O globo, n. 31702, 24/05/2020. Economia, p. 28

 

Ansiedade faz parte da rotina do ‘home office’

Cleide de Carvalho

24/05/2020

 

 

A adoção do trabalho em casa sem planejamento prévio exige adaptações, principalmente para quem precisa equilibrar compromissos profissionais com o cuidado dos filhos, mas experiência tem ganhos

 Passados mais de 60 dias de isolamento social, o desafio do home office já superou o desconforto da cadeira, a lentidão da internet ou a altura do notebook, não raramente posicionado sobre a mesa de jantar. O que move as atenções agora é a saúde mental dos trabalhadores, que viram a rotina mudar abruptamente e sentem-se na obrigação de provar, que, mesmo estando em casa, seguem produtivos e indispensáveis para suas empresas.

Uma pesquisa da consultoria Consumoteca, feita entre os dias 4 e 15 de maio, com dois mil entrevistados em todo o país, mostra que as pessoas já estão sentindo falta do escritório. Apenas 31% dos que estão e mho me off ice dizem trabalhando no mesmo modelo quando findar o período crítico da pandemia.

— O problema é que fizemos um home office forçado, sem acordos prévios com as famílias e sem suporte para o cuidado com os filhos, que também estão tendo aulas em casa —diz o antropólogo Michel Alcoforado, sócio da Consumoteca.

Para a professora Thaís Zerbini, coordenadora do Laboratório de Psicologia Organizacional e do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP), existem vantagens no trabalho em casa, mas a adoção compulsória do modelo gerou problemas:

— Foi tão rapidamente que nem as empresas nem as pessoas estão conseguindo controlar. Propagandista de uma indústria farmacêutica, C.A, de 35 anos, começou a trabalhar em casa em março. O marido voltou ao local de trabalho em poucas semanas, e ela se viu sozinha em casa com duas crianças, de 6 e 2 anos. Com histórico de ansiedade, percebeu que as coisas não iam bem quando começou a ficar irritada com pequenas coisas.

ESTRESSE É NATURAL

A profissional, que prefere não se identificar, buscou ajuda médica, teve a dose do ansiolítico que tomava aumentada e passou a receber orientações sobre como evitar o descontrole. Teve também de pedir ajuda à mãe, que agora fica com as crianças para ela poder trabalhar.

Aos 31 anos, Diego Bastos é auditor independente da BDO, uma das maiores consultorias contábeis do mundo. Casado, pai de uma menina de 7 anos, ele diz ter a sorte de a mulher, esteticista e autônoma, não ter como trabalhar de casa. Com isso, ele não precisa dividir todas as tarefas domésticas e avalia que a experiência do home office tem sido boa:

—Estou mais focado, conseguindo entregar mais.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem o maior número de pessoas ansiosas do planeta: 18,6 milhões.

O psiquiatra Eduardo Tancredi, da ECare, clínica especializada em saúde mental em ambientes corporativos, diz que deixar a velha rotina cria desordem no cérebro, e isso causa estresse físico e mental:

— Todos estamos passando por um momento de adaptação e ajustamento. Todos passam por estresse, mas alguns passam melhor que outros.