O globo, n. 31702, 24/05/2020. Economia, p. 29

 

Novas regras para combater a pirataria na internet

Bruno Rosa

24/05/2020

 

 

Com vendas do comércio eletrônico em alta na pandemia, governo federal prepara autorregulamentação para setor

 

ARQUIVO PESSOALSem nota fiscal. Maria Couto quase comprou um celular pirata sem perceber: valor abaixo do mercado a atraiu, mas comentários a alertaram quanto a problemas

 A crise gerada pela pandemia do coronavírus forçou milhões de pessoas a recorrerem às compras pela internet. O que resultou em uma alta superior a 30% das vendas desde março, diz a associação do setor, a Abcomm. No entanto, esse crescimento veio acompanhado de um aumento de 10% no número de produtos falsificados e irregulares apreendidos pela Receita Federal no primeiro trimestre deste ano, em comparação ao mesmo período de 2019.

É de olho nesse cenário que a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, decidiu dar o pontapé inicial para a criação de um código de autorregulamentação, elaborado em parceria com o setor, para coibir a pirataria no comércio eletrônico.

DADOS SOBRE O VENDEDOR

Segundo especialistas, os produtos irregulares vêm ganhando espaço dentro dos chamados marketplaces —grandes plataformas de ecommerce que abrem espaço para diferentes empresas venderem por meio do seu site. Segundo Luciano Timm, secretário nacional do Consumidor, a autorregulamentação facilitará para os consumidores a identificação da companhia da qual estão comprando dentro do marketplace .Paraisso, será obrigatório informar dados como CNPJ, telefone e endereço.

—A ideia é criar um controle desses vendedores. Isso vai permitir criar uma lista de infratores, impedindo que essas empresas irregulares migrem de um site para outro. Desde o início da pandemia, as compras aumentaram muito pela internet, o que potencializou o problema das falsificações. É preciso ter um comprometimento mínimo das plataformas —ressalta Timm.

A expectativa é que, até o fim de junho, os sites de ecommerce que aderirem ao projeto de autorregulamentação ganhem um “selo” para indicar ao consumidor que os produtos vendidos nessas plataformas estão em conformidade com regras de propriedade intelectual e garantam a segurança do consumidor.

— É preciso que as plataformas tenham cuidado ao vender qualquer tipo de bem. Já pegamos empresa que vendia produtos sem nota fiscal e sem contrato social. A pandemia acelerou nossos esforços nesse sentido —destaca o secretário.

A iniciativa pode ajudar consumidores como a aposentada Maria Couto, que precisou comprar um novo celular durante a pandemia e quase caiu em uma armadilha. Após uma pesquisa na internet, ela se deparou com preços muito abaixo da média em um site que vende produtos novos e usados. Desconfiada, Maria pesquisou nos comentários e ficou surpresa ao ver que consumidores estavam reclamando da falta de nota fiscal.

— Vi gente falando ainda que o manual veio em mandarim porque era da China. Isso é muito ruim, pois, em caso de defeito, onde eu iria reclamar? —reclama Maria, que desistiu da compra.

PERDAS BILIONÁRIAS

Segundo Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional contra a Pirataria (FNCP) e do Instituto Brasil Legal, a iniciativa é extremamente importante, pois a internet é o destino principal da maior parte dos produtos que escapam das operações de apreensão do governo federal, como as realizadas nas fronteiras.

— O consumidor muitas vezes compra produtos sem saber que podem ser ilegais. A internet virou um espaço tranquilo para as quadrilhas. E neste momento de crescimento do comércio eletrônico, os ilegais aproveitam para crescer, prejudicando o consumidor. É importante ter o selo, para que o cidadão consiga diferenciar quais e-commerces protegem seus clientes. Muitos estão preocupados apenas com a margem de lucro —alerta Vismona.

A iniciativa é boa também para a economia do país. Segundo dados do Fórum Nacional contra a Pirataria, a venda de itens falsificados e contrabandeados gerou uma perda econômica de cerca de R$ 291 bilhões somente em 2019, valor que deixou de ser arrecadado com impostos e vendas no comércio legal. Em

geral, as infrações mais frequentes ocorrem na venda de itens como celulares, vestuário, produtos de higiene. Com a pandemia, as máscaras entraram nesse rol.

— A lógica do mercado ilegal é ocupar espaços oferecendo produtos com preços mais baixos, não pagando impostos. Com a brutal recessão, o poder aquisitivo ficará prejudicado, e produtos mais baratos acabam atraindo o consumidor —diz Vismona.

A autorregulamentação vai se somar a uma nota técnica, editada no fim de 2019, que determina que a comercialização de produtos ilegais e falsificados é de responsabilidade das plataformas de comércio eletrônico. Em março, o decreto 10.271 já tornou obrigatório os sites listarem 12 informações básicas sobre os vendedores abrigados em suas plataformas. Entre os dados obrigatórios estão nome comercial e social da empresa, endereço físico e eletrônico, CNPJ, identificação do fabricante e registro dos produtos.

— Hoje já podemos abrir processos administrativos sancionadores com base na nota técnica. Mas buscamos uma solução —explica Timm.

MAIOR SEGURANÇA JURÍDICA

Segundo Guilherme Santos, diretor jurídico da ABComm, o ambiente de vendas on-line ainda tem lacunas legislativas, sobretudo em relação às operações de marketplace. Estabelecer “regras claras quanto aos direitos e deveres dos envolvidos nessas relações tende a trazer segurança jurídica a todas as pontas”, afirma em nota.