão para 2021. “Em meio à pandemia discutir questão de arma, não creio que seja prudente. Não é um tema que vai ter convergência na Câmara”, afirmou. Para ele, a agenda da Câmara deve ser focada na reforma tributária e na pauta ambiental. “O mundo está cobrando o Brasil”, explicou.

O deputado Carlos Sampaio (SP), líder do PSDB, partido com 31 parlamentares, disse que a bancada já analisou tecnicamente os projetos referentes à Lei do Gás e à Lei de Recuperação Judicial. “Somos favoráveis a ambas. Ainda não analisamos a lei de modernização cambial, os projetos de educação domiciliar e também o PL sobre posse e porte de arma de fogo”, explicou.

Líder do DEM, partido com 28 deputados, Efraim Filho (PB) disse acreditar que enquanto a reforma tributária amadurece deve haver tempo para a apreciação das matérias. “Há uma janela de oportunidades para essas pautas logo no início. Depois que começar a tributária, ela terá protagonismo total”, frisou.

O partido já é favorável também à Lei do Gás e à de Recuperação Judicial, que, para o parlamentar, também devem ter prioridade.