Correio braziliense, n. 20877 , 21/07/2020. Política, p.2

 

Governo intervém, mas câmara votará Fundeb

Luiz Calcagno

Maíra Nunes

Renata Rios

Vera Batistas

21/07/2020

 

 

EDUCAÇÃO » Deputados devem avaliar, hoje, PEC que prevê aumento da participação da União no fundo, de 10% para 20%. Executivo oferece aumentar repasse para 23%, mas com a condição de que 5% sejam destinados ao Renda Brasil. Proposta sofre forte resistência

O governo decidiu retroceder da tentativa de adiar e modificar o texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) 05/2015, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). No fim da manhã de ontem, houve uma movimentação do Executivo para destinar parte das verbas do fundo ao Renda Brasil, que substituirá o Bolsa Família. O Planalto também queria adiar a votação da matéria, sob a alegação de permitir a participação do novo ministro da Educação, Milton Ribeiro — ele anunciou ter testado positivo para covid-19. Diante das repercussões negativas, da parte de parlamentares e de entidades do setor, chegou-se a um consenso de que o texto vai à votação hoje.

O parecer da relatora da PEC na Câmara, Professora Dorinha (DEM-TO), prevê aumento escalonado da participação da União na complementação do Fundeb, que, hoje, é de 10%. Pelo relatório da parlamentar, essa contribuição passaria a 12,5% em 2011 e aumentaria nos anos seguintes até chegar a 20% em 2026. Além disso, tornaria o fundo permanente. O governo, por sua vez, queria que o Fundeb só fosse retomado em 2022, com 12,5% da participação da União, chegando a 20% em 2027. E desses 20%, o Executivo queria que cinco pontos percentuais fossem destinados ao Renda Brasil.

Com o impasse, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, se reuniu, ontem, com a deputada e com o 1º vice-presidente da comissão especial que analisa a proposta, deputado Idilvan Alencar (PDT-PE). Ele propôs que a complementação saia de 10% para 23%, com 5% aplicados na educação infantil, por meio do Renda Brasil — famílias com crianças em idade escolar receberiam um voucher para pagarem creche particular. Não chegou-se, porém, a um acordo.

O Fundeb é o principal mecanismo de financiamento da educação básica e ajuda a equilibrar a distribuição dos recursos para o setor (leia Saiba mais). O fundo tem validade até dezembro. Por isso, a urgência para que seja aprovado no Congresso. “Ficar sem Fundeb significa fechar muitas escolas do país, porque muitos municípios dependem dele”, avalia Catarina de Almeida Santos, professora da Universidade Brasília (UnB) e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “O Fundeb ser renovado sem complementação maior da União é continuar com o país do jeito que está, só que agora com o efeito da crise econômica e da pandemia. Quem está se endividando muito mais e perdendo arrecadação nesse processo são os estados e municípios.”

Votação

Apesar de a votação ter sido adiada para hoje, o debate na Câmara começou, ontem, e foi exaltado. A bancada da Educação e a oposição argumentam que a PEC vem sendo debatida no Congresso há 18 meses e nenhum dos ministros da Educação se interessou em participar das discussões. As críticas ganharam ainda mais força diante da intenção do governo de mudar o texto.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou a demora do Executivo em tomar parte no debate. “Tem um ano e meio sem participação do governo. O texto está consolidado, mas não significa que não devamos ouvir o governo. O ministro Ramos está conversando, a equipe é boa e ele tem crédito. Acredito que vai avançar o debate, enquanto o ministro Ramos organiza as propostas que o governo quiser encaminhar e que tenham foco na Educação”, destacou. “O Fundeb tem relatório em relação à complementação consolidado. É a questão de 10% mais 10%. Se o governo quiser outro, pode ser aceito, mas tem de ser para a Educação.” Ele se mostrou contrário em adiar o Fundeb para 2022. “É uma sinalização muito negativa. Eu não vejo sentido nesse encaminhamento”, opinou.

Qualquer mudança nos termos do texto da deputada Dorinha poderá quebrar estados e municípios. A cada R$ 10 investidos em Educação, R$ 6 são provenientes do Fundeb, lembrou Cláudio Furtado, secretário de Educação da Paraíba e membro do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) para o Nordeste. Ele definiu a proposta do governo como “um atraso abissal”. “Uma ação sem debate que, ao fim das contas, partiu do Ministério da Economia e não do Ministério da Educação”, reforçou.

O impacto de uma repentina mudança das regras seria a paralisação de grande parte dos estados e municípios de Norte, Nordeste e Centro-Oeste, afirmou Furtado. “Vai ser um apagão. É difícil entender os motivos que levaram o Executivo a querer transferir recursos do fundo, que ficou fora da lei do teto dos gastos, para projetos sociais.”

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Rejeição à proposta do executivo

Jailson R. Sena*

21/07/2020

 

 

Deputado Professor Israel Batista: "Eu não posso tirar do pobre para dar ao pobre"

O deputado Professor Israel Batista (PV-DF) afirmou que os parlamentares não gostaram da contraproposta do governo de destinar parte do valor do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para programa social. “É um absurdo você tirar da escola pública para fazer assistência social. Nem os deputados da educação e da renda mínima vão aceitar isso, porque a escola pública é um grande programa social no Brasil”, enfatizou, em entrevista, ontem, ao programa CB.Poder, parceria entre o Correio e a TV Brasília/RedeTV.

De acordo com Israel Batista, os deputados não são contra a criação de programas sociais, porém acreditam que os recursos devem ser destinados de outros órgãos. “Nós precisamos tirar dinheiro para assistência social de outras pastas. Eu não posso tirar do pobre para dar ao pobre”, comparou.

Outro ponto polêmico defendido pelo governo é renovar o fundo somente a partir de 2022. Segundo Israel Batista, caso a votação não ocorra ainda neste ano, a educação pode ser prejudicada, principalmente em cidades com poucos recursos. “Em dezembro de 2020, o fundo acaba. Se a gente não tiver votado até lá, não vamos ter Fundeb. Com isso, vamos ver municípios pagando R$ 500 para o estudante frequentar a escola, quando o mínimo adequado é de R$ 5.500”, frisou.

Questionado sobre a sabatina do novo ministro da Educação, Milton Ribeiro, o deputado explicou que a Câmara quer saber o plano estratégico dele para a área. “Se ele focar em assuntos emocionantes, como doutrinação nas escolas, Paulo Freire e ideologia de gênero, saiba que não terá o apoio do Congresso”, destacou, numa referência à pauta dos ministros anteriores da pasta. “A Câmara quer saber como será pago o salário de professores em municípios mais humildes, a formação dos docentes e outros temas relevantes.”

Sobre a relação do Parlamento com os antecessores de Milton Ribeiro, o parlamentar disse que não existiu diálogo deles com o Congresso. O MEC está no quarto ministro neste governo. Ricardo Vélez e Abraham Weintraub se perderam em disputas ideológicas e nada avançaram nas pautas do ministério, e o terceiro titular, Carlos Alberto Decotelli, ficou apenas cinco dias no cargo, devido a inconsistências no currículo. Sobre Weintraub, o mais explosivo dos três, Israel Batista afirmou que a postura dele com os parlamentares era de hostilidade. “Ele desagradou a parlamentares de todo os espectros políticos, exceto os deputados que têm uma postura mais agressiva e fanática”, relatou. Em relação a Ricardo Vélez, a falta de um plano estratégico para a Educação foi um dos pontos críticos, conforme Israel Batista.

*Estagiário sob a supervisão de Cida Barbosa