Valor econômico, v.21, n.5045, 17/07/2020. Brasil, p. A10

 

Pandemia dá mais força a taxação sobre transações

Lu Aiko Otta

Isadora Peron

17/07/2020

 

 

Os efeitos econômicos da pandemia serão usados para reforçar os argumentos do ministro da Economia, Paulo Guedes, a favor da criação de um imposto sobre transações. Essa é, nas discussões da área econômica, a principal opção para bancar o combate aos dois maiores problemas gerados pela crise: desemprego e aumento da pobreza. As receitas do tributo serviriam para financiar a desoneração da folha e reforçar o Renda Brasil, programa de assistência social que deverá substituir o auxílio emergencial.

O novo tributo não deverá ser sugerido ao Legislativo de imediato. O governo pretende apresentar primeiro sua sugestão para a reforma do PIS-Cofins. Na tarde de ontem, o texto estava prestes a ser enviado pelo Ministério da Economia para o Palácio do Planalto, antes de seguir para o Congresso.

Será a primeira etapa da reforma tributária a ser proposta pelo governo federal. Outras “fatias” que seguirão posteriormente envolvem mudanças no Imposto de Renda e no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Alterações no IR entram em vigor no ano seguinte à sua aprovação.

O imposto sobre transações só seguirá após um debate que o Ministério da Economia pretende abrir com a sociedade para determinar se vale a pena criar o novo tributo e qual seu tamanho, em termos de base tributada e alíquota. Quanto maior a receita a ser gerada com ele, mais ampla poderá ser a desoneração da folha.

Fonte que participa das discussões avaliou que o presidente Jair Bolsonaro não deverá interditar esse debate. Argumenta que o presidente é contra criar um imposto novo, mas admite substituição. E esse seria o plano para a desoneração da folha. Essa lógica não foi capaz de poupar o emprego do ex-secretário da Receita Marcos Cintra. Mas a pandemia muda todo o cenário.

A desoneração da folha pode aumentar as chances de aprovação da reforma do PIS-Cofins, avalia a fonte. Essa mudança é discutida há anos pelos técnicos, mas não avançou até hoje porque eleva fortemente a carga sobre o setor de serviços, maior empregador do país. A redução das contribuições sobre a folha pode ajudar a reduzir resistências das empresas do setor.

Em relação ao PIS-Cofins, a ideia do governo é unificar os dois tributos, formando a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A sistemática de apuração passará ao sistema não-cumulativo. O cálculo dos créditos será feito pelo critério financeiro, e não mais o físico como é hoje. Pretende também que seja aplicada uma alíquota única, na casa dos 11%.

O governo busca fontes de financiamento para bancar um programa amplo de formalização no pós-pandemia, cujas linhas gerais foram apresentadas por Guedes em entrevista à rádio Jovem Pan, na quarta-feira. Estão em pauta ideias como a criação de um Imposto de Renda negativo e capitalização da Previdência.

Segundo Guedes, o Renda Brasil deve substituir o auxílio emergencial, com cerca de R$ 300 de benefício. Para a faixa de renda imediatamente acima está em formulação a carteira verde-amarela, na qual prestadores de serviço serão pagos por hora trabalhada. Essas pessoas poderão receber complementação, ou Imposto de Renda negativo, até valor próximo de R$ 1 mil.

Guedes informou ainda que pretende desonerar de tributos o primeiro salário mínimo.

A discussão do tributo sobre transações recebeu ontem apoio do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele defendeu, sem se aprofundar, que é importante discutir novas formas de tributação diante de uma economia cada dia mais “digitalizada”, durante seminário no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) sobre federalismo fiscal.

A pandemia deixou evidente que há concentração de recursos na esfera federal, embora responsabilidades de Estados e municípios sejam crescentes, disse o presidente do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados (Comsefaz), Rafael Fonteles. Para ele, se o quadro não for alterado, os entes subnacionais estarão permanentemente com problemas financeiros a serem resolvidos pelo Congresso, governo ou Justiça.

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Proposta de reforma tributária vai ao Congresso na terça-feira, diz Guedes

Arícia Martins

17/07/2020

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou ontem que a proposta do governo de reforma tributária está concluída na Casa Civil, e deve ser entregue na próxima terça-feira ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Segundo Guedes, que participou de painel na Expert XP sobre o momento econômico do país, a estratégia é começar a discussão por onde existe acordo entre Executivo e os projetos que já estão no Congresso, como na criação do IVA.

“Não posso afirmar que vai ter imposto sobre transação. O [presidente da Câmara, Rodrigo] Maia pode não pautar. Não estou fugindo do assunto de imposto, mas o tema é controverso”, disse Guedes, argumentando que confrontos precisam ser evitados para não interditar a discussão. “Não interessa ir para o confronto. Temos que analisar bases mais amplas de tributação, como as transações eletrônicas. Agora, se quiser interditar a discussão, aí não podemos reclamar depois”.

Além da criação do IVA, outros pontos de acordo com as duas propostas que estão no Congresso são a reformulação de impostos indiretos e do Imposto de Renda, acrescentou Guedes. O ministro sintetizou o tema ao afirmar que, segundo a proposta do governo, a alíquota de IR para empresas, hoje em 34%, vai diminuir, e que haverá tributação sobre dividendos, hoje inexistente. Está em estudo, ainda, de acordo com ele, a criação de um tributo sobre transações eletrônicas. De acordo com Guedes, o governo quer uma “desoneração para todos”, e não apenas para quem tem poder político ou econômico. “Queremos ampliar a base para mais gente pagar menos. Quando tem reoneração, quem tem poder político e econômico corre para evitar”.

Ao comentar as projeções negativas para o PIB, Guedes afirmou que os primeiros cálculos de economistas de que tombo poderia ser de cerca de 9% este ano devido à pandemia são “falta de conhecimento de detalhes de metodologia, de econometria”. Segundo o ministro, o Brasil tem “números interessantes” que evidenciam retomada.

“Há possibilidade de uma volta em formato de ‘V da Nike. É muito cedo para sermos tão pessimistas’”, disse Guedes. Como sinais positivos, ele mencionou o consumo de energia elétrica, que, em junho, ficou 4% abaixo do nível de igual mês de 2019, o forte aumento na emissão de notas fiscais eletrônicas e os juros baixos, que podem levar a um ‘boom’ no setor de construção civil. As exportações, no primeiro semestre, estão praticamente no mesmo nível do mesmo período do ano passado, acrescentou.

De acordo com Guedes, as projeções do mercado para o recuo do PIB em 2020 já refletem esses dados, e estão migrando para patamar entre -4% e -6%. “Os novos marcos regulatórios vão destravar outras fronteiras, como saneamento, cabotagem, concessões e privatizações, petróleo”, observou o ministro, mas a prioridade no momento é garantir emprego e renda.

“Hoje o desemprego em massa é o nosso principal foco, descobrimos 38 milhões de brasileiros que eram ‘invisíveis’, e se juntaram aos 12 milhões de desempregados”, comentou, referindo-se aos trabalhadores informais.

Em um primeiro momento, os programas de crédito não chegaram à ponta, reconheceu o ministro, mas “finalmente” agora os recursos estão alcançando as empresas. “Vamos assistir nos próximos meses o crédito chegando na ponta e o auxílio emergencial continuando”. Segundo ele, o governo ainda deve injetar na economia cerca de R$ 300 bilhões em crédito. “Vamos aumentar os limites do Pronampe de novo”.

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Coaf detecta fraudes no combate à pandemia

Murillo Camarotto

17/07/2020

 

 

 Abrigado no Banco Central desde janeiro deste ano, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) produziu até agora 101 relatórios de inteligência financeira tratando de possíveis crimes relacionados à pandemia. Além de casos de desvios de recursos por parte de gestores públicos - alguns já objeto de inquérito da Polícia Federal -, foram identificadas tentativas de repatriação de dinheiro ilícito por meio de supostas doações para o combate à covid-19.

O órgão também detectou, por meio de comunicações de autoridades, fraudes e estelionato envolvendo produtos, equipamentos e medicamentos que seriam dedicados à pandemia.

Segundo o Coaf, a flexibilização das regras licitatórias exigiu um aumento do nível de atenção. Foram identificados recebimentos de recursos públicos destinados à compra de insumos com “imediata transferência a terceiros sem relacionamento financeiro aparente”. Também houve saques em espécie imediatamente após o recebimento de repasses de recursos públicos.

Os levantamentos fazem parte do universo de 5.840 relatórios de inteligência produzidos pelo Coaf entre janeiro e junho deste ano. O número já representa uma alta de 31% em relação ao mesmo período do ano passado, quando o órgão foi envolvido em uma crise política e jurídica.

Em maio de 2019, menos de seis meses após ser entregue pelo presidente Jair Bolsonaro, por meio de medida provisória, ao então ministro da Justiça, Sergio Moro, o Coaf acabou voltando para o Ministério da Economia. Seis meses mais tarde, foi redirecionado ao Banco Central.

Durante esse período, a produtividade despencou. No segundo semestre do ano passado, foram apenas 1.824 relatórios de inteligência produzidos, quase 60% menos do que nos seis meses anteriores. A retomada do ritmo das atividades, segundo servidores, atesta que a fase de polêmicas ficou no passado.

Porém, se considerado o quadro atual de servidores, a produtividade ainda tem espaço para crescer. Junto com a transferência para a Justiça, em janeiro do ano passado, vieram mais de 40 novos servidores. A equipe, segundo a assessoria do Coaf, passou de 35 para 80 profissionais.

Em 2018, com menos da metade da equipe atual, o órgão produziu 7.350 relatórios de inteligência, o que corresponde a 210 por servidor. No ano passado, em meio às trocas de vinculação administrativa, foram elaborados 6.273 relatórios, 79 por servidor.

O novo endereço não representou grandes mudanças em termos de estrutura organizacional ou diretrizes operacionais. De acordo com o Coaf, uma das poucas alterações realizadas foi a inclusão da Advocacia-Geral da União (AGU) como integrante do conselho do órgão. A presidência, as secretarias e as diretorias permaneceram inalteradas.

Outro ponto de polêmica recente, o compartilhamento de informações com outros órgãos e autoridades também não mudou. Contudo, em dezembro do ano passado o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a troca de dados deve ser feita unicamente por meio de comunicação formal “com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios”.

Também foi preservado todo o planejamento de ação para o biênio 2019-2020, com exceção à área de tecnologia da informação, que está recebendo mais dinheiro para ampliar a capacidade de processamento e de análise de dados. O Coaf segue recebendo recursos das pastas da Economia e da Justiça, visto que a transferência ao BC foi acertada para ocorrer em caráter progressivo.

Nem mesmo o nome do órgão de controle escapou de polêmicas. Após ter sido rebatizado, via medida provisória, para Unidade de Inteligência Financeira (UIF), voltou a se chamar Coaf depois que a Câmara dos Deputados vetou a mudança sugerida.