O globo, n. 31728, 19/06/2020. País, p. 4

 

O pivô da rachadinha

19/06/2020

 

 

 Recorte capturado

Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, e preso em sítio de advogado da família Bolsonaro

 Ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz foi preso na manhã de ontem em Atibaia, no interior de São Paulo, em uma operação conjunta do Ministério Público do Rio (MP-RJ) e da Polícia Civil de São Paulo. Queiroz estava numa casa que pertence ao advogado da família presidencial, Frederick Wassef. O ex-assessor e o senador são investigados pela prática de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), quando Flávio era deputado. A prisão aproxima o caso do Planalto, já que Wassef é frequentador habitual do Palácio e do Alvorada, residência oficial da Presidência.

O advogado esteve ao menos 13 vezes em um dos locais desde setembro do ano passado. Ontem à noite, houve panelaços em várias cidades.  Além da prisão preventiva de Queiroz, por 90 dias, o juiz Flávio Itabaiana Nicolau, da 279 Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, determinou também a prisão preventiva da mulher do ex-assessor, Márcia Oliveira de Aguiar. Ela não foi encontrada ontem e j á é considerada foragida. Ao decretar as prisões, o juiz avaliou que Queiroz e Márcia poderiam atrapalhar as investigações, ameaçando testemunhas e investigados, se continuassem soltos. O magistrado citou mensagens de Márcia, colhidas em ação de busca e apreensão pelo MP-RJ em dezembro, em que ela dizia que Queiroz, mesmo escondido, continuava dando ordens para constramer testemunhas. 

O magistrado ressaltou ainda que há prova robusta nos autos que testemunhas já deixaram de ser ouvidas por orientação do ex-assessor. Esse foi o caso de Danielle Nóbrega, ex-mulher do capitão do Bope, Adriano Nóbrega, que constou como assessora de Flávio por 10 anos e foi demitida do gabinete em novembro de 2018 a pedido do ex—assessor —o mesmo advogado de Adriano, Paulo Emílio Catta Preta, assumiu a defesa de Queiroz ontem. Outra justificativa para o pedido de prisão foi o fato do casal estar sem paradeiro conhecido há muito tempo, sem informações desde que Queiroz teve alta do hospital, em São Paulo, após ser opera— do, até a prisão ontem.

CRÍTICAS DA FILHA 

Em uma das conversas obtidas pelo MP-RJ, afilhado ex-assessor, Nathália Queiroz, reclama do pai com a madrasta, Márcia. Em 24 de outubro de 2019, Nathália critica as articulações políticas conduzidas por Queiroz e escreve para Márcia:

“Meu pai não cansa de ser burro né?”, e envia uma re- portagem do GLOB O publicada naquela data. A matéria traz um áudio que mostrava que o ex-assessor, oito meses depois de ser exonerado do gabinete de Flavio na Alerj, continuava sendo consultado sobre nomeações no legislativo. Em seguida, Nathália continua as reclamações:

— Ele continha se achando o cara da política. Então, as- sim, parece que ele gosta do holofote, de estar no site, de aparecer. Não é possível — afirmou.

— Antes eu tinha (pena). Agora não consigo porque isso daí é toda hora que eu vejo é ele falando de política, é ele falando negócio de vaga—critica Nathália.  Márcia concorda e critica a  participação de Queiroz nas negociações de cargos. 

— Hoje eu já falei com ele, dei um e*** nele —disse Marcia.

—Ele fala de política como se estivesse lá dentro trabalhando, resolvendo. Um exemplo que eu tenho. O que parece? Parece aquele bandido que tá preso dando ordens aqui fora, resolvendo tudo — afirmou. Esta última frase foi citada por Itabaiana ao pedir a prisão preventiva do casal.

CELULARES ANALISADOS 

O MP-RJ descobriu o paradeiro do Queiroz através de mensagens recebidas no celular da mulher dele, às quais a promotoria teve acesso em de- zembro, após apreender o aparelho. Márcia recebeu de Queiroz e do filho do casal, Felipe, fotografias do imóvel em Atibaia. Essas imagens possibilitaram que os investigadores encontrassem o local, situado a mais de 400 quilômetros do Rio de Janeiro. Segundo a polícia, o ex—asses- sor estava no local há um ano.

Depois disso, o MP-RJ ficou dez dias acompanhando a movimentação na frente da casa de Wassef. Quando os investigadores tiveram certeza da localização, os promotores pediram a prisão preventiva. O despacho do magistrado registra ainda que a defesa de Queiroz entrou com um pedido de habeas corpus em julho de 2019 no qual informou como referência o endereço de um hotel no qual ele não se hospedou. A atitude foi interpretada como mais um indício do esforço de Queiroz para se esconder.

Na casa em Atibaia, os poli- ciais que cumpriram a ordem de prisão apreenderam R$ 900, além de dois aparelhos de telefone celular, documentos pessoais e papéis. Após ser preso, Queiroz foi levado de helicóptero para o Rio. Após descer no Aeroporto de Jacarepaguá, o ex-assessor deu entrada no sistema prisional em Benfica, na Zona Norte do Rio, e de- pois foi transferido para o complexo de Bangu, na Zona Oeste. Por questões de segurança e por conta da pandemia do novo coronavírus, o ex-as- sessor cumprirá um período de isolamento social durante 14 dias no presídio.

Outros investigados no esquema da “rachadinha” também foram alvo de mandados de busca e apreensão ontem. Mandado foi cumprido em endereço de Alessandra Esteves Marins, que trabalhou no gabinete de Flávio Bolsonaro e agora é funcionária do sena— dor no Congresso Nacional. Agentes da Polícia Civil do Rio e do MP—RJ foram a um endereço de Alessandra em Bento Ribeiro, Zona Norte do Rio, localizado próximo a um velho escritório político do presidente Jair Bolsonaro.

Outro alvo de mandado de busca e apreensão foi Luiza Souza Paes, que teve transferências para contas bancárias de Queiroz identificadas pelo MP-RJ. Ela, que nunca teve crachá na Alerj, esteve lotada no gabinete de Flávio entre gosto de 2011 e abril de 2012. Também foram alvos Matheus Azeredo Coutinho, funcionário da Alerj no Departa- mento de Legislação de Pessoal, responsável por atualizar cadastros de parlamentares e servidores — e Luiz Gustavo Botto Maia, advogado de Flávio em causas eleitorais.