Valor econômico, v.21, n.5040, 10/07/2020. Política, p. A13

 

Congresso remoto e recesso adiam impacto de decisão do Facebook

Maria Cristina Fernandes

10/07/2020

 

 

A decisão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), de adiar a retomada dos trabalhos presenciais para 15 de agosto, coaduna com o agravamento da pandemia no Distrito Federal, mas prejudica o aprofundamento, na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das “Fake News”, das informações prestadas pelo Facebook. A empresa anunciou a remoção de perfis e contas falsas ligadas ao gabinete do presidente da República e de seus filhos.

Das três frentes abertas para a investigação das “fake news”, no Supremo Tribunal Federal, no Tribunal Superior Eleitoral e na CPMI do Congresso, é esta última aquela que mais condições teria de aprofundar as informações prestadas pelo Facebook sobre a suspensão das contas relacionadas ao gabinete do presidente da República e de seus filhos.

Isso porque tanto o inquérito do STF quando o do TSE foram abertos para investigar fatos determinados, enquanto a CPMI tem mais liberdade para, a partir dos dados que surgem, alargar sua investigação. De tão ampla, a comissão se estende até a investigação de empresas que se valem de notícias falsas para desbancar um competidor.

O senador Jean Paul Prates (PT-RN), integrante da CPMI, é favorável a que se retomem as audiências antes da volta dos trabalhos presenciais. E não descarta novos convites ao Facebook. “É uma oportunidade para a empresa explicar as medidas que tem tomado e mostrar que seu lucro não depende de uso indevido”, diz.

Esta, no entanto, é uma decisão que cabe a Alcolumbre, uma vez que o ato que normatizou os trabalhos remotos também suspendeu o funcionamento de comissões e conselhos. O presidente do Senado, que ambiciona uma mudança nas regras que impedem sua recondução ao cargo, é favorecido pela redução de polêmicas proporcionada pelos trabalhos remotos da Casa.

A relatora da CPI, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), prepara um relatório intermediário para sistematizar as informações colhidas pela CPMI até aqui. Os trabalhos na comissão começaram em setembro de 2019.

Ao longo do funcionamento da CPMI, os representantes das redes sociais haviam criticado a determinação dos parlamentares de exigir das empresas, a partir do projeto de lei sobre as “fake news” que tramita no Congresso, a manutenção de um banco de dados de, pelo menos, três meses. A alegação desses representantes era de que a medida elevaria os custos das empresas, além de ameaçar a privacidade dos usuários das redes.

Com as informações prestadas pelo Facebook, vê-se que, na verdade, o banco de dados da empresa sobre o tema retroage até, pelo menos, as eleições presidenciais de 2018. A informação deve influenciar nas mudanças que a Câmara dos Deputados pode vir a fazer no projeto de lei sobre as “fake news” que foi aprovado no Senado esta semana.

Ao contrário do que aconteceu no processo que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, quando as investigações da CPI da Lava-Jato abasteceram tanto o Supremo quanto o processo em curso no TSE, desta vez, os inquéritos que tramitam nas duas Cortes acabam prejudicados pela paralisação da CPMI das “fake news”.

Luiz Felipe Salomão, ministro do TSE que atuou nas eleições presidenciais de 2018, diz que as informações agora prestadas pelo Facebook não teriam mudado o julgamento das ações que contestavam a propaganda bolsonarista nas redes sociais. “O juiz eleitoral não é o fiscal das notícias corretas, mas garantidor da lisura do debate e da igualdade de condições de quem disputa”, diz. “A justiça eleitoral não reprime as violações do ponto de vista penal nem garante a responsabilidade civil”. A partir de agosto, na condição de corregedor do TSE, Salomão assumirá a relatoria dos processos da chapa Jair Bolsonaro/Hamilton Mourão.

Em 2016, o julgamento das denúncias contra a chapa Dilma Rousseff/Michel Temer, não se limitou a investigar aquilo que era pedido pelas partes. O TSE conduziu a investigação com plenos poderes para buscar provas e a chapa só não foi cassada porque, derrotada a tese da separação do titular e do vice, o que daria sobrevida a Temer, a força do então presidente da Corte, Gilmar Mendes, evitou a cassação por quatro votos a três.

Advogados que atuam na Corte avaliam que os processos contra a chapa Bolsonaro/Mourão dependem, “para adquirir mais robustez”, das provas colhidas pelo inquérito do Supremo Tribunal Federal das “fake news”. Assim como no julgamento da chapa Dilma/Temer, as provas podem ser compartilhadas entre as duas Cortes.

As provas a serem compartilhadas dependem, em grande parte, da atuação do ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das “fake news” no STF. Sob sua relatoria, o inquérito, que foi duramente questionado ao ser instaurado por ter sido originado no Supremo para investigar notícias falsas contra a própria Corte, acabou referendado por dez votos a um (Marco Aurélio de Mello) no plenário.

Ontem, o Psol entrou com uma representação para que Moraes inclua no inquérito os 88 perfis disseminadores de notícias falsas que foram apagados pelo Facebook. Com o recesso, todas as decisões relativas aos inquéritos em curso no Supremo caberão, até o fim de julho, monocraticamente, ao presidente da Corte.

Na primeira decisão da safra do recesso, tomada ontem pelo ministro Dias Toffoli, a Operação Lava-Jato foi obrigada a compartilhar com o procurador-geral da República, todos os dados já colhidos até aqui. A decisão antecipa, em parte, um dos objetivos da Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado, cuja criação tramita no Conselho Superior do Ministério Público e divide a corporação.

A decisão de Toffoli, somada à concessão, pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio Noronha, de prisão domiciliar para o ex-assessor do presidente da República, Fabrício Queiroz, mostram as Cortes superiores em processo de acomodação durante o recesso do Judiciário. O impacto das informações prestadas pelo Facebook, portanto, dependem do fim do recesso no STF, no STJ e no TSE, além da suspensão das sessões remotas no Congresso Nacional.

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CPMI das 'fake news' pede informações retiradas

Renan Truffi

10/07/2020

 

 

A decisão do Facebook de derrubar páginas ligadas à família Bolsonaro deve nortear os trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das “Fake News” em agosto, quando está previsto o retorno das atividades legislativas. Integrantes do colegiado já pediram acesso aos dados e informações das páginas excluídas, o que coloca o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), entre outros aliados, na mira da CPI Mista. A depender das informações prestadas, ela pode pedir o indiciamento dos filhos do presidente ou concluir que eles cometeram quebra de decoro parlamentar.

O ofício para o compartilhamento das informações foi apresentado ontem não só pelo presidente da CPMI, senador Angelo Coronel (PSD-BA), mas também por outros integrantes da comissão. O senador disse que solicitou explicações da rede social sobre a decisão que embasou a derrubada das páginas. Coronel não descarta, inclusive, convocar representantes do Facebook para depor ao colegiado.

“Já fiz o ofício. Agora a gente pauta o ofício [pedindo o compartilhamento das informações] e coloca em votação na comissão”, explicou Angelo Coronel. “Após o Facebook compartilhar essas informações, vamos analisar e encaminharei à relatora. Inclusive integrantes do Facebook podem ser convocados para depor outra vez. Tudo vai depender do conteúdo. Não tive acesso ao conteúdo [das páginas]. É uma coisa muita séria. Nós precisamos ver o conteúdo para não pré-julgar ninguém, mas quem errou vai ter que pagar”, complementou.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) fez um ofício similar, no qual solicita a identificação de todas as contas, páginas e grupos no Facebook e Instagram, além de listagem com todos os dados cadastrais e a preservação de todo o material disponível nas contas, páginas e grupos, ou eventualmente aparatos, num contêiner forense. O parlamentar quer ainda que a empresa disponibilize todo o histórico de “login” efetuado em todas as contas, contendo data, hora e os IP utilizados (endereços das máquinas) para esses “logins”. Por fim, ele pediu a delação de todo o conteúdo de publicidade contratados pelas contas, além dos valores pagos e a identificação dos responsáveis pelos pagamentos. Randolfe apresentou requerimento junto ao Supremo Tribunal Federal para que o assunto seja alvo de investigação no inquérito das “fake news”.

No caso específico da CPMI, senadores e deputados poderão avaliar se os dois filhos do presidente Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo e o senador Flávio, cometeram quebra de decoro parlamentar. Integrantes do colegiado dizem em caráter reservado que, dependendo das informações prestadas pela rede social, ambos correriam risco de ter que enfrentar representações nos conselhos de ética.

Esse encaminhamento vai depender dos conteúdos das páginas. Se ficar caracterizado que os endereços produziam “fake news” deliberadamente, disse um parlamentar, a CPI Mista pode sugerir até mesmo o indiciamento de Flavio e Eduardo. Consequentemente, a comissão encaminharia seu relatório aos respectivos conselhos de ética.

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'Detetives' internos colhem os indícios na rede social

João Luiz Rosa

10/07/2020

 

 

A investigação que culminou com a retirada, pelo Facebook, de perfis irregulares ligados ao PSL e aos gabinetes do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos Flávio e Eduardo começou em março e envolveu investigadores forenses contratados pela empresa. Esses profissionais atuam em várias partes do mundo e avaliam casos em regiões geográficas específicas, como Europa, Estados Unidos e América Latina. O grupo integra a equipe de Nathaniel Gleicher, diretor de cibersegurança do Facebook. O executivo ingressou na companhia em janeiro de 2018, vindo da Casa Branca. Não há investigadores na filial brasileira.

Na quarta-feira, o Facebook tirou do ar quatro redes com origem em cinco países: Estados Unidos, Canadá, Equador e Ucrânia, além do Brasil. A companhia justificou a decisão ao dizer que essas redes feriam sua política de interferência estrangeira e demonstravam comportamento coordenado e irregular em favor de entidades comerciais e pessoas associadas a campanhas políticas ou gabinetes de políticos com mandatos. No país foram excluídas 35 contas, 14 páginas e um grupo no Facebook, além de 38 contas no Instagram, que também pertence à companhia.

O resultado da investigação chegou ao comando da subsidiária brasileira dias atrás, disse uma pessoa a par do assunto. A companhia pode levar alguns dias ou semanas para incluir, em seus relatórios, que uma rede foi suprimida. Neste caso, devido à relevância dos personagens envolvidos, os anúncios foram feitos em paralelo com as ações. Foram retirados tanto perfis falsos como contas autênticas de usuários que, segundo a investigação, estavam ligados a essas redes.

O Brasil entrou no radar das investigações depois de sucessivas reportagens publicadas na imprensa e de depoimentos de testemunhas ao Congresso, afirmou o Facebook na nota divulgada ao anunciar as medidas.

As investigações baseiam-se exclusivamente em indícios detectados nas próprias redes do Facebook, disse a pessoa. A empresa usa um conjunto de ferramentas com base na infraestrutura disponível, como endereços IP de smartphones e computadores, que são únicos e identificam essas máquinas.

A decisão despertou críticas de que a medida era um sinal do Facebook para apaziguar grupos de direitos civis. A empresa está sob intensa pressão de organizações americanas que convocaram um boicote publicitário neste mês, com duração de pelo menos 30 dias. Nos EUA, a maior parte das críticas se refere à não retirada de declarações polêmicas do presidente Donald Trump.

Em nota, o Facebook negou. Disse que as investigações se iniciaram há meses e que, desde março, a empresa publica um relatório mensal com balanço das remoções. “As políticas do Facebook estão baseadas em princípios e não são uma resposta a pressões de qualquer tipo, incluindo de negócios”, afirmou a companhia.

O Facebook tem ressaltado que a remoção das contas se baseia no comportamento dos usuários e não no conteúdo. Para observadores, no entanto, essa é a questão. Militantes de direitos civis têm pressionado a empresa a criar uma política de “fake news” e de combate à discriminação que leve em conta o próprio conteúdo.

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Para presidente, exclusão de páginas é 'perseguição'

Matheus Schuch

Fabio Murakawa

10/07/2020

 

 

Depois de uma semana intensa de reuniões com candidatos, o presidente Jair Bolsonaro deverá confirmar hoje o novo ministro da Educação. O presidente afirmou ontem, em transmissão por redes sociais, que está em busca de um ministro capaz de dialogar com diferentes setores. Bolsonaro também comentou a exclusão de páginas ligadas à sua família pelo Facebook, medida que considera “perseguição”.

“Se Deus quiser a gente vai acertar com o nome que devemos indicar amanhã [hoje]”, disse Bolsonaro em relação ao Ministério da Educação (MEC). “Tem que ter uma pessoa que promova o diálogo, o que não é fácil, com todas as esferas da Educação. Tem uma pessoa lá [cotada para o cargo] realmente conciliadora”.

Ele disse que conversou com “cinco ou seis”, mas não pode “colocar as pessoas por pressão”. A disputa para o cargo acirrou o embate entre as alas ideológica e militar do governo e parlamentares do Centrão.

Os nomes cotados para a pasta eram: Milton Ribeiro, pastor evangélico, doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e membro da Comissão de Ética da Presidência da República; Anderson Correia, reitor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA); e o deputado major Vítor Hugo (PSL-GO), líder do governo na Câmara. Também circulava no entorno do presidente o nome de José Gobbo Ferreira. Coronel do Exército e de perfil conservador, ele agrada uma parcela do bolsonarismo que quer evitar que o Centrão assuma a cadeira.

Na transmissão pela internet, Bolsonaro negou que ele e pessoas próximas tenham propagado mensagens de ódio que justificassem a remoção pelo Facebook de uma rede de contas e páginas ligadas ao PSL e a gabinetes de sua família. “Tem um assunto que está em voga que é a derrubada de páginas do Facebook no mundo. No Brasil sobrou pra quem? Pra quem está do meu lado, pra quem é simpático à minha pessoa”, reclamou. “E a esquerda fica aí posando de moralista, de propagadores da verdade.”

Na sequência, Bolsonaro apresentou cópias de mensagens postadas na internet com críticas e ofensas a ele. “Ninguém fala em derrubar estas páginas e eu não estou pedindo para derrubar página de ninguém”, apontou. E questionou: “Por que esta perseguição?”.