O globo, n. 31728, 19/06/2020. Sociedade, p. 10

 

Os desafios da educação

Raphael Kapa

19/06/2020

 

 

 Recorte capturado

Do Enem ao Fundeb, novo ministro terá problemas urgentes a resolver

 A gestão de Abraham Weintraub no Ministério da Educação (MEC) foi anunciada como técnica, e objetivava que os projetos educacionais do governo saíssem do papel. Passados 14 meses, especialistas analisam que o próximo ministro verá que muitos problemas urgentes não foram resolvidos, e outros foram criados.

Os desafios vão desde a aprovação da repactuação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), fundamental para que as escolas brasileiras tenham estrutura para funcionar, até uma articulação para auxiliar a retomada das aulas no ensino básico e no superior devido à pande- mia da Covid-19.  Para educadores, erros na gestão de Weintraub precisam ser revistos: 

—Existe o Plano Nacional da Educação (PNE), que norteia, independente do governo, as metas para a área. Eu espero que o próximo ministro siga, minima- mente, o plano. O (Ricardo) Vélez (primeiro nome do governo Bolsonaro no MEC) o abandonou, e Weintraub não atingiu as metas — afirma Denise Pires de Carvalho, reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pires de Carvalho lembra que uma das metas do PNE atingidas é em relação à formação de mestres e doutores nas pós-graduações brasileiras, segmento alvo de críticas de Weintraub. Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional Pelo Direito à Edu- cação, afirma que algumas mazelas se tornaram irreversíveis a curto prazo:

— O PNE é uma agenda que a pasta não está seguindo, não está sendo executado. Não é para cumprir todas as metas, mas atenuar para aparar as desigualdades educacionais que existem.  A repactuação do Fundeb é um dos exemplos da falta de negociação e de uma política pública que impacta diretamente nas desigualdades existentes. O fundo, da forma como é executado, tem validade até o final deste ano. Para ser valida- do, precisa ser aprovado no Congresso e sancionado pelo Executivo. O ministério não articulou uma pro- posta com congressistas e, atualmente, existe uma disputa entre o projeto de deputados, que preveem ajuda federal de 40% para as gestões municipais e estaduais, e a proposta do governo, que preve um percentual entre 10% a 15%. — Não basta votar o novo Fundeb. Tem que votar e fazer a legislação infraconstitucional, que são as regras adicionais para detalhar os procedimentos. O Fundeb tem levado a um protagonismo do Legislativo, mas que pode ter embate no futuro porque o MEC não participou dessa negociação — afirma Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (CEIPE/ FGV).  Os especialistas afirmam que Weintraub buscava liderança em outros debates políticos, mas se ausentou nos relativos ao tema de sua pasta. O momento de pandemia, sem diretrizes para nortear as escolas da educação básica e sem apoio para as universidades, é um dos exemplos da ausência de liderança do ministério. 

— O MEC tinha que ter lançado um programa de inclusão digital, no máximo, no segundo mês de pande- mia. Nenhum edital foi lançado. A sociedade cobra que a gente volte, e estamos voltando em algumas disciplinas. Mas faltou articulação para expandirmos isso — lembra Pires de Carvalho.

LIDERANÇA NA PANDEMIA

Daniel Cara afirma que essa articulação, prevista na Constituição, não aconteceu. 

— O ministério não articulou as redes públicas, e isso é uma questão constitucional, uma função do MEC. No ensino superior, foi todo mundo abandonado — afirma o coordenador, que indica que a pauta da gestão Weintraub foi outra.

— Enquanto o governo faz uma guerra cultural, os problemas não são simplesmente largados ao segundo plano. Eles se aprofundam.

Claudia Costin lembra que até mesmo o debate sobre como será o ano letivo de 2020 não teve o MEC co- mo protagonista.  — Foi o Conselho Nacional de Educação (CN E) que fez as proposições para que se contassem 800 horas no ano letivo, e não 200 dias. O MEC homologou. Quando o MEC se apresentou, foi em reação. Não pode continuar assim —afirma Costin.  Apesar das dificuldades, a alfabetização, um desafio histórico na educação brasileira, segundo ela, teve uma política adequada.

— O Brasil merece uma política nacional. Ainda não aconteceu, mas o MEC passou a ter instrumentos adequados e a fazer formação de professores.