O globo, n. 31702, 24/05/2020. Economia, p. 27

 

O trabalho vai para casa

Cássia Almeida

24/05/2020

 

 

Empresas adaptam operaçoes, mas desigualdade deve subir

 Em pouco tempo, setores econômicos conseguiram pôr quase 100% do efetivo trabalhando em casa, quando o isolamento social dos que não atuam em atividades essenciais foi imposto. Empresas de tecnologia tomam a dianteira nessa operação remota, mas estudo da Mercer, consultoria global de recursos humanos, mostra que em 32% das grandes empresas a quarentena teve impacto operação justamente por causa da prática do home office. Isso ocorreu nas áreas de seguros, financeiro e de alta tecnologia. Na área de serviços não financeiros, o trabalho foi pouco afetado para 50% das companhias.

—Teve que ser da noite para o dia, cer cade 15% das que oferecera mho me off ice não tinham essa alternativa antes da pandemia. Foi aos trancos e barrancos, de mandar para casa primeiro, depois o desktop, aos poucos a ergonomia, internet, band alarga—afirma Rafael Ri carte, líder de produtos de carreira da Mercer Brasil. Os que conseguem trabalhar em casa são mais escolarizados, a maioria com superior completo, oque pode piorara distribuição de renda no mercado de trabalho, alertam especialistas. Bruno Ottoni, pesquisador da Consultoria IDados, cita os EUA. Lá, em abril, trabalhadores do comércio, serviços e indústria foram os mais prejudicados. No Brasil, os dados vão até março, quando a quarentena começou.

—Tiveram dois conjuntos de trabalhadores que não foram muito prejudicados. Os que atuam em setores essenciais, como entrega, supermercados, transportes. E o pessoal superqualificado que conseguiu fazer a transição para o trabalho remoto. Quem está sofrendo é meio de distribuição, comércio, serviços e indústria. Eles estão parados, sem perspectiva.

Ao jogar essa camada intermediária para o desemprego, a desigualdade aumenta.

—É possível exacerbara já expressiva desigualdade. O home office já era usado para reter talentos e passou a ser opção para boa parte das empresas. Elas reavaliam a necessidade de ter 95% do pessoal em escritório se estão conseguindo operar remotamente.

— Surge a questão da necessidade de ocupar quatro andares com escritórios — diz Ricarte.

Nos EUA, o líder do Facebook, Mark Zuckerberg, disse na semana passada que vai incentivar o home office e prevê 50% do quadro funcional trabalhando remotamente até 2030. No Brasil, digitais como XP Investimentos, Nubank e Twitter querem manter empregados até dezembro em casa e deixar para eles a opção de trabalhar assim quando o mundo voltar ao normal.

— Em dois dias, 95% estavam em home office, hoje estão 98%. Conseguimos fazer reuniões digitais com a empresa inteira, o que não era possível de maneira presencial — diz Guilherme Sant’Anna, head de Gente & Gestão da XP. Com 2.700 funcionários, 90% deles com superior completo, na diz que as pessoas estão percebendo os ganhos de mobilidade, de poder escolher onde morar:

—Essa condição abriu a cabeça das pessoas, de ganhar as horas que perdiam no trânsito, começam apensar no bairro que gostariam de morar sem se preocupar em quanto tempo vão levar até lá, podem ficar mais próximas das famílias. O mundo anterior não volta. Marcos Mendes, diretor de Gente e Gestão da Oi, já pôs 84% do efetivo em casa: 10,3 mil empregados. Antes da quarentena, só 22% trabalhavam alguns dias em casa:

—Mandamos o equipamento da companhia para a casa da pessoa, formalizamos acordo com sindicato. A virada se deu em uma semana.

Segundo Mendes, não há pressa para voltar ao trabalho nos escritórios. O home office vai ser estendido por mais 30 dias. Quando a pandemia acabar, atele sedia dano Rio quer no mínimo dobrar o efetivo em casa. As contratações são virtuais. A assistente administrativa da Oi Daiana Santos da Silva foi contratada em abril. Formada em Assistência Social, mora em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul:

— É bem diferente. Num primeiro momento, agente fica surpreso. mas há ferramentas, cursos profissionalizantes e suporte da empresa.

NOVA ROTINA

A economista Aline Mantovan, da área de Costumer Experience da Rico, da XP, está desde março em casa. Com dois filhos, Raul, de 6 anos, e Benjamin, de 2, divorciada, quer trabalhar mais em casa quando a pandemia passar. Perdia duas horas no trânsito, em São Paulo.

—É um tempo que posso dedicar a alguma atividade física, o que não era possível antes. Aline usa a primeira parte da manhã, enquanto as crianças dormem, para adiantar o trabalho, e continua à tarde, enquanto o filho estuda on-line. No Nubank, segundo Os Fuentes, VP e head global de Aquisição de Talentos, em 24 horas, todo o pessoal estava trabalhando remotamente. Angélica Bernardes, do Nubank,éu ma das 2,5 mil funcionárias que passaram a trabalhar em casa. Criou uma rotina para dar conta do trabalho e dos filhos:

—A rotina nem sempre funciona, mas preciso reservar um tempo só para as crianças. Senão me demandam o dia inteiro. Almoçamos sempre juntos, algo que nunca fazíamos. O economista Daniel Duque, da Fundação Getulio Vargas (FGV), também espera aumento da desigualdade. Ele lembra que os empregos mais protegidos são aqueles que exigem qualificação, com acessoa o trabalho eà produção por meio digitais:

— Esse trabalho exige conhecimento de software, de programas que são valorizados. Isso vai gerar agravamento grande da desigualdade. Para Duque, grandes empresas não vão voltar totalmente aos escritórios, sobretudo nos grandes centros, onde o custo imobiliário é alto. Assim, a contratação sai do eixo Rio-São Paulo.

— É vantajoso e as empresas não perdem produtividade — diz Mendes, da Oi.

— Pode existir uma excelente pessoa em Manaus que não tinha condições de vir para o Rio. Já estamos fazendo isso. A Covid-19 antecipou a transformação do trabalho.