Correio braziliense, n. 20883 , 27/07/2020. Cidades, p.13

 

Desafios para a recuperação econômica

Jéssica Eufrásio

27/07/2020

 

 

O DF sofre os efeitos das crises sanitária e financeira e ainda terá de se planejar para o período pós-pandemia. Para especialistas, a fase exigirá programas de incentivos ao emprego, de acesso ao crédito, além de ações com foco nos setores rural e de serviços

O momento de crise ainda não tem data para terminar. No entanto, após a retomada de praticamente todas as atividades no Distrito Federal, discutir a economia para a fase pós-pandemia está no radar do poder público. Até março, o DF vivia um momento de lenta recuperação, mas os acontecimentos de 2020 atrasaram ainda mais esse processo. Um dos desafios que se anunciam tem a ver com a arrecadação. Entre abril e junho, a receita prevista era de, aproximadamente, R$ 2,1 bilhões. Porém, esse total ficou em R$ 1,7 bilhão, devido a R$ 418 milhões que não se concretizaram com tributos.

A quantia inclui, apenas, as obrigações com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A taxa é uma das principais fontes de receita do Distrito Federal, pois representa metade do total arrecadado. Somadas outras contribuições, como os impostos sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e Predial e Territorial Urbano (IPTU), a perda real aproxima-se de R$ 500 milhões, segundo a Secretaria de Economia. Até 26 de junho, a inadimplência com o IPVA estava em 35%, e em 21% com o IPTU. Em contrapartida, dados da pasta mostram que houve redução de despesas entre maio e junho.

Na comparação com o mesmo período do ano passado, o Governo do Distrito Federal (GDF) conseguiu economizar R$ 18,3 milhões (20,97%) com custos de energia elétrica, água e esgoto, além de combustíveis e lubrificantes. O motivo foi a adoção do home office no serviço público. A média de acessos diários às 150 plataformas de trabalho remoto chegou a 45 mil. No Sistema Eletrônico de Informações (SEI), por exemplo, cerca de 30 mil documentos são gerados por dia. Além disso, de 3 de março a 17 de julho, foram feitas 17.104 reuniões virtuais. A prática, segundo a pasta, será mantida após o fim da pandemia, com os devidos ajustes.

Sugestões

A Secretaria de Economia ainda estuda os dados relacionados à retomada das atividades econômicas no DF. O órgão não tem dados consolidados sobre os efeitos da reabertura, mas a previsão é de que eles sejam divulgados na segunda quinzena de agosto. Para economistas ouvidos pelo Correio, os cenários de agora e do futuro pós-pandemia são preocupantes. Eles consideram não ser possível saber a dimensão da crise, mas apontam práticas que podem ajudar na retomada.

Para Maria Cristina de Araújo, integrante do Conselho Regional de Economia (Corecon-DF), a recuperação vai exigir desde “políticas agressivas contra o desemprego” até a criação de novos programas de concessão de créditos para microempresários, autônomos e o setor rural. “Além disso, será necessário pensar em ações focadas no setor de serviços. Houve queda grande no turismo, área que gerava renda. É preciso ouvir representantes e desenvolver meios até para explorar pontos turísticos e estruturas como a do Mané Garrincha”, sugere.

Na avaliação da conselheira, uma das saídas para auxiliar e qualificar quem ficou desempregado seria um convênio com o Sistema S. “O trabalho autônomo no DF é grande. Seria uma política de captação dos trabalhadores para que eles sejam inseridos no mercado”, observa Maria Cristina. “As empresas, por sua vez, podem contar com benefícios fiscais com a contrapartida de se comprometerem a manter postos de trabalho e criar vagas”, acrescenta.

Reinvenção

Com o aumento do desemprego, alguns tiveram de se arriscar em meio à pandemia para conseguir arcar com despesas básicas. Waléria dos Santos Castro, 40 anos, teve redução da jornada de trabalho e passou a receber metade do salário. O filho dela, Lucas Vinicius Castro, 21, foi demitido. Os dois decidiram usar as economias e o valor da rescisão para abrir um carrinho de cachorro-quente, em Vicente Pires.

“Tivemos de nos reinventar com coisas que não estávamos esperando, mas estamos tendo um retorno muito bom”, conta a empresária. Mesmo sem precisar recorrer a linhas de crédito, Waléria acredita que ter apoio para o período posterior à pandemia será importante. “Talvez empréstimos com taxas menores podem ajudar. Muita gente fechou as portas e vai acabar precisando. Tenho medo disso. Até porque temos esperança de abrir uma loja futuramente”, comenta.

Emprego

Consultor da direção do Conselho Federal de Economia, o professor universitário Roberto Piscitelli considera que os recursos ainda têm sido usados de maneira ruim e defende a aplicação do dinheiro público em atividades que gerem retorno. “O que também precisa mudar é que aqui dependemos muito do Governo Federal e do Fundo Constitucional. O fundo é muito importante, mas depende de arrecadação da União. Temos de pensar nisso. Se não houver retomada de crescimento do país e melhoria dos níveis de arrecadação, dificilmente poderemos dar passos mais largos”, analisa.

Manter as pessoas no emprego neste momento é uma das principais preocupações de Rander Rogério Guimarães, 30, e de Geovana Melissa Agostini, 41. Os dois sócios abriram um bar em Taguatinga Norte em meio à pandemia e contrataram 10 funcionários. “Para empregar hoje, é preciso ter coragem. Estamos em um cenário totalmente atípico. Às vezes, pergunto-me: será que vamos conseguir manter esse pessoal? Será que não estamos dando esperanças que serão reduzidas depois?”, reflete Rander. “Contratar uma quantidade boa de pessoas, mesmo com receio, é apostar na volta e no sucesso do bar. Essa foi uma das maiores dificuldades, pois estamos lidando com vidas.”

Pela importância, o setor de serviços pode ser um dos que mais demorarão a se recuperar, segundo o professor de economia e finanças do Ibmec-DF Frederico Gomes. “Se você considerar os bares e restaurantes, não vai bastar o número de casos começar a cair. Talvez, (os resultados) só retornem mesmo com a vacina”, observa. Ele considera que os empreendedores estão “estrangulados”, por isso, garantir que o crédito chegue a eles, em taxas acessíveis e sem muita burocracia, é o ideal. “O DF deve sofrer bastante, ainda. Para o pessoal do setor privado, o baque vai ser grande. Há muita gente que não figura nas estatísticas de emprego porque não está procurando (vaga). Quando as coisas começarem a voltar ao normal, essas estatísticas do desemprego vão aumentar”, alerta Frederico.