O Estado de São Paulo, n.46254, 07/06/2020. Política, p.A7

 

‘Igreja Católica não faz barganha’, afirma CNBB

Breno Pires

André Borges

07/06/2020

 

 

Em nota, entidade repudia proposta feita por emissoras religiosas em reunião com Bolsonaro: apoiar o governo em troca de verba

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) repudiou ontem pedidos de verba feitos ao governo federal por uma ala da Igreja Católica que, em troca, veicularia notícias favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro em canais de rádio e TV, conforme revelou reportagem publicada ontem pelo Estadão.

Por meio de nota, a CNBB demonstrou indignação com a atitude de representantes desses canais, afirmou que eles não falam pela instituição e que a Igreja não atua em troca de favores.

“Recebemos com estranheza e indignação a notícia sobre a oferta de apoio ao governo por parte de emissoras de TV em troca de verbas e solução de problemas afeitos à comunicação. A Igreja Católica não faz barganhas”, informou a CNBB. “Não aprovamos iniciativas como essa, que dificultam a unidade necessária à Igreja, no cumprimento de sua missão evangelizadora, ‘que é tornar o Reino de Deus presente no mundo’”, diz a nota, em citação a discurso do papa Francisco.

A nota também é assinada pela Associação Católica Internacional Signis Brasil e a Rede Católica de Rádio (CRC). Como mostrou ontem a reportagem, padres e leigos conservadores, ligados a uma ala que diverge da CNBB e que controla parte do sistema de emissoras católicas, prometeram “mídia positiva” para ações do governo na pandemia do novo coronavírus. Em contrapartida, pediram anúncios estatais e outorgas para expandir sua rede de comunicação.

A proposta foi feita no dia 21, em reunião pública, por videoconferência e transmitida nas redes sociais, com a participação de Bolsonaro, sacerdotes, parlamentares e representantes de alguns dos maiores grupos católicos de comunicação.

Segundo a CNBB, emissoras intituladas “de inspiração católica” possuem naturezas diferentes, podem ser geridas por associações e organizações religiosas ou por particulares, seguindo seus próprios estatutos e princípios editoriais. “Contudo, nenhuma delas e nenhum de seus membros representa a Igreja Católica, nem fala em seu nome e nem da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil”, afirmou a instituição.

Ainda de acordo com a nota, “é urgente que nestes tempos difíceis em que vivemos, agravados seriamente pela pandemia do novo coronavírus, que já retirou a vida de dezenas de milhares de pessoas e ainda tirará muito mais, que trabalhemos verdadeiramente em comunhão, sempre abertos ao diálogo”.

Emissoras de TV ligadas a grupos religiosos receberam, no ano passado, R$ 4,6 milhões em pagamentos da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) por veiculação de comerciais institucionais e de utilidade pública. Os veículos católicos ficaram com R$ 2,1 milhões e os protestantes, com R$ 2,2 milhões. Em 2020, emissoras de TV católicas receberam, até agora, R$ 160 mil, enquanto as evangélicas, R$ 179 mil, de acordo com planilhas da Secom.

Também por meio de nota, a Frente Parlamentar Católica informou que, na reunião, “não se condicionou verbas de publicidade a apoio ao governo, nem mesmo apoio político pelos membros da Frente”.

No encontro do dia 21, o padre Wellinton Silva, da TV Pai Eterno, ligada ao Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade (GO), disse que a emissora passa por dificuldades e espera uma aproximação com a Secom para oferecer uma “pauta positiva das ações do governo” na pandemia da covid19. “Dentro dessa dificuldade, estamos precisando mesmo de um apoio maior por parte do governo para que possamos continuar comunicando a boa notícia, levando ao conhecimento da população católica, ampla maioria desse País, aquilo de bom que o governo pode estar realizando e fazendo pelo nosso povo”, disse o padre.

Crítica

“Recebemos com estranheza e indignação a notícia sobre a oferta de apoio ao governo por parte de emissoras de TV em troca de verbas”

TRECHO DE NOTA DA CNBB

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Pedido de impeachment de Salles avança na PGR

Rayssa Mota

07/06/2020

 

 

Subprocurador vê indícios de crime de responsabilidade em declaração de ministro do Meio Ambiente

 

Ministro. Salles é alvo de ação após falar em ‘passar a boiada’ na legislação ambiental

A Procuradoria-Geral da República (PGR) decidiu dar prosseguimento a um pedido de impeachment contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, apresentado após a divulgação da íntegra da gravação da reunião ministerial de 22 de abril. No encontro, uma reunião a portas fechadas com a cúpula governista, Salles sugere aproveitar a “oportunidade” da pandemia do novo coronavírus para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas” de proteção ambiental.

A reportagem entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente, mas não teve resposta até a conclusão desta edição.

Na sexta-feira, o vice-procurador geral da República, Humberto Jaques de Medeiros, determinou a instauração de uma “notícia de fato”. Isso significa que a notícia-crime contra o ministro, apresentada pelo deputado federal Célio Studart (PV-CE), passou pela análise prévia da procuradoria, que entendeu que os fatos narrados podem configurar ato ilícito e merecem averiguação. Cabe à PGR apresentar eventual ação penal contra o ministro junto ao Supremo Tribunal federal (STF).

Em nota, Studart afirmou que as declarações “mostram que Salles é um inimigo do meio ambiente e cometeu crime de responsabilidade passível de impeachment”.

Pressão. Existe ainda uma segunda ação tramitando no Supremo que pede afastamento de Salles por crime de responsabilidade. Além disso, uma representação popular com mais de 160 mil assinaturas foi enviada ao Ministério Público Federal de Santa Catarina pedindo abertura de investigação contra o ministro por improbidade administrativa pelas declarações.

Anteontem, a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), organizações não governamentais e os partidos PT, PSB, PSOL e Rede anunciaram que vão entrar com outras três ações no STF e na Justiça Federal questionando atitudes e omissões do ministério. A bancada do PV na Câmara articula a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o que classifica como “desmonte ambiental” orquestrado pelo ministro.