Correio braziliense, n. 20879 , 23/07/2020. Brasil, p.10

 

67 mil casos em 24h

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

23/07/2020

 

 

Perto de completar cinco meses de pandemia, Brasil registra recorde de novos infectados, totalizando 2.227.514 de pessoas acometidas por covid-19. Com acréscimo de 1.284 mortes em apenas um dia, país chega a 82.771 vidas perdidas pela doença

Com a taxa de transmissão descontrolada desde abril e com a liberação das atividades não essenciais em diversos estados, o Brasil teve ontem o maior registro de casos do novo coronavírus em 24 horas desde o início da pandemia de covid-19. Mais 67.860 infecções foram confirmadas pelo Ministério da Saúde e, com isso, o país soma 2.227.514 brasileiros com diagnóstico positivo para o vírus. A atualização também confirmou pelo segundo dia consecutivo mais de mil mortes pela doença (1.284); no total, a covid-19 já tirou a vida de 82.771 pessoas no país. Procurado pelo Correio, o Ministério da Saúde não se pronunciou sobre a explosão de casos até o fechamento desta edição.

Ontem, oito estados registram mais de três mil casos em 24 horas (veja quadro). Somente o estado de São Paulo confirmou 16.777 novas infecções. O número é quase o total de testes positivos do Mato Grosso do Sul, que tem 17.979 e é a unidade federativa menos afetada. O coordenador-executivo do Centro de Contingência Covid-19 do estado de São Paulo, João Gabbardo, afirmou que, apesar do recorde, a média da semana foi menor do que a da semana anterior. “Realmente, nas últimas 24 horas, o número de casos notificados foi maior do que era esperado. Foram 16.777 casos confirmados nas últimas 24 horas. Mas, se nós analisarmos esta semana, de domingo até quarta-feira, nós vamos chegar ao número de casos confirmados de 27 mil. Nos mesmos quatro dias na semana anterior, nós tivemos 35 mil casos confirmados.” 

Além de São Paulo, Bahia (6.401), Ceará (4.122), Rio de Janeiro (3.502), Goiás (3.490), Rio Grande do Sul (3.233), Minas Gerais (3.175) e Santa Catarina (3.081) observaram números altos na relação de novas infecções. Durante visita a Florianópolis, ontem, o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou que espera um aumento de contágio na região visitada por causa do inverno. “Independentemente de toda preparação e todas as medidas que o estado (Santa Catarina) fez, há uma realidade do aumento de casos de contaminação. Faz parte do inverno, da mudança social durante o inverno. Isso faz com que a contaminação aumente”, explicou.

Pazuello declarou, porém, que o aumento da curva de casos não representa, necessariamente, um crescimento na curva de óbitos. “O cenário me parece sob controle. Haverá um aumento de contágio, mas o esforço para que não se chegue à necessidade de utilização de UTIs (unidades de terapia intensivas) e para que o tratamento ocorra de forma precoce faz com que a curva de óbitos fique sob controle”, ressaltou.

O comportamento internacional, no entanto, aponta para outra direção. É o que ocorre, atualmente, nos Estados Unidos, por exemplo. Após um período com queda nas atualizações de casos e mortes, o país norte-americano voltou a disparar no número de novas infecções. Ontem, no entanto, os incrementos brasileiros de positivos foram os maiores do mundo, deixando os EUA em segundo lugar, com mais de 66 mil novas confirmações, de acordo com levantamento do WorldoMeters. O grande alerta é o reflexo que o aumento de novos casos pode gerar nas próximas semanas, tal como nos Estados Unidos — que voltou a ter mais de mil mortes diárias esta semana, o que não ocorria desde junho.

Transmissão

Outro fator que corrobora para uma maior atenção ao aumento de casos no país é que o Brasil se mantém pela 13ª semana entre as nações com transmissão ativa. Na nova avaliação do Imperial College de Londres, que possui um dos mais robustos levantamentos semanais e comparativos entre os países, a taxa de transmissão de covid-19 brasileira ainda está em níveis de descontrole. Os resultados divulgados ontem mostram que a cada 100 brasileiros infectados, outros 101 acabam contraindo o vírus, o que significa Rt de 1,01.

Por outro lado, o índice demonstra que o país está bastante próximo de conseguir um nível mínimo de domínio, já que taxas abaixo de 1 retiram o país do nível de descontrole. Com o fechamento dos dados da semana epidemiológica 28, o RT estava em 1,03; ou seja, houve uma queda discreta na semana 29. Com isso, pela primeira vez desde que os números começaram a crescer significativamente no país, o estudo considera a situação brasileira como sendo de crescimento lento, ao invés do patamar anterior de crescimento acelerado da doença.

Sem controle

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Aulas põem 9,3 mi em risco

Renata Rios

23/07/2020

 

 

Mais de nove milhões de brasileiros com comorbidades podem ficar mais expostos ao novo coronavírus com a retomada das aulas presenciais. A informação vem de um levantamento feito pela Fiocruz com base na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2013), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) junto com o Laboratório de Informação em Saúde (LIS) da Fiocruz. No início de julho, o Ministério da Educação (MEC) divulgou as diretrizes para a retomada das aulas presenciais. Até ontem, pelo menos nove estados e o Distrito Federal já discutiam o retorno da rede pública nos próximos dois meses.

De acordo com o sistema intitulado Monitora-Covid, o número de adultos e idosos com diabetes, doença do coração ou doença do pulmão e que moram com crianças e adolescentes em idade escolar, entre três e 17 anos, chega a 9,3 milhões (4,4% da população do país). “Se 10% dessas pessoas (que integram o grupo de risco) tiverem um caso grave da doença, a gente vai precisar de quase um milhão de leitos e atendimentos. Isso vai aumentar a pressão sobre o sistema de saúde e pode até levar à morte alguns milhares de idosos”, projeta Christovam Barcellos, coordenador do Monitora-Covid e vice-diretor do Icict/Fiocruz.

Para o especialista, a volta às aulas apresenta um risco que deve ser ponderado. “Talvez, a retomada seja adequada em estados que, comprovadamente, têm uma tendência de declínio sustentável de várias semanas. Não seria em agosto. Nenhum estado hoje em dia pode considerar que já baixou o ritmo de contaminação para retomar em agosto”, afirma.

“O que temos percebido é que os idosos ao longo desses últimos meses se protegem mais. Eles tentaram permanecer em casa no isolamento muito mais que os adolescente e adultos”, continua. “Se provocarmos esse curto-circuito de uma pessoa que foi para a rua voltar para casa infectada, ela pode expor esses idosos e portadores de doenças crônicas.”

Leitos de UTI

O médico Hemerson Luz reforça que cada situação deve ser avaliada individualmente, pois cada estado apresenta uma realidade. Como principal ponto, além do aumento do número de casos, está a disponibilidade de leitos de unidade de tratamento intensivo (UTI), segundo ele. “Esse é o grande marcador que terá influência na taxa de letalidade”, explica o especialista. “O que não pode acontecer é o paciente ficar sem possibilidade de tratamento intensivo. Então, essas decisões de reabertura são acompanhadas da leitura da taxa de ocupação das UTIs e, caso ela fique muito elevada, acima de 70%, teria que fechar novamente”, analisa.