Correio braziliense, n. 20880 , 24/07/2020. Brasil, p.6

 

País abate a marca de 84 mil mortos

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

24/07/2020

 

 

Com mais de 50 mil casos em 24 horas pelo segundo dia consecutivo, país mantém média de óbitos acima de mil; ontem foram 1.311. Estudo mostra que diferentes linhagens da covid chegaram ao Brasil antes de o isolamento começar, à época do carnaval

O registro de mais de mil mortes diárias por covid-19 é rotina nas manchetes brasileiras há mais de nove semanas. Com acréscimo de 1.311 nas últimas 24 horas, ao todo, 84.082 brasileiros perderam a vida na batalha contra o coronavírus. Mesmo com um platô (estabilização) de óbitos nas alturas, o Brasil começa a observar em alguns estados a formação de uma segunda onda da doença, que chegou com mais de cem diferentes linhagens ao país e se espalhou antes mesmo de qualquer medida restritiva de circulação. Somente ontem, 59.961 novas infecções foram adicionadas ao balanço do Ministério da Saúde, que já contabiliza 2.287.475 de casos. É o segundo maior número de confirmações de um dia para o outro. 

Diante do elevado número de perdas e da falta de percepção dos impactos da pandemia, 15 grupos de pesquisadores brasileiros e britânicos se debruçaram em analisar as características de contágio do novo coronavírus no Brasil. A pesquisa fez sequenciamento de 427 genomas do novo coronavírus. Os aumentos contínuos “sugerem que as intervenções permanecem insuficientes para controlar a transmissão”, diz o estudo, publicado ontem na revista Science.

O estudo infere que foi justamente no período em que se comemorava o carnaval, recebendo milhares de turistas, quando mais de cem tipos de linhagens de covid-19 entraram no país. A maioria foi incorporada em três grupos, que percorreram os quatro cantos do Brasil. Em um primeiro momento, a maioria das ramificações acabou ficando restrita às grandes metrópoles do Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará e Minas Gerais. No entanto, linhagens vindas da Europa tiveram forças para se alastrar pelo Brasil, dando origem à segunda fase da doença e estabelecendo o contágio comunitário. “Isso indica que a transmissão dirigida pela comunidade já estava estabelecida no Brasil no início de março, sugerindo que as restrições internacionais de viagens iniciadas após esse período teriam um impacto limitado”, infere.

Outro fator que proporcionou uma distribuição do vírus para o restante do país foram os aumentos dos voos de maiores distâncias em relação aos de curtas distâncias, apesar da redução do número de passageiros voando durante a pandemia no país. Foi observada uma redução de 8,8 vezes no número de viajantes em voo sinferiores a mil km; já a quantidade de pessoas que percorre mais de dois mil km caiu pela metade.

“Essas descobertas enfatizam os papéis da mobilidade dentro e entre estados como um fator-chave da propagação local e inter-regional de vírus, com conurbações urbanas altamente povoadas e bem conectadas na região Sudeste, e atuando como principais fontes de exportação de vírus no país”, afirmam os pesquisadores.

Plataforma

Para tornar a dimensão do número de mortes no país mais palpável, uma parceria entre Google News Initiative e Agência Lupa simula o que aconteceria caso todas as mortes registradas no país ocorressem ao redor de cada um dos internautas que acessa a plataforma do projeto “No Epicentro”, lançado hoje.

O site traça uma linha do tempo e simula o raio de pessoas mortas pela doença ao seu redor, levando em conta a densidade populacional da área pesquisada, de acordo com os dados do IBGE. Em uma viagem ao centro de Brasília, onde borbulha a movimentação dos Três Poderes, todas as vidas seriam extintas em um raio de quase 4 quilômetros, acabando, também, com metade da população da Asa Sul e da Asa Norte (veja arte).

Balanço

Mais um ponto que preocupa os pesquisadores é a escassez de dados disponíveis sobre a transmissão do vírus em tempo real, devido ao atraso nos casos relatados e acesso inconsistente a testes. Isso impede uma avaliação abrangente da disseminação da Sars-CoV-2 no país, dizem os especialistas. A falta de uma atualização eficaz afetou os números do Brasil esta semana. Ontem, pelo segundo dia consecutivo, o Brasil registrou mais de 50 mil infecções do novo coronavírus em um intervalo de 24 horas. O número é alto diante da média de registros por dia nas últimas duas semanas epidemiológicas, que ficou entre 33 e 37 mil.

Em São Paulo, epicentro da covid, foram confirmadas mais 12.561 infecções, chegando a 452.007. O Ceará tem 156.242 casos e o Rio de Janeiro atingiu ontem 151.549 infecções de covid-19. Bahia, Ceará, Goiás e Minas Gerais também observaram números elevados na relação de novas infecções, registrando mais de três mil casos de um dia para o outro.

Frase

“A transmissão dirigida pela comunidade já estava estabelecida no Brasil no início de março, sugerindo que as restrições internacionais de viagens iniciadas após esse período teriam um impacto limitado”

Trecho do estudo feito por pesquisadores brasileiros e britânicos

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Segunda onde em quatro estados

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

24/07/2020

 

 

Sem sequer apresentar uma queda sustentada do número de casos do novo coronavírus, parte do Brasil começa a vivenciar uma segunda onda de infecções. É o que aponta o Boletim InfoGripe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em análise referente ao fechamento da semana epidemiológica 29. A pesquisa mostrou aumento de novos casos no acumulado dos sete dias no Amapá, Maranhão, Ceará e Rio de Janeiro, unidades da federação onde já se observava um declínio da curva.

Após atingirem um pico de infectados e mortos pela covid-19 e começarem a diminuir a quantidade de novos registros, os quatro estados tiveram aumento de casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG). “Os dados de SRAG continuam sendo fortemente associados à covid-19, uma vez que, entre os casos com resultado positivo para os vírus respiratório testados, 96,7% dos casos e 99,1% dos óbitos retornaram positivo para o novo coronavírus”, explica o coordenador do InfoGripe, Marcelo Gomes.

Em todos os estados, o número de novos casos semanais continua acima dos valores considerados muito altos, ou seja, a mais grave das quatro etapas de incidência (separada em zonas de êxito, segurança, alerta e de risco). No entanto, o país vive diferentes situações da epidemia e, por isso, é preciso ter em mente que avaliar o Brasil em uma só curva pode comprometer as análises por localidade, explica o especialista. “A situação nas regiões e estados do país é bastante heterogênea. Portanto, o dado nacional não é um bom indicador para definição de ações locais.”

O novo boletim do InfoGripe avaliou que em toda a região Norte houve uma manutenção de queda consecutiva desde o pico registrado em maio. A exceção é Tocantins, que apresentou estabilização após crescimento; e Amapá, com retomada do crescimento. No Centro-Oeste, o sinal é de queda leve, mas a situação por estados é bastante heterogênea. Enquanto em Goiás há indício do início de queda, as demais unidades federativas mantiveram a tendência inalterada. O Distrito Federal, por exemplo, indica a chegada ao platô.         

Cenário diverso da epidemia nos estados também é notado no Nordeste. Houve confirmação de tendência da retomada de crescimento de casos no Maranhão e no Ceará; e de estabilização, após período de queda, na Paraíba. Na Bahia, o esperado declínio não se confirmou, sendo observado um platô.

Já o Sudeste mostra leve crescimento, em valores similares ao pico observado ao fim de abril. Minas Gerais confirmou sinal de estabilização após o período de crescimento e Rio de Janeiro confirmou sinal de retomada de crescimento. Já o Espírito Santo tem sinal de possível estabilização, assim como São Paulo. Ontem, no entanto, o estado paulista voltou a ter grandes números de novos registros de infectados, com mais de 12 mil novas confirmações, o que pode acabar mudando o curso de provável diminuição para um incremento semanal no fechamento da 30ª semana.

Região Sul

No Sul, o sinal é de crescimento e a possível estabilização esperada não se confirmou. Ontem, o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, voltou a afirmar que esse aumento de casos no Sul do país ocorrerá independentemente da preparação feita pelos estados. Ele indicou que esse crescimento ocorre por conta do clima, um dos pontos que, segundo o ministro, influencia na curva de infecção da doença. O general está em visita à região desde o início da semana. Ontem esteve no Paraná, mas já passou por Santa Catarina, que vem apresentando recordes de casos da doença, e pelo Rio Grande do Sul.

“A curva de contaminação depende de muitos fatores. Estamos no inverno, que é o momento mais crítico para as doenças por contaminação de vírus. O Paraná e seus municípios vêm tomando todas as medidas que têm que tomar, mas a curva tende a crescer porque neste momento estamos no inverno no Sul”, afirmou o ministro, em coletiva de imprensa.