O Estado de São Paulo, n.46168, 13/03/2020. Economia, p.B11

 

Para economistas, mudança compromete ajuste fiscal

Douglas Gavras

13/03/2020

 

 

Avaliação é que a ampliação do pagamento do BPC vem em um momento delicado para as contas públicas

A ampliação do número de famílias que podem receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) liga um sinal amarelo nas medidas de ajuste fiscal, de acordo com economistas ouvidos pelo Estado. O governo estima um impacto de R$ 20 bilhões em um ano, ou de R$ 217 bilhões em uma década com a derrubada do veto.

Na última quarta-feira, o Congresso derrubou o veto do presidente Jair Bolsonaro e ampliou a concessão do BPC, benefício que é pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. Atualmente, podem receber o benefício famílias com renda de até um quarto do salário mínimo (R$ 261,25). Com a mudança, passam a ser elegíveis as que recebem até meio salário (R$ 522,50).

Na avaliação dos economistas, faltou articulação entre governo e Congresso e a medida, embora tenha um apelo social forte, vem em um momento difícil, em que os aumentos de despesas devem ser evitados.

Para Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, o ajuste fiscal corre risco, caso se mantenha a ampliação do benefício. “Se confirmado esse impacto de R$ 20 bilhões em um ano, é inacreditável”, diz. “Neste momento em que uma crise internacional se desenha, os agentes políticos deveriam estar mobilizados na direção oposta, e não criar despesas”, disse o economista.

Ele diz acreditar que o governo deve conseguir, no Tribunal de Contas da União (TCU), rever a medida tomada pelos parlamentares. “O entendimento político é que era a solução. O governo poderia ter se mobilizado antes para tentar fazer um acordo para impedir que isso tivesse acontecido. Infelizmente, a articulação política deixou de ser vista como opção há muito tempo.”

Ajuste fiscal. A economista Margarida Gutierrez, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, concorda que a mudança no BPC veio no momento errado. “Do jeito que está o Orçamento, apertado, R$ 20 bilhões por ano é muita coisa. O Congresso deveria perceber que o momento é gravíssimo e não é hora de aumentar gastos, mas de fazer reformas e dar continuidade ao ajuste fiscal.”

Segundo o economista da Tendências Consultoria Fabio Klein, a derrubada deve elevar o contingenciamento de gastos, para que mais recursos sejam direcionados à Saúde, dado o cenário atual de combate ao covid-19. “Nossa estimativa aponta um déficit de R$ 94 bilhões para o setor público em 2020. Com a mudança do BPC, o déficit subiria para R$ 114 bilhões, aproximando-se de forma perigosa da meta global este ano, um déficit de R$ 118,9 bilhões.”

‘Momento gravíssimo’

“O Congresso deveria perceber que o momento é gravíssimo e não é hora de aumentar gastos.”

Margarida Gutierrez

ECONOMISTA DA UFRJ

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Coronavírus torna PEC emergencial prioridade, diz relator

Daniel Weterman

13/03/2020

 

 

Proposta, que enfrenta resistência no Congresso, prevê corte de salários de servidores em caso de crise fiscal

Após o avanço do novo coronavírus no mundo e com pelo menos 77 casos já confirmados no País pelo Ministério da Saúde, o impacto da crise na economia aumenta a necessidade de aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, afirmou o relator do texto no Senado, Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), ao Estadão/Broadcast.

Na noite de quarta-feira, a deputados e senadores, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o impacto do novo coronavírus pode variar de 0,1 a 1 ponto porcentual de queda no Produto Interno Bruto (PIB). O comentário foi feito em uma reunião de urgência com líderes do Congresso.

Guedes reforçou diálogo pela PEC Emergencial. A fala, porém, desagradou lideranças parlamentares. Antes da reunião ampliada, Guedes conversou com o relator da PEC emergencial. “A PEC traz instrumentos de gestão para tentar aliviar a crise. Se a crise está se agravando, é claro que ela passa a ser mais importante”, disse Oriovisto ontem.

A proposta prevê gatilhos como a redução de salários e jornada de trabalho em 25% quando a União descumprir a chamada regra de ouro – que proíbe o governo de contratar dívida para bancar despesas correntes, como salários e benefícios. A equipe econômica prevê um ajuste de R$ 24,78 bilhões com a medida.

Para tentar reduzir as resistências, o relator vai especificar no texto que a medida não pode ser aplicada para servidores da Educação, Saúde e Segurança Pública. Aos demais, o governo poderia aplicar os cortes.

Para Estados e municípios, os mesmos gatilhos poderão ser acionados se 95% da arrecadação ficar comprometida com gastos. Prefeitos e governadores, porém, não serão obrigados a adotar as medidas.

Tributária. O cronograma da reforma tributária no Congresso Nacional não foi alterado após o avanço do coronavírus no País, informou a assessoria do presidente da comissão mista que discute a proposta, senador Roberto Rocha (PSDB-MA). A próxima reunião da comissão está prevista para terçafeira, e a previsão é levar o texto a votação até o início de maio.