Valor econômico, v.21, n.5040, 10/07/2020. Brasil, p. A8

 

Em reunião, fundos cobram redução do desmatamento

Fabio Murakawa

Matheus Schuch

Sérgio Tauhata

10/07/2020

 

 

Em teleconferência com um grupo de 34 gestores de fundos internacionais, o vice-presidente Hamilton Mourão e um grupo de seis ministros do governo Jair Bolsonaro ouviram cobranças pela redução do desmatamento no Brasil. A reunião ocorreu a pedido dos fundos, que juntos administram US$ 4,6 trilhões em ativos. Os executivos saíram “animados” da conversa, mas aguardam “resultados práticos” de parte do Brasil.

“Eles colocaram muito claramente que gostariam de ver o desmatamento do país cair”, disse Mourão ao Valor no fim da tarde de ontem, ao deixar o anexo do Palácio do Planalto onde fica seu gabinete. Ele afirmou ainda que o governo pretende apresentar resultados, com base não apenas na repressão ao desmatamento.

“O plano é o que foi apresentado pelo Ricardo Salles [ministro do Meio Ambiente]. Tem que avançar na regularização fundiária, tem que avançar no Floresta Mais, tem que avançar nos outros programas, porque senão fica só trabalhando na repressão”, disse. “O cara tem que ganhar dinheiro. Aí tem pedaço de terra que não tem a titulação da terra, então não tem acesso a financiamento, então ele vai derrubar árvore.”

A defesa da regularização fundiária na Amazônia partiu de questionamentos feitos pelos fundos sobre a medida provisória 910, editada pelo governo com esse fim. O tema foi abordado em entrevista coletiva no Planalto com Mourão, Salles, Tereza Cristina, ministra da Agricultura, e o chanceler Ernesto Araújo, após a reunião virtual.

Na coletiva, Mourão atribuiu parte da imagem ruim que o país carrega na área ambiental a pressões por conta de sua capacidade agrícola, que ameaça interesses no exterior. Para o vice-presidente, a “disputa geopolítica” precisa ser levada em conta nas manifestações de estrangeiros sobre a preservação da Amazônia.

“É importante que a gente tenha consciência da disputa geopolítica hoje. Temos água, luz, terra fértil, temos espaço para avançar e crescer”, argumentou. “Seremos em breve a maior potência agrícola do mundo. Aqueles incomodados com o avanço da produção brasileira buscarão impedir que essa produção evolua.”

Salles, por sua vez, confirmou a informação adiantada pelo Valor de que o governo prepara um decreto para determinar uma moratória de 120 dias nos incêndios controlados. Segundo ele, esse estudo já está pronto. “Neste ano, o presidente determinou um estudo de viabilidade, que já está pronto, para suspensão do fogo por 120 dias em todos os biomas. Amazônia e Pantanal, sem exceção. Nos demais biomas, com as exceções previstas em lei”, afirmou Salles. ‘Este decreto deve estar pronto para assinatura do presidente na semana que vem.”

Mourão afirmou que no encontro os investidores evitaram se comprometer com investimentos em projetos brasileiros como o Floresta Mais e o Adote um Parque, pois querem antes ver resultados.

“Em nenhum momento eles se comprometeram com alguma política dessa natureza. Eles querem ver resultados, e qual é o resultado que nós podemos apresentar? É que haja efetivamente uma redução do desmatamento”, afirmou o vice-presidente.

Mourão também comentou que ele e Salles estão conversando com governos de outros países, como Alemanha e Noruega, para tentar retomar o bilionário Fundo Amazônia, cortado após discordâncias em relação à política ambiental brasileira. “Estamos aguardando o ‘visto bom’ deles, que também está ligado à nossa resposta em relação ao desmatamento”, afirmou. “Uma vez que a gente consiga apresentar dados consistentes, os recursos que estão lá serão novamente reabertos para os projetos relacionados ao desenvolvimento, proteção e preservação da Amazônia. Não há prazo.”

Já Araújo destacou que os acordos comerciais firmados pelo Brasil têm cláusulas que reafirmam compromissos ambientais. “São compromissos que reforçam a política ambiental brasileira, muito especificamente em relação à Amazônia. É um de tantos elementos onde, por falta de informação, por distorções, existe um equívoco em relação à imagem do Brasil, particularmente na Europa.”

Em uma resposta à inquietação dos fundos, o governo decidiu prorrogar a Operação Verde Brasil 2, que ia acabar em 10 de julho, até o dia 11 de novembro. A operação autorizou o emprego das Forças Armadas em Garantida da Lei e da Ordem na Amazônia Legal, “para a realização de ações preventivas e repressivas contra delitos ambientais, direcionada ao desmatamento ilegal, além do combate a focos de incêndio”. Hoje, Mourão e Salles participam de uma reunião com empresários brasileiros, que também estão cobrando resultados da política ambiental e do combate ao desmatamento.

A gestora norueguesa Storebrand, que participou da reunião virtual ontem, declarou estar “muito interessada em entender a posição do governo do Brasil sobre a proteção do capital natural do país, em particular suas florestas tropicais”. “Ficamos animados com a resposta inicial e diálogo com os representantes do governo brasileiro e aguardamos a continuidade [do diálogo] e os resultados práticos”, disse o CEO da Storebrand, Jan Erik Saugestad, em entrevista por e-mail ao Valor. “Vamos continuar a monitorar os desenvolvimentos no Brasil para avaliar nossa exposição aos riscos financeiros que surgem do desflorestamento.” No encontro, estiveram presentes representantes de fundos da Europa, dos EUA e do Japão, em um total de dez países.

A preocupação com a preservação ambiental no Brasil, na visão da Storebrand, relaciona-se ao dever fiduciário de agir no melhor interesse de longo prazo dos clientes. “Nós reconhecemos o papel crucial que as florestas tropicais desempenham no combate às mudanças climáticas, protegendo a biodiversidade e assegurando a manutenção do ecossistema”, acrescentou Saugestad.

A Storebrand explicou que os investidores levantaram cinco pontos na reunião, como questões importantes ao grupo: a redução significativa das taxas de desflorestamento, o que mostraria esforços críveis para cumprir a própria legislação climática brasileira; a aplicação do código florestal brasileiro; a habilidade das agências brasileiras responsáveis pelo ambiente e direitos humanos de cumprir seus mandatos efetivamente e qualquer outro desenvolvimento legislativo que possa causar impacto na proteção florestal; a prevenção de incêndios próximos às áreas de florestas, como forma de evitar a repetição dos incêndios vistos em 2019; acesso público aos dados de desflorestamento, cobertura florestal, propriedade de terras e rastreabilidade das cadeias de commodities.

“Estamos convencidos de que o desflorestamento e os impactos associados sobre a biodiversidade e o clima são riscos sistêmicos, que potencial de afetar negativamente os retornos”, disse ele.

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MP pede que TCU investigue 'omissão' na área ambiental

Murillo Camarotto

Luísa Martins

10/07/2020

 

 

O Ministério Público que atua junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) quer que o órgão de controle investigue uma suposta omissão do governo federal nas ações de proteção ao meio ambiente. Uma representação do procurador Lucas Furtado foi encaminhada ontem ao presidente do TCU, José Múcio Monteiro.

Também ontem, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), encaminhou ao procurador-geral da República, Augusto Aras, pedido feito por um grupo de parlamentares para instaurar inquérito contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e afastá-lo.

No documento ao TCU, Furtado classifica como “descalabro” o panorama ambiental do país, segundo ele ocasionado por uma fiscalização “frouxa” e pela falta de interesse do governo em proteger o meio ambiente e promover a inclusão social de comunidades das regiões protegidas.

O procurador quer, por exemplo, que o tribunal de contas obrigue o governo a apresentar relatórios gerenciais dos programas de preservação ambiental, bem como de eventuais políticas de fomento de atividades econômicas sustentáveis nessas áreas.

A representação faz referência à carta encaminhada esta semana ao vice-presidente Hamilton Mourão por 40 lideranças empresariais. No documento, 38 empresas e quatro associações pedem um combate “inflexível e abrangente” ao desmatamento ilegal na Amazônia. Os signatários também demonstram preocupação com a imagem negativa do Brasil no exterior.

Apesar das críticas pesadas ao governo, sobretudo ao ministro do Meio Ambiente, o procurador do TCU elogiou a postura de Mourão, que preside o Conselho Nacional da Amazônia. De acordo com Furtado, no entanto, o vice-presidente da República tem “pregado no deserto”.

“Se o panorama é de descalabro ambiental e se o papel do TCU é avaliar a conduta dos responsáveis pela área, cabe ressalvar, por dever de justiça, a atuação do vice-presidente, Hamilton Mourão, devendo-se reconhecer (...) esforços autênticos em busca de fazer as políticas públicas ‘andarem’ no setor” diz Furtado.

Sobre Salles, o procurador do TCU acompanhou a avaliação do Ministério Público Federal (MPF) de que o ministro tem participação ativa em um desmonte intencional da estrutura de fiscalização ambiental do país. Nesta semana, o MPF pediu o afastamento imediato de Salles, que enxerga questões ideológicas na ação.

O despacho do ministro do STF é um expediente de praxe na estrutura do Judiciário. Caberá à Procuradoria-Geral da República (PGR) fazer a avaliação sobre a necessidade ou não de se abrir uma investigação contra o ministro do Meio Ambiente.

O pedido feito pelos deputados e senadores tem por base as falas de Salles durante a reunião interministerial do dia 22 de abril no Palácio do Planalto. Na ocasião, o ministro disse que era preciso “aproveitar” o foco da imprensa na pandemia como oportunidade para “passar a boiada” de flexibilizações em normas ambientais.

De acordo com os parlamentares da oposição, há indícios de que Salles queria simplificar as regras que não dependessem de aval do Congresso Nacional, com o objetivo de atender a interesses privados, o que é ilegal.