O Estado de São Paulo, n.46253, 06/06/2020. Internacional, p.A16

 

Após crítica de Trump, Bolsonaro exalta amizade e cogita deixar OMS

06/06/2020

 

 

Presidente brasileiro chama de “irmão” o aliado americano, que mais cedo havia considerado o Brasil um mau exemplo na luta contra a covid-19 e dito que, se os EUA tivessem seguido o exemplo brasileiro, poderiam ter tido até 2 milhões de mortos a mais na pandemia

O presidente Jair Bolsonaro evitou ontem confrontar as declarações de Donald Trump, que citou o Brasil como mau exemplo na luta contra a covid-19. Diante do Palácio da Alvorada, o brasileiro exaltou a amizade com o americano e sugeriu que também pode retirar o País da Organização Mundial da Saúde (OMS), repetindo o que fez Trump com os EUA, em maio.

“Ou a OMS deixa de ser uma organização política ou nós estudamos sair de lá”, afirmou Bolsonaro, que evitou criticar as declarações do presidente americano. “Trump é meu amigo, é meu irmão. Falei com ele esta semana, foi uma conversa maravilhosa. Um abraço Trump. O Brasil quer cada vez mais aprofundar nosso relacionamento”, disse Bolsonaro.

Mais cedo, Trump fez um discurso nos jardins da Casa Branca e comparou Brasil e Suécia, que não impuseram quarentenas rígidas. “Se você olhar para o Brasil, eles estão passando por grandes dificuldades. Eles vivem citando o exemplo da Suécia, que está passando por um momento terrível. Se tivéssemos feito isso, teríamos perdido um milhão, talvez até 2 milhões ou mais de vidas”, disse o presidente americano.

A Suécia, com 10 milhões de habitantes, registrou 4,6 mil mortes de covid-19, oito vezes mais que a Dinamarca e quase 20 vezes mais que a Noruega – ambos vizinhos têm metade da população sueca e adotaram isolamento rígido. Nesta semana, o governo sueco admitiu que deveria ter adotado medidas mais duras de afastamento social para conter a pandemia.

No Brasil, o distanciamento foi determinado por Estados e municípios, não pelo governo federal. Apesar de ser considerado um aliado de Bolsonaro, Trump vem adotando um discurso crítico em relação ao País.

No final de abril, o americano já havia alertado sobre o avanço da pandemia no Brasil. Em maio, ele suspendeu os voos do País, citando a gravidade do caso brasileiro.

A entrevista coletiva de ontem foi convocada para Trump poder se vangloriar dos 2,5 milhões de empregos criados em maio – o desempenho econômico é considerado crucial para sua reeleição em novembro. Mas o presidente abandonou o teleprompter e disparou insultos de improviso. A declaração mais questionada foi quando ele se referiu a George Floyd, negro morto por policiais brancos em Minneapolis, na semana passada – o que deu origem à onda de protestos que completou ontem 11 dias.

“Espero que George esteja olhando para baixo agora e dizendo que isto que está acontecendo é algo grandioso para nosso país. É um grande dia para ele. É um grande dia para todos”, disse o presidente, aparentemente se referindo ao aumento no número de empregos.

Em seguida, a repórter Yamiche Alcindor, da PBS, que é negra, questionou se o presidente não faria algum pronunciamento para tratar do racismo nos EUA. Trump levantou a cabeça e colocou o dedo indicador no nariz, fazendo o gesto de silêncio. Depois, disse que o melhor remédio contra o racismo é a recuperação econômica.

As últimas semanas foram desastrosas para o presidente. Apesar de criticar a situação do Brasil, os EUA ainda são o país mais afetado do mundo pela covid19, com quase 2 milhões de casos e 110 mil mortos. As medidas de isolamento afetaram a economia e o número de desempregados passou de 40 milhões em abril.

Além das crises econômica e de saúde pública, a morte de Floyd causou uma tensão social, com protestos contra a violência policial e o racismo. Em vez de colocar panos quentes, Trump optou por uma resposta dura e ameaçou enviar tropas para reprimir as manifestações nos Estados. Em Washington, ele militarizou a repressão e foi criticado por importantes ex-generais e militares do alto comando das Forças Armadas.

Por isso, os números de ontem, que indicaram uma recuperação do emprego em maio, contribuíram para o tom otimista do discurso do presidente. “Tínhamos a maior economia da história do mundo. E essa força nos permitiu vencer esta horrível pandemia, que já foi praticamente superada. Estamos indo muito bem”, disse. “Tomamos todas as decisões corretas.”

Trump falou por cerca de uma hora. Assim que terminou, começaram as críticas – principalmente à referência feita a Floyd. O democrata Joe Biden, seu adversário em novembro, classificou o discurso de “desprezível”. Brandon Gassaway, porta-voz do Partido Democrata, disse que a mensagem do presidente “era um tapa na cara”.

Alguns republicanos também criticaram Trump, entre eles Michael Steele, que é negro e foi presidente do Comitê Nacional Republicano. “O discurso não apenas soa mal, mas beira a blasfêmia diante do que aconteceu com Floyd”, disse Steele.

- Crítica

“Se tivéssemos feito isso (o que fez o Brasil), teríamos perdido um milhão, talvez até 2 milhões ou mais de vidas”

Donald Trump

PRESIDENTE DOS EUA