Valor econômico, v.21, n.5037, 07/07/2020. Política, p. A12

 

Novos prazos fazem com que eleição corra risco de maior judicialização

Cristiane Agostine

07/07/2020

 

 

A mudança no calendário eleitoral deste ano, aprovada pelo Congresso, fará com que os candidatos eleitos sejam diplomados antes mesmo de a Justiça Eleitoral analisar a prestação de contas da campanha.

As novas regras reduzem o prazo para a verificação das contas antes da diplomação, e permitem que o postulante informe despesas e receitas até 15 de dezembro, três dias antes de ser diplomado.

A procuradora regional da República Silvana Batini alerta que com um prazo tão curto, de apenas três dias, há riscos de até mesmo quem entregar a prestação de contas vazia conseguir ser diplomado. A Justiça Eleitoral terá até 12 de fevereiro para fazer o julgamento das informações prestadas.

“Com relativa frequência, os candidatos apresentam contas sem elemento algum. A condição para diplomar não é ter as contas aprovadas, mas sim apresentá-las. E agora, como vai fazer se em fevereiro pegar um candidato diplomado que tiver contas sem nenhum elemento [de informação]? É uma situação que a Justiça Eleitoral terá de apreciar”, diz Silvana, indicando o risco de aumento da judicialização das candidaturas.

O Congresso mudou também o prazo para apresentar ações de impugnação contra uma candidatura por irregularidades na prestação de contas. A previsão anterior era de 15 dias depois da diplomação, no início de janeiro, mas agora será até 1 de março.

A procuradora regional da República elogia a alteração, que dará mais tempo para a Justiça Eleitoral analisar irregularidades na arrecadação ou nos gastos de campanha, denunciadas por adversários do eleito ou pelo Ministério Público Eleitoral. As irregularidades podem levar à cassação do diploma ou do mandato e gerar inelegibilidade por oito anos, pela Lei da Ficha Limpa.

Além do impacto na análise das contas dos candidatos, a mudança no calendário eleitoral poderá trazer vantagens aos prefeitos que tentarão um novo mandato.

Os candidatos à reeleição terão 42 dias a mais para inaugurar obras públicas, até o dia 15 de agosto, com a decisão do Congresso de postergar o primeiro turno para 15 de novembro e o segundo turno para 29 de novembro.

Se as datas anteriores previstas fossem mantidas - 4 de outubro para o primeiro turno e 25 de outubro para o segundo - os prefeitos já estariam proibidos, desde sábado, de participar de inaugurações. A legislação eleitoral proíbe que candidatos participem desse tipo de evento três meses antes da eleição.

Os prefeitos que tentarão se reeleger poderão ser beneficiados também com a possibilidade de criar programas assistenciais e de fazer propaganda institucional até o fim da pandemia de covid-19. A legislação anterior proibia tanto a criação desse tipo de programa quanto a propaganda três meses antes das eleições, mas criava uma exceção para casos de calamidade ou de emergência. No entanto, era preciso que a Justiça Eleitoral autorizasse a realização de propaganda institucional pela prefeitura, como no caso de uma campanha de vacinação para combater o surto de uma doença. Agora, as novas regras aprovadas na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) não obrigam a autorização prévia do Judiciário.

Procuradora regional eleitoral do Rio de Janeiro e professora da FGV Direito Rio, Silvana diz que há risco de os prefeitos abusarem das brechas criadas em decorrência da pandemia. Como exemplo, cita o eventual uso político da propaganda institucional para a promoção da campanha de reeleição ou da candidatura de um aliado.

“Quem está no poder tem sempre uma vantagem. Em uma situação de calamidade, de emergência, em que há várias exceções, que em condições normais a lei impediria de fazer, isso traz benefício para quem está no poder”, afirma Silvana. “Fazer o uso promocional de campanhas de assistência neste momento crítico sempre será em benefício de quem está no poder. Isso é uma constante”, analisa a professora. Silvana diz que a Justiça Eleitoral terá um grande desafio para acompanhar e evitar eventuais abusos antes das eleições. “Se o controle for feito a posteriori, o mal poderá estar feito.”

Para a procuradora regional da República, a mudança na data da eleição foi uma decisão correta, porque a pandemia afeta não só o dia da votação mas também toda a campanha. “Tem gente que pensa que até outubro estará tudo bem, mas a propaganda eleitoral começa em agosto e provavelmente a situação não estará normalizada”, diz. “Essa mudança era esperada, mas isso não acontece sem traumas. Vai gerar a necessidade de adaptação a todos os envolvidos nas eleições.”

Um dos riscos apontados pela procuradora é o aumento da contestação das ações dos prefeitos. “Vamos ter uma judicialização muito grande em relação aos atuais gestores, que poderão ter condutas que em tempos normais são vedadas”, afirma. As crises econômica e social, agravadas pela pandemia, têm pressionado o poder público a ter uma atuação maior para atender a população, e o Judiciário terá de ter um “olhar mais tolerante”, diz Silvana.