Valor econômico, v.21, n.5037, 07/07/2020. Política, p. A14

 

Câmara resiste a PEC para reeleger Alcolumbre

Marcelo Ribeiro 

Renan Truffi

Vandson Lima

07/07/2020

 

 

Uma eventual iniciativa do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), de tentar emplacar uma proposta de emenda constitucional (PEC) que viabilize sua reeleição no cargo por mais dois anos não deve prosperar na Câmara dos Deputados. A possibilidade enfrenta resistência tanto do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), quanto de lideranças do Centrão. Já no Senado, há mais abertura para a análise da proposta, inclusive do líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO).

Conforme publicou o Valor, neste momento a hipótese mais provável é que o grupo político de Alcolumbre apresente um parecer jurídico que reinterprete o parágrafo 4º do artigo 57 da Constituição. O trecho atesta que o mandato para a presidência das duas Casas do Congresso é de dois anos, vedada a recondução na eleição imediatamente subsequente. A contestação será de que, na Câmara, esses dois anos equivalem à metade do mandato de quatro anos, mas que os senadores eleitos ficam na cadeira por oito anos. Logo, seria preciso reequilibrar a regra, dando ao menos a chance de que os senadores possam presidir sua respectiva Casa por período equivalente ao dos deputados.

Segundo fontes, o presidente da Câmara já teria demonstrado a aliados não ter disposição em colocar em votação um projeto que estabeleça diferenças entre as duas Casas do Poder Legislativo. Mesmo assim, Alcolumbre não o vê como um obstáculo para concretizar seu plano, de acordo com interlocutores próximos do senador.

Em conversas reservadas, Maia tem garantido a interlocutores que não recorrerá a nenhum mecanismo para tentar permanecer na principal cadeira da Câmara. Alguns de seus aliados de primeira hora, como o líder da maioria na Casa, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e o líder do MDB, Baleia Rossi (SP), pretendem disputar o posto.

Entre as lideranças do Centrão, a ideia de Alcolumbre não é bem recebida. Em caráter reservado, um dos líderes do bloco afirmou ao Valor que o movimento do presidente do Senado é visto como um “oportunismo momentâneo”. “Alcolumbre está querendo se aproveitar do momento atual, em que todos estão concentrados nas medidas de combate ao coronavírus, para articular uma proposta que ele seria o único beneficiado”.

Além de estarem alinhados com o posicionamento de Maia de que não é possível criar regras diferentes para as eleições das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, parlamentares ponderam que um dispositivo que também pudesse beneficiar o atual ocupante da presidência da Câmara poderia ser aprovado sem que eles percebessem.

Apesar de reconhecer que não tem uma interlocução privilegiada com o Centrão, Alcolumbre aposta na boa relação com alguns integrantes específicos do bloco para ampliar as chances de aprovação da PEC. Ontem, a empreitada ganhou apoio formal do líder do governo no Congresso. “Apoio a recondução a qualquer senador ou senadora, a qualquer tempo do mandato de oito anos”, defendeu Gomes ao Valor. “Tenho compromisso com a tese de recondução e acredito que [Alcolumbre] tem o direito”, acrescentou.

Interlocutores de Maia afirmam que, na visão do presidente da Câmara, a melhor saída é que Alcolumbre tente viabilizar sua permanência no cargo por meio de um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), aproveitando a boa interlocução do presidente do Senado com os integrantes da Corte.

Nos bastidores, parlamentares influentes da Câmara apontam, por outro lado, que a eventual reeleição de Alcolumbre passou a ser mais bem vista a partir de uma mudança de postura dele em relação ao Palácio do Planalto. Na avaliação deles, o senador passou a “defender melhor” os interesses do Parlamento e a fazer com que o presidente Jair Bolsonaro respeitasse posições divergentes do Poder Legislativo.