Valor econômico, v.21, n.5046, 20/07/2020. Política, p. A18

 

Chance de Ramagem comandar PF desagrada corporação

Isadora Peron

20/07/2020

 

 

A declaração do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, de que ainda existe a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro indicar o delegado Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal (PF), não foi bem recebida pela corporação. Internamente, integrantes da PF temem que uma nova mudança, em um curto espaço de tempo, levante novas desconfianças sobre a independência da instituição.

O Valor ouviu ex-diretores-gerais da PF, delegados e presidentes de entidades que representam diferentes categorias de policiais sobre o assunto. Todos foram unânimes em afirmar que a corporação precisa de estabilidade para tocar as investigações e que uma nova troca na cúpula, sem um motivo concreto, não seria bem-vinda neste momento.

Um delegado explica que o problema não é o nome de Ramagem - um quadro bem-quisto dentro da Polícia Federal -, mas sim uma nova mudança em tão pouco tempo.

Em menos de três anos, desde novembro de 2017, quando Leandro Daiello deixou o cargo, a PF já foi comandada por quatro nomes diferentes: Fernando Segovia, Rogério Galloro, Maurício Valeixo e, agora, Rolando Souza.

A nomeação de Souza ocorreu cinco dias depois de o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), barrar a posse de Ramagem no cargo.

Souza era o número dois de Ramagem na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e já foi apontado como uma opção temporária, que cumpriria um “mandato tampão” até Ramagem poder assumir o cargo.

Hoje, no entanto, a avaliação dentro da Polícia Federal é que Rolando tem feito uma “gestão discreta” e conseguido afastar a desconfiança em relação à independência da corporação após a turbulenta saída de Valeixo do cargo, em abril.

A mudança do diretor-geral da PF levou Sergio Moro, então ministro da Justiça e Segurança Pública, a deixar o governo sob a acusação de que Bolsonaro queria interferir em investigações para proteger a família e amigos.

Ao comentar o assunto na semana passada, Oliveira afirmou que não via empecilho para a nomeação de Ramagem quando o inquérito que foi aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar as declarações de Moro fosse encerrado. A fala ocorreu durante uma conversa publicada no canal no YouTube do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.

Para um delegado da cúpula da PF, a indicação de Ramagem para o cargo traria uma nova onda de desconfiança em relação à autonomia da corporação. Na sua avaliação, o melhor seria Bolsonaro nomear o aliado para o cargo de ministro, que é uma função política, do que para comandar a Polícia Federal. Uma saída seria contemplar Ramagem caso haja a cisão do Ministério da Justiça e da Segurança Pública em dois, por exemplo.

“Uma nova mudança agora não seria bom, independentemente do nome”, defendeu o presidente da Federação Nacional de Policiais Federais (Fenapef), Luiz Antonio Boudens.

Ele lembrou que alterações como essa costumam mexer com a estrutura em diversos níveis, com a remoção de pessoal, o que traz custo para os cofres públicos e atrasos até mesmo para as investigações.

Um ex-diretor-geral da PF afirmou que toda vez que uma troca é feita de maneira indevida, isso gera suspeita. Para ele, não é interessante que um nome faça nem uma gestão muito longa, nem muito curta à frente da corporação. “O ideal seria ficar uns três anos, no máximo quatro no cargo”, diz.

A ideia de um mandato para o cargo de diretor-geral da PF é defendida por diferentes setores da corporação. O tema é uma das bandeiras da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), que tem tentado retomar esse debate após as sucessivas trocas no comando da PF. A medida seria uma maneira de blindar a instituição de interferência política.