O Estado de São Paulo, n.46168, 13/03/2020. Política, p.A6

 

Crise desafia coordenação do governo

André Borges

13/03/2020

 

 

Enquanto ministro da Saúde alertava para ‘propagação geométrica’ do coronavírus no País, presidente minimizava avanço da pandemia

O governo tem trabalhado de forma desordenada no combate ao avanço do novo coronavírus. Enquanto o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, admite que o Brasil deve viver “vinte semanas muito duras”, o próprio presidente Jair Bolsonaro insistiu, nos últimos dias, na tese de que a doença não era “isso tudo”. Na noite de ontem, porém, Bolsonaro apareceu de máscara em uma transmissão ao vivo na internet, ao lado de Mandetta, que também tinha o rosto protegido.

Até então, o ministro afirmava que a máscara só deveria ser usada por quem apresentava sintomas do coronavírus – uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Na terça-feira, em Miami, o presidente chegou a dizer que a doença estava superdimensionada e era “uma fantasia” da mídia. Quarenta e oito horas depois, porém, ele foi pego de surpresa ao saber que o secretário de Comunicação da Presidência e um de seus acompanhantes na viagem, Fábio Wajngarten, contraiu coronavírus. Diante da crise, Bolsonaro foi submetido ao exame. O resultado sairá hoje.

Na prática, a falta de entendimento na equipe sobre o que deve ser feito para proteger a população fica cada vez mais evidente. Na noite de anteontem, por exemplo, enquanto Mandetta alertava para o risco de “propagação geométrica” dos casos no País, Bolsonaro tratava de minimizar a situação, sob o argumento de que “outras gripes mataram mais do que essa”.

Sem alinhamento, cada integrante do governo sugere uma coisa e muitos “batem cabeça”. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, decidiu ir às redes sociais para afirmar que as instituições de ensino precisam se planejar para “algumas medidas emergenciais pontuais”. Conhecido por seu estilo polêmico, Weintraub cogitou até mesmo a possibilidade de antecipar as férias escolares.

“Pensem em um cenário de contingência. Esta é a melhor solução”, afirmou o ministro. Mandetta, por sua vez, disse que a decisão de deixar crianças em casa pode não ajudar em nada. Ao contrário, tem potencial para agravar a crise, caso os alunos permaneçam em seus lares com idosos, já que o coronavírus atinge os mais velhos com intensidade maior.

Enquanto a equipe patina e Estados admitem não ter estrutura nem material para lidar com o alastramento da enfermidade, o governo ainda não montou um gabinete de crise. Em agosto, Bolsonaro recorreu a um gabinete assim para tratar das queimadas da Amazônia. Agora, vai criar um comitê apenas para monitorar os impactos econômicos da doença.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse recentemente que a crise era “passageira” e minimizou seus efeitos. Anteontem, no entanto, Guedes afirmou que a consequência da pandemia era algo “imponderável”. “Suponha que todos vamos nos trancar em casa e parar de nos movimentar. Vai acontecer uma queda no setor de serviços. Aí nós vamos reagir a isso como?”, perguntou o ministro a deputados e senadores.

Divergência

“Outras gripes mataram mais do que essa.”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE

“Vamos viver umas 20 semanas duras.”

Luiz Henrique Mandetta

MINISTRO DA SAÚDE