Correio braziliense, n. 20884 , 28/07/2020. Política, p.5

 

Toffoli pede "prudência" à Justiça

Maíra Nunes

28/07/2020

 

 

Presidente do STF diz que as medidas do Judiciário sobre a covid-19 são necessárias, mas não podem substituir a atuação dos poderes responsáveis pela elaboração de políticas públicas de enfrentamento ao novo coronavírus. Barroso, por sua vez, alfineta o governo

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, caracterizou como “crucial” o papel do Poder Judiciário para suavizar os impactos sociais e econômicos inevitáveis da pandemia da covid-19. Ele ressaltou, também, que as medidas da Justiça não podem substituir a atuação dos poderes responsáveis pela elaboração de políticas públicas de combate ao novo coronavírus.

“É ainda mais fundamental que o Judiciário atue nesta época, mas que também tenhamos uma atuação com prudência e autocontenção para que nós não substituamos aqueles que têm o poder legítimo da democracia para estabelecer as políticas públicas necessárias ao combate à pandemia”, defendeu, ontem, em congresso digital promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre as repercussões jurídicas e sociais da doença.

No mesmo evento, o também ministro do STF Luiz Fux pontuou sobre a soberania da Constituição Federal, mesmo em meio a um cenário de anormalidade, como da pandemia. “É muito importante que tenhamos em mente que vivemos num momento de exceção, mas não estamos em um estado de exceção, vivemos um momento de exceção dentro de um Estado de direito”, frisou, referindo-se às decisões de juízes em relação à covid-19.

Fux também esclareceu, mais uma vez, a decisão da Corte de dar autonomia a estados e municípios na condução de medidas de combate à disseminação do vírus. “À luz dos riscos que essa pandemia trouxe, o STF estabeleceu que a competência dos estados em calamidade pública é da União, mas essa competência não exclui a responsabilidade concorrente de estados e municípios, máxima quando eles apresentam peculiaridade local e que a proteção dada por estados e municípios é mais eficiente do que a concedida genericamente”, disse.

O ministro também destacou o rompimento dos tetos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal como um dos principais impactos jurídicos trazidos pela pandemia. Segundo ele, a decisão teve como lado positivo atender a comunidade carente do país. “Neste momento, o Brasil passou a ter consciência de que não pode deixar à própria sorte a dignidade humana, esses 50 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza”, enfatizou. Ele ponderou, no entanto, que essa mesma medida contribuiu para atos de corrupção.

Atrito

Outro ministro a destacar o papel do STF na pandemia foi Luís Roberto Barroso. Apesar de o Brasil ser o segundo país com mais vítimas da covid-19, um estudo publicado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), neste mês, estima que políticas de isolamento social adotadas por estados salvaram 118 mil brasileiros. Ontem, o magistrado afirmou que decisões da Corte contribuíram para “salvar vidas” no país, mesmo que isso tenha causado atrito com o governo federal.

As medidas às quais Barroso se referiu foram: a autonomia de estados e municípios para determinar ações de combate à pandemia; a proibição de o governo federal veicular a campanha “O Brasil não pode parar”, contrária ao isolamento social; e a obrigatoriedade do Executivo de divulgar estatísticas de infecção e morte pela covid-19. “Evidentemente, sempre que se limita o poder, traz algum grau de controvérsia, o choro e ranger de dentes, mas acho que foram decisões corretas, que fizeram bem ao país e que salvaram muitas vidas”, afirmou.